O Que é o Direito
Marcelo Moura Coelho1

 

Em seu livro "O que é Direito" , Roberto Lyra Filho tenta definir qual é a essência do Direito, dissolvendo, segundo ele mesmo, as imagens falsas ou distorcidas que aceita-se como retrato fiel dele. Ao final do livro é usada uma frase de Engels como analogia para a definição "o livre desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos." Ou seja, Direito é modelo e finalidade.

Para chegar a essa explicação o autor usa de um raciocínio distorcido e ideológico a tal ponto que afirma que a ciência é extremamente corrompida pela ideologia. A respeito de tal incongruência transcrevo abaixo um texto sobre ciência e ideologia do filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, autor de livros como "O Jardim das Aflições" e "O Imbecil Coletivo - Atualidades Inculturais Brasileiras" :

"Ciência e ideologia

Olavo de Carvalho

Época, 8 de Abril de 2001

Quem diz que são a mesma coisa não sabe o que diz

Neste país você não pode impugnar uma opinião como ideológica e não-científica sem que se ergam da platéia vozes histéricas, sublinhadas por olhares de ódio, proclamando que ciência é ideologia. Pior ainda, ideologia burguesa.

Que nenhum conhecimento possa estar livre da contaminação das crenças gerais da sociedade é coisa óbvia. Mas pretender que todas essas crenças sejam ideológicas e associadas a uma classe em particular já é loucura, porque uma ideologia de classe não é outra coisa senão a especificação ideológica de crenças comuns a todas as classes. A maioria das pessoas está persuadida, por exemplo, de que a vida tem algum sentido. Se não fosse essa crença geral, nenhuma delas poderia tentar realizar esse sentido segundo valores "aristocráticos", "burgueses", "proletários" ou seja lá o que for. Uma teoria científica que dê por pressuposto que a vida tem sentido está contaminada de uma crença do senso comum, mas isso não a torna ideológica de maneira alguma. A distinção de senso comum e ideologia é tão incontornável que todas as ideologias em conflito buscam argumentos no depósito do mesmo senso comum. Ele existe sem elas, mas não elas sem ele.

Em segundo lugar, ainda que uma teoria científica repetisse ipsis litteris uma sentença de alguma cartilha ideológica, nem por isso ela se tornaria ideológica. Uma afirmação não é ideológica ou científica por seu conteúdo isolado e sim pela forma lógica da estrutura argumentativa que a sustenta.

A argumentação ideológica é toda feita de saltos, elipses e duplos sentidos por onde se introduzem de maneira mais ou menos sorrateira os pressupostos mais arriscados e descabidos. Já a estrutura da demonstração científica exige o controle rigoroso do sentido intencional dos conceitos e a translucidez no encadeamento das provas. Isso é assim justamente para que a presença de qualquer elemento ideológico, fantástico ou subjetivo possa ser advertida e descontada no cômputo da validade final das provas. Esse cômputo é o que justamente falta no pensamento ideológico, que a ele se furta sob a alegação insana de que ele próprio é a única forma de pensamento que existe - alegação que, pelo simples fato de ser brandida contra uma outra forma de pensamento, já afirma a existência desta última e, portanto, sua própria falsidade.

Quem proclama que ciência é ideologia só prova, com isso, que é um ideólogo e não um homem de ciência, pois a identidade de ciência e ideologia só vale como preceito ideológico e não como regra do método científico. Essa proclamação não expressa uma identidade real, mas um desejo: ciência e ideologia não são a mesma coisa, mas o ideólogo desejaria que fossem, para que nenhuma prova científica pudesse valer contra as pretensões de sua ideologia.

Que duas coisas costumem aparecer juntas não quer dizer que sejam a mesma coisa. A mistura usual da ciência com elementos ideológicos não apenas não constitui prova de que ciência seja ideologia, mas, bem ao contrário, a possibilidade mesma de assinalar aí a presença desses elementos repousa na distinção entre eles e a ciência genuína. Dito de outro modo: se ciência fosse ideologia, seria impossível provar que há elementos ideológicos numa teoria científica qualquer. A identidade de ciência e ideologia é, pois, um desses casos de escabrosidade intelectual em que o conteúdo do enunciado é desmentido pelo fato mesmo de que seja possível alguém enunciá-lo, como, por exemplo, quando um sujeito diz que aquilo que está dizendo é indizível. O indivíduo que é adestrado para repetir frases desse tipo sem atentar para a incongruência da situação se torna progressivamente um alienado verboso e sem consciência de si.

Infelizmente, esse é o único treinamento que hoje se pode adquirir na maioria das universidades brasileiras. Por isso todo mundo aí acredita que ciência é ideologia."

