Na In Quieta Cidade
Renato Cabral1

 

Então, você sai pela rua, passa por lugares habitados por gente estranha. O conceito de humanidade fica latejando de sentido, mas só fica. Todas aquelas pessoas, andam por direções que você desconhece, na verdade ignora. Os adornos que trazem, não são fatores de diferenciação, são antes, a marca que carregam, às vezes sem saber, da mesmice. Mas isso é o óbvio, coisa de cidade. Pessoas e seus estilos, contrastando com a presença uniforme da abstrata massa. Nela, ainda vale a velha máxima, todos os gatos são pardos, mesmo que na madrugada, dizem, alguns podem ser mais pardos do que outros.


Andar pela rua em dia agitado é algo entre o caos e a normalidade que traz segurança, conforto aos passos. Segurança gratuita, que necessita sempre da desconfiança guardada. Aí, você para em uma esquina qualquer, com aquele ar que só o anonimato de um grande centro moderno permite. E o que vê? Um cruzamento de vazios, onde pessoas vão seguindo seus caminhos habituais com uma determinação que assusta. São tantos os rumos que levam e traz e, mais ainda, o público que vai e que volta por eles, que, se você fosse um referencial imóvel, poderia confirmar a teoria do solipsismo. Mas nunca se engane caro amigo, nada ali gira ao seu redor, é mais fácil o contrário.


Não é só isso que a esquina traz. De modo súbito, como um choque, surge a beleza em forma de frustração, surge através desse esbarrão que o amontoado de pessoas dá. Aparece num corpo, a princípio somente um corpo, que se configura rápido em mulher, cujo nome você não sabe, nunca saberá. Esbelta, vinda não sabe de onde e com quais intenções, vem, esse é o problema, vem e você não sabe se para você. A massa barulhenta permite essa troca de olhares despreocupada com o futuro, sem interesse romântico, permite esse momento erótico frívolo.


A cena antes de ser amor a primeira vista, na verdade, é amor a última vista. Ela vem, te olha sensual e pervertidamente e você tem a ilusão que ela te devora. Mas quando passa e vai, leva junto a inconstância e a inquietação que a poucos passos atrás, foi despertada da normalidade agitada do mundo. Por pouco tempo você acredita quando os homens falam em sujeitos, em individualidades, mas quando ela, já a uma distância que o foco não se dá, some, você confirma, foi amor a última vista e o que continua valendo como sujeitos são os números das indentidades. O pior, ou melhor, não sei, é a angústia quando ela começa a misturar na informe multidão e se perde te levando junto.


Oferecida e subtraída pela multidão, a admirável transeunte logo vai, e o que deixa é a penas a angústia do nunca mais, mistura fina com um suposto talvez. A fugidia beleza, logo que salta aos olhos se perde como um ponto na massa. È um momento paradoxal, em que o arroubo despertado, torna-se malogro solitário. É um encontro insólito, transitório, de despedida certa.


Tom Jobim e Vinicius de Morais estavam certos, "é uma coisa linda que vem e que passa". Coisa porque a admiração é da casca, de uma carapaça linda, tão bela que dispensa o interior. A massa é o elemento que possibilita e dispensa a proximidade da convivência. Aliás não é essa a percepção estética atual, o belo como transitório, passageiro. Você admira a forma e não o conteúdo; quase vazio. Talvez isso hoje, tenha mais valor. Poderiam dizer que a modernidade trouxe a admiração do frívolo. Não sei se concordo, parece que essa é a nossa nova condição. Mas isso, não é uma fatalidade meus amigos, pois eu, bem adaptado, consegui ultrapassar com facilidade essa situação de desespero inicial. Meu conforto é que a cidade é grande e, nela, existem muitas esquinas.

 

Notas

1 - Graduando em Comunicação Social - Jornalismo pela Unit/Uberlândia. E-mail: [email protected]


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