The Wall
Paulo Cesar Gomes de Borba1
Esta análise é uma
tentativa de interpretação psicossocial do filme The Wall, filmado
em 1982 pelo diretor Alan Parker, baseado no disco Pink Floyd The Wall, gravado
pela banda em 1979.
Segundo a revista Som Três número...ano..., o filme retrata a angústia do rockeiro bem sucedido, nas lutas antecipadamente perdidas, nos problemas com o pai e nos conflitos com mestres escolares e esposas. Também exorta, critica e ridiculariza a alienação da vida moderna.
OBS. 1: É importante que
o texto seja lido após ter visto o filme ou juntamente.
OBS. 2: Esta análise não pretende ser definitiva, o texto está
em constante aprimoração, envie sua sugestão, que será
bem vinda.
O filme começa com um prólogo,
o personagem apático em seu quarto, perdido em si mesmo. A entrada em
seu quarto inaugura uma música nova, contrastando com a música
antiga que tocava anteriormente. A invasão em seu quarto é associada
também à revolta, à liberdade, algo que vai ser duramente
reprimida.
Um garoto perde o pai na Segunda
Guerra Mundial, injustamente, pois um oficial preferiu sacrificar os homens
de um batalhão para proteger uma ponte estratégica.
Daí em diante começa a história de um menino que sofreu
com a perda do pai.
Ele vive em um mundo de indiferença
e dor, onde as pessoas são frias e que essa frialdade têm uma causa
e só é possível saber se voltarmos ao passado, se enxergar-mos
em nossa intimidade a solução. Suas dores devem ser revistas,
reavaliadas para serem então arquivadas, do contrário serão
sempre lacunas dolorosas.
A vida moderna é comparada
a um gelo fino e se quebrarmos esse gelo, corre-se o risco de enlouquecer, é
uma vida superficial, nossos paradigmas são delicados, podendo se romper
a qualquer instante causando uma falta de solo firme sob nossas estruturas existenciais.
Somos frágeis, sensíveis e a indiferença nos transforma
em apenas mais um tijolo no muro da individualidade e da frialdade, o muro que
construímos para nós, seres humanos.
No social o muro é o limite,
destroi o homem.
Como então preencher esses
espaços vazios provocados por ele?
Talvez buscando aplausos, o reconhecimento
dos outros, ser alguém, dando as costas a esse muro, fingindo que ele
não existe.
A educação nos programa, controla nossas mentes.
Precisamos nos revoltar, no entanto
estamos sós e indefesos, presos em nossos medos e culpas e não
conseguimos liberdade para a revolta. Essa é uma característica
marcante do século XX, século que o homem descobriu que existe
um inconsciente, uma subjetividade e limitou-se a sofrer, tornou-se um sofredor
que não revolta-se, resignou-se.
Floyd, é um músico
deprimido e sofredor e se pergunta se deve construir o muro. Sua mãe
interiorizada diz que o ajudará a construir.
Ele perde a mulher para outro, no
entanto já não importa mais pois tem sua mãe, ele não
deseja sofrer mais, só a mãe o protege da vagina monstruosa da
dor. No entanto ele se culpa pelo sofrimento da esposa e também o da
mãe. O mundo fechado que criou não permitiu a entrada de outras
pessoas que o amavam e essas pessoas não agüentaram e o abandonaram.
O filme nos mostra que para preenchermos
esses espaços vazios, lacunas do passado, matamos, compramos, trabalhamos
muito, jogamos bombas, bebemos, fazemos muitas coisas, sem jamais relaxar.
Mas o personagem imagina uma forma
de não sofrer, o que acontece com a maioria dos homens, torna-se um ditador.
Digo que é comum à maioria dos homens porque todos temos características
micro ou macro fascistas nas relações diárias, são
atos que não percebemos mas que vamos exercendo o nosso pequeno poder
ou grande poder e muitas vezes estamos reprimindo, julgando, condenando nossos
semelhantes em prol de um mecanismo de defesa existencial, talvez "biológico-instintual".
O personagem pensa e deseja ser
forte, sem sentimentos, indiferente. Todo o passado, todos do passado, não
passam de tijolos no muro, são apenas mais um fato sem importância
para quem é poderoso. A única forma de sair de um muro é
construindo outro, é o que ele faz ao deixar de sofrer ao tornar-se forte
e indiferente.
Mas seus desejos de força dividem-se constantemente, existe uma dialética
em seu pensamento. Ele liga para a esposa, mas ela está ausente, foge
dele, não o deseja mais, pois ele se alienou do mundo enquanto ela vive
a realidade. Ele então deseja libertar-se da dor do abandono, ele quer
voar, mas não têm para onde ir, todos estão muito distantes
e Floyd, não enxerga mais nada além de si mesmo, sendo a televisão
o maior símbolo desta indiferença, desta "individualidade
quase patológica". Ele pensa em procurar outra, no entanto já
não acredita mais no amor, está muito fixado no passado, nada
mais no presente interessa.
O garotinho dentro dele assusta-se
do que vê, olha aquele adulto, demente, enlouquecido e percebe que aqueles
homens que foram para a guerra também eram garotinhos assustados e indefesos
que só queriam voltar para casa, garotinhos que também tinham
seus muros e era justamente por ele que estavam matando-se, estavam defendendo
o muro dos vermes.