Logo vê-se que Roberto Lyra Filho tem a pretensão de fazer ciência, quando suas teorias é que são profundamente afetadas pela ideologia e ainda assim ele acha que são os outros os ideólogos. Sua obra é recheada de palavras de ordem socialistas e de clamores contra os "espoliadores burgueses" repetidos à tanta exaustão que parece o autor querer convencer o leitor de que está certo pelo cansaço.

O escritor ainda faz a distinção entre as duas principais correntes jurídicas:

1. A positivista , que sempre capta o Direito quando já vertido em lei. Ou seja, a ordem é privilegiada e colocada acima do resto.
2. A jusnaturalista, que visa estabelecer padrões jurídicos universais que buscam acima de tudo a justiça.


As duas escolas não devem se auto-excluir e deram origem a várias subcorrentes do pensamento jurídico. Lyra Filho afirma que só um fôlego dialético pode superar a "oposição" criada entre o direito natural e o direito positivo.

Inicialmente o autor tenta fazer uma ligação entre direito positivo e os sistemas jurídicos dos países capitalistas, mas depois reconhece timidamente que os países socialistas sucumbiram ao positivismo , sem reconhecer entretanto, que os países da antiga "Cortina de Ferro", Cuba e China eram, ou são infinitamente mais positivistas que os "odiados" burgueses.

Para Lyra Filho , a propriedade privada é uma criação burguesa positivada após as revoluções liberais e que tinha como pressuposto um suposto, segundo ele, direito natural. Não vê o jurista que a propriedade privada foi criada naturalmente assim que o homem deixou de viver em comunidades primitivas, como vivem alguns índios até hoje. Não foi a propriedade privada criação deliberada de espoliadores sedentos para explorar os oprimidos.

O autor fala da opressão que a sociedade capitalista exerce sobre as mulheres , os homossexuais e a minorias em geral, sem perceber que é exatamente este tipo de sociedade que possibilitou a luta desses grupos por direito e por respeito. Por exemplo, foi sobre a égide capitalista que as mulheres, após começarem a trabalhar fora e a ganhar seu próprio dinheiro, iniciaram as lutas feministas, luta essa que não pode ser dissociada do contexto social. A queda do socialismo no Leste Europeu, a qual o autor já falecido não pôde assistir, mostrou que eram os socialistas que não respeitavam tais grupos, vide o caso da Iugoslávia.

Lyra Filho disserta ainda sobre a censura e a reeducação a que supostamente os opositores do capitalismo são submetidos e "esquece-se" de escrever que pior sofreram os opositores ao socialismo que vivíam no Leste Europeu, ou que vivem em Cuba ou na China. Isso sem contar a própria censura, a patrulha ideológica que o meio acadêmico brasileiro sofre, exercida por "pensadores" marxistas e gramscianos.

O escritor mostra-se também adepto da falácia do "socialismo democrático". Tal conceito não existe e pior, socialismo e democracia são diametralmente opostos , pois um sistema que tem como base a ditadura do proletariado e a coletivização de qualquer propriedade privada pode ser qualquer coisa, menos democrático. O que o autor e seus colegas socialistas não conseguem perceber é que a propriedade privada é uma extensão da própria pessoa e a ela é tão inerente quanto a liberdade de expressão e outros direito básicos.

Num raro momento de lucidez, Lyra Filho afirma:

"Direito e Justiça caminham enlaçados; lei e Direito é que se divorciam com freqüência."

Mas esse momento perde-se logo, pois para o jurista justiça é algo inerante ao socialismo. Ele chega até a invocar a palavra mágica "justiça social", senha que desencadeou e desencadeia as maiores afrontas aos direitos humanos, à vida e à liberdade já conhecidas pela humanidade.

Mas na sua pretensão de fazer ciência o autor, ao final do livro, se entrega e revela-se um ideólogo e não um cientista, na passagem que diz:

"... a justiça real está no processo histórico de que é resultante..."

Esse é um dos princípios básicos da ideologia marxista, na qual tudo é fruto do processo histórico. Outro ponto , não explicitado, ideologia do autor é que a superestrutura econômica é que determina o resto, outra premissa básica do marxismo. Lyra Filho escreve várias vezes como o modo de produção influencia e determina todas as outras características de uma sociedade.

Conclui-se que o autor que ,segundo ele mesmo, queria tirar os óculos de lente deformadoras da ideologia e que afirmava não ter um mapa pré - fabricado , tem as mesmas características que aponta como defeitos e que tanto despreza. Seu livro é portador de uma visão rancorosa e de preconceitos socialistas, não merecendo a deferência a que é submetido.

 

Notas

1 - Graduando em direito. e-mail: [email protected]


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