A Morte1
Madelon Correa Zago2

 
 

A Abordagem Mitológica da Morte

 Na mitologia grega encontramos Tânatos ( Thánatos ), cuja raiz indo- européia *dhwen, se refere a “dissipar-se, extinguir-se”. O morrer estaria relacionado ao ocultar-se, ao ser como uma sombra, pois na Grécia o morto era tido como uma espécie de retrato em sombras, um corpo insubstancial.

 De acordo com os estudos realizados por Brandão (1994 ), Tânatos seria um dos filhos do deus Céu com a velha divindade nascida do Caos, a Nix ( noite ) que por sua vez, gerou as seguintes abstrações: Moro, Hipno, Momo, Hespérides, Queres, Moîras, Nêmesis, Gueras, Éris e Tânatos.

 Tânatos personifica a morte, mas não é o agente da mesma, ou seja, mostra-se como seu representante, um ente divino, porém não o causador das mortes. Simbolicamente, Tânatos representa o aspecto perecível e destruidor da vida e relaciona-se de alguma forma com os ritos de passagem, haja visto que todo e qualquer começo passa por uma fase de morte, antes que o novo surja algo “passado” deve se exaurir. Não há começo sem fim e vice-versa.

Enquanto valor psicológico, Tânatos contém um valor potencializado na capacidade de extirpar as forças negativas e regressivas, ao mesmo tempo em que desperta as energias espirituais.
“Filho da Noite e irmão de Hipno, o Sono, possui como sua mãe e seu irmão o poder de regenerar. Quando se abate sobre um ser, se este orientou sua vida apenas num sentido material, animalesco, a morte o lançará nas trevas; se, pelo contrário, deixou-se guiar pela bússola do espírito, ela mesma lhe abrirá as cortinas que conduzem aos campos da luz.” ( BRANDÃO, 1994, p.227 )

Nesse sentido a morte tem modelado a subjetividade humana antes mesmo que surgisse no homem uma capacidade de pensamento reflexivo abstrato que viabilizasse a conceitualização dos acontecimentos e fatos inerentes à complexidade existencial de nossa espécie. Posto que sabemos que a filosofia surge exatamente com o final das explicações mitológicas.

O ator complementa a abordagem acerca de Tânatos reafirmando que em todos os níveis da vida humana coexistem a morte e a vida, ou seja, uma tensão entre forças contrárias, onde a morte pode ser entendida como condição de ultrapassagem de um nível para outro, como libertadora dos sofrimentos e preocupações e, principalmente como um meio e não um fim em si. “Ela pode abrir as portas para o reino do espírito, para a vida verdadeira: mors ianua uitae, a morte é a porta da vida.” ( BRANDÃO, 1994, p.227 )
 

 A ABORDAGEM FILOSÓFICA SOBRE A MORTE
“A morte é uma possibilidade ontológica que a própria pre-sença sempre tem que assumir.”
M. Heidegger

Através desse enfoque filosófico estaremos, mesmo que sucintamente, buscando uma reflexão mais elaborada do ser humano acerca da morte.

Poderíamos certamente, abarcar uma vasta gama de filósofos que entre seus questionamentos incluíram a finitude da existência humana, como por exemplo Albert Cammus, Nietzsche e Heidegger, entre outros. No entanto, esse trabalho requer que sejamos um tanto sucintos, haja visto que vários aspectos do tema morte deverão ser desenvolvidos.

Resolvemos então apresentar o cunho filosófico através de Heidegger em sua obra Ser e Tempo, onde ele dedica um capítulo ao estudo direcionado para  A possibilidade da pre-sença ser-toda e o ser-para-a-morte, e, por vezes fizemos recurso dos estudos filosóficos de José de Souza Maranhão, um sociólogo, psicólogo, historiador e filósofo que entre outros trabalhos, desenvolveu “A Negação da Morte no Ocidente: uma abordagem interdisciplinar”.

Heidegger pensa e conceitualiza a morte como a própria estrutura essencial da existência, a morte para ele não vem de fora, não se constitui mero acidente, pois em sua conceitualização a existência humana é um ser-para-a-morte ( Sein-zun-Tode )

Na visão heiderggeriana a morte pertence à vida, é parte do processo da própria descoberta do ser. Cada homem tem que morrer a sua morte é a única coisa insubstituível, pois ninguém pode fazê-la em nosso lugar, podemos no máximo morrer por alguém, mas não no “momento” de alguém.

Morrer caracteriza-se como a possibilidade mais peculiar, insubstituível e insuperável de nossa existência. É algo que está presente desde o momento em que se dá o primeiro sopro de vida. Permanecendo de forma constante em todo e qualquer movimento e atitude de vida, como que a espreita de sua possibilidade máxima de concretização.

“Da mesma forma que a pre-sença, enquanto é continuamente já é o seu ainda-não, ela também já é o seu fim. O findar implicado na morte não significa o ser e estar- no-fim da pre-sença, mas o seu ser-para- o- fim. A morte é um modo de ser que a pre-sença assume no momento em que é. “Para morrer basta estar vivo.”” ( HEIDEGGER, 1989, p.26 )

Maranhão ( 1985 ),  acredita que a única maneira de o homem se realizar autenticamente, assumindo a responsabilidade da própria vida, é enfrentar fria e corajosamente a sua finitude e contingência, isto é a sua inevitável morte.

No entanto, a maioria dos homens parece desconhecer sua inferioridade e finitude diante da natureza dos fatos. Segundo Maranhão, a maior parte dos seres humanos foge da morte e perde-se no anonimato da “massa”, alienando-se no medo diante de uma morte transformada numa espécie de espetáculo, de um acontecimento a parte e impessoal e deslocado para a terceira pessoa.

Nesse sentido pensamos e verbalizamos constantemente, de tal forma, que predomine o “morre-se” e por isso, atribuímos a morte a qualquer um outro, mas não ao Eu em questão. A morte nivela-se a um acontecimento, um fato público, que nos chega de forma impessoal, caracterizando a fala da morte como um “caso” que permanentemente ocorre de maneira “distanciada” das possibilidades idealizadas por nós.

Importante pensar ainda, dentro do conceito abordado por Heidegger, está a questão da angústia gerada em função da morte.

De acordo com Heidegger, a angústia permite que se mantenha a ameaça absoluta e constante de si mesmo, que emerge do ser mais próprio e singular da pre-sença.

Na angústia, a pre-sença se dispõe frente ao nada da possível impossibilidade de sua existência. Ora, estamos diante da inferioridade do ser humano frente à supremacia da natureza, de sua tentativa de superar sua finitude e não apenas prolongar sua existência, mas alcançar sua eternidade.

“O ter-por-verdadeira a morte- sempre a morte é apenas própria - mostra um outro modo de certeza, sendo mais originário com relação à certeza, sendo mais originário com relação à certeza referente a um ente que vem ao encontro dentro do mundo ou aos objetos formais; pois está certo do ser-no-mundo. Como tal, ele não apenas reivindica um comportamento determinado da pre-sença, mas a reivindica na plena propriedade de sua existência.” ( HEIDEGGER, 1989, p. 49 )

Para Heidegger a angústia identifica-se com essa possibilidade de finitude que acompanha nossa existência, faz uma distinção com relação ao medo, pois ele diz que sentimos medo diante de algo determinado, de algo que nos ameaça. Sendo a angústia resultado sem objeto determinado, resultante do “nada”, um sentimento que nos invade quando pensamos que nosso ser poderá deixar de existir. A angústia é o nosso sentimento de aniquilamento.

 Para Maranhão (1986 ), não caímos de repente na morte, porém caminhamos para ela passo a passo: morremos a cada dia. A última, em que deixamos de existir, não faz, por si mesma, a morte mas realiza-a, quando chegamos nela, há muito já caminhávamos em sua direção. Sendo assim, ele nos diz que, o dia em que deixamos de viver não corresponde ao dia em que morremos, mas, sim, em que se acaba de morrer.
 

MÚSICAS QUE ABORDAM O TEMA MORTE

1. Com a Boca no Mundo
Lee Marcucci/ Luiz Sérgio/ Rita Lee

Quantas vezes eles vão me perguntar/ Se eu não faço nada  a não ser cantar/ A não ser cantar/ Quantas vezes eles vão me responder/ Que não há saída a não ser morrer/ A não ser morrer/ Isso não tem mais jeito/ Foi tudo dito e feito/ Agora não é tempo/ Da gente se esconder/ Tenho mais é que botar a boca no mundo/ Como faz o tico-tico quando quer comer/ Quando quer comer/ Essa fome é vontade de viver/ Chamar a atenção pra você me ver/ Pra você me ver/ Em pleno movimento/ Meu corpo é um instrumento/ Eu sopro aos sete ventos/ Pra você me escutar/ Pra você me ver/ Pra me ouvir falar7 Disso tudo/ Essa melodia não acaba/ Quando eu resolver parar de cantar/ Quando eu resolver parar de cantar.
 

2. O Último Dia
Paulinho Moska / Billy Brandão

Meu amor o que você faria/ Se só lhe