A droga é uma fuga, para
que sinta-se confortável. Ele não passa de um verme, pois está
perdendo o controle e expondo seus sentimentos e precisa reagir. Pensa que não
existe dor e o que está acontecendo é dele estar retrocedendo
ao passado, esta revivendo uma dor.
Assim mesmo ele sente-se um verme,
tudo o que toca morre. Seu pai, o sofrimento de sua mãe, sofrimento de
sua esposa e até o ratinho que encontrou em sua infância morreu,
e sentiu a culpa, como sendo sua.
Mas agora sua força é
maior, Floyd reverte a situação e é permitido seguir o
show, a criança se foi e ele está bem. Consegue tirar todos os
vermes que lhe torturam e surge sua mais nova mascara. Tudo o que lhe é
ruim é rejeitado, assim como seu passado. O show continua e ele é
um novo Floyd, frio, indiferente e que descrimina os mais fracos como judeus,
negros, homossexuais, etc. No muro do ódio, eles fazem parte de sentimentos
que Floyd já não compartilha, são fracos, inferiores, são
"ralé", e devem pagar por isso, por demonstrarem suas fraquezas
e fazer tantos sofrerem sob suas influências de perdedores. O muro agora
é somente para os fracos, é a prisão dos fracos. O que
Floyd não percebe é que ele construiu um novo muro para si e bem
mais terrível do que o outro em que sofria.
Floyd aconselha a todos usarem máscaras,
disfarces, cegarem-se diante do mundo, todos precisam ser iguais, a diferença
é fraqueza, todos com seus sorrisos vazios, liberando sua ira e vendo-se
erguer do seu passado culposo, mantendo os sentimentos sujos (vermes) dentro
de si, sem expor, pois caso isso aconteça, você será considerado
fraco e sua pena é voltar para o muro do sofrimento.
Então, não mais sente-se
a dor, ela não pode mais nos atingir, é só seguir os vermes,
ser micro ou "macrofascista". O micro, fascista do dia-a-dia e o macro,
o grande fascista, como os nossos governantes, que nos oprimem em defesa de
suas indiferenças, em defesa de suas individualidades de seus egoísmos
de ter poder e objetos.
No entanto Floyd volta a si, percebe
a grande ilusão que é seguir por este caminho e opta por sentir,
sofrer, ser humano. Isto é demonstrado em seu grito de "basta"
e que agora ele iria assumir a dor e a culpa, ele não deseja ser forte
se for desta forma tão cruel, tão endurecida. Ele se julga culpado
também pelos pensamentos fascistas e deseja proteção, ajuda
para arranjar uma saída, sua fraqueza o faz desejar o muro protetor materno,
mas é tarde e agora terá que sofrer um julgamento da sociedade
que observa seus atos anti-sociais e o quer punido.
Serão os vermes, sentimentos
sujos, que o irão julgar, o acusarão de louco e destruidor de
lares, por ter demonstrado seus sentimentos mais sensíveis, por não
ter sido forte o suficiente, por ter sucumbido à sua dor pessoal, por
não ter agido conforme as regras.
Todos seus pequenos atos "anti-sociais"
vem a tona, tudo o que ele "fez de errado". Seu professor que o criticou
por escrever poemas testemunha contra ele dizendo que se ele tivesse conseguido
educar a seu modo, o garoto não teria saído daquele jeito, mas
os mais sensíveis o perdoavam de tudo; a esposa que ele fez sofrer e
também a mãe, a morte do pai, suas traquinagens da infância.
A sociedade cobra que sejamos sadios, fortes, felizes, todos são obrigados
a serem felizes e quem não consegue disfarça ou sofre a exclusão.
Ela controla nossos comportamentos para que sigamos estas regras.
A mãe surge para ajudar,
tentando fechar o muro novamente, mas agora Floyd terá que se virar sozinho,
o pequeno muro materno não dá mais conta de defende-lo e começa
a crescer cada vez mais até tornar-se intransponível, ele precisa
se ver com questões que precisará agir como um adulto, a saída
será só por ele encontrada.
A culpa e a condenação
novamente o atacam, sua pena é a de ser mostrado perante seus semelhantes
como um fraco e a única forma dos vermes (seu próprio julgamento)
verem a fraqueza dele é derrubando o muro, expondo-o em um mundo julgador
e controlador, que o desprezará e rejeitará até o momento
que ele consiga reerguer um novo muro, o da indiferença.
Depois de tudo acabado, de um garotinho
ter sido julgado e condenado a vida continua. Nos escombros de uma vida passada
novos garotinhos juntam seus tijolos e constróem seus muros e dão
continuidade a existência.
Se nossos muros irão suportar
a cobrança não se sabe, se nós iremos aceitar sempre esse
muro, não se sabe. O que importa é que possamos saber da existência
desse muro e refletir a seu respeito e pensar formas de agirmos, de pensarmos
para podermos construir uma sociedade mais humana, mais sensível, que
aceite mais nossas fraquezas, nossas limitações e não considere
uma presa fácil os que nela caírem, muitos tropeçam e caem
no muro da loucura humana, pois a existência não é fácil
mas precisamos fazer o possível para suportar este "ser" humano
e recomeçar.
Quem realmente amar, sobe e desce o muro se ajudando.
Notas
1 - Graduando em psicologia pela UNISINOS. e-mail: [email protected]