Tocar! - Não Tornar-se: Transformar-se1
Morgana Mengue Saft2
Bom, o que quero poder falar neste texto, sem ter que dar conta dele, num sentido
teórico, e sim num sentido de produção minha e das produções
que fui proporcionando, possibilitando, em alguns momentos da minha vida.
Momentos em que efetivamente resolvi
parar. Parar para pensar o que estava me constituindo, o que era questão
e fazia sentido para mim.
Sentir...
Como eu sentia as coisas que se
produziam e que me tocavam.
Tocar...
Meu Deus! Pensei. Estou anestesiada,
não me deixo tocar. Não posso sentir, logo não vivo!
E aí parei.
Parei de correr, parei de tentar
descobrir, parei de me olhar através dos outros e comecei.
Comecei a olhar para mim e, arrisquei,
toquei as coisas, toquei o outro, sem temer, sem correr o risco de tornar-me
o outro. Mas transformamo-nos.
Transformamo-nos pelo nosso desejo
de ser... e de viver.
Transformamo-nos e vivemos, por
todas as vezes que arriscamos e fomos felizes, que nos decepcionamos, que não
sabemos nada do que ali se passa, e aí, fazemos nossa história.
É mergulhar em águas,
às vezes turvas, mas mergulhar e aí sim, decidir entre permanecer
ou procurar outros lugares. Mas não voltar à margem sem ter experimentado.
Tocar sem misturar-se, sem tornar um o que é dois.
Hoje, sinto meu pulsar, sinto vida
acontecendo em mim. Não quero ser dura em mim mesma.
Não lamento o modo como eu me "virava", porque aquela era a possibilidade, era o jeito que podia ser. Entendo que a história esta, não é um ponto final, mas sim, que este, hoje, agora, é o jeito que está sendo, a quero (vivo), na maior intensidade que posso, colocando em mim a responsabilidade que me cabe de produzir e fazer diferente, dentro do finito território infinito.
Enfim, me sinto num processo, que ainda que finito, está sendo curtido
como infinito em suas possibilidades, está sendo sen-tido, em todas as
suas formas. Que é horrorosamente maravilhoso, como um caminhar sem chão.
É a cada dia descobrir o diferente no mesmo. É sentir o corpo,
no corpo, é efetivamente e-xistir.
Aí é que eu não
sei o que veio primeiro, na verdade, acho que é o processo, e assim,
acontece simultâneo, de também teoricamente eu poder lançar-me
a teorias que não sei, e poder dizer: não sei. Estudar Nietzsche,
Deleuze, Guattari, na verdade ainda é um descobrir, não sentir
ainda, os pés no chão. É como vagar pelo desconhecido,
mas que já não assusta mais.
Então, o que vem primeiro,
a imposição que de algum lugar fizemos a nós mesmos, de
um bem-viver, vivendo, experimentando, arriscando, se machucando, levantando,
sangrando, transformando-nos e sendo...
Ou, primeiro, vemos a possibilidade
de um porto seguro, de que algo nos espera, ainda que não sabemos, mas
há algo....
Bom, mas e aí, que arriscamento é este, se de algo já temos
certeza?
... Algo sempre nos convida ao que
já "conhecemos"....
E o Tocar: Não Tornar-se:
Transformar-se é isto, é o entrar no desconhecido sem nos tornarmos
desconhecidos em nós mesmos, mas transformando-nos a cada momento, a
cada nova descoberta, a cada novo passo e o suportar todo o caus que provoca
o movimento que somos. E como diz Totonho Villeroy: "o caus de uma palavra
nova, um sim e um não (...)"., mas que para viver é "preciso
mergulhar mais de mil pés..."
E como então, acreditamos que de algo realmente conhecemos, se tudo se
transforma, sempre?
Notas
1
- Texto divulgado na cadeira de Psicologia Clínica e Subjetividade Contemporânea
- UNISINOS. São Leopoldo, maio de 2000.
2 - Graduanda em psicologia pela UNISINOS.
E-mail: [email protected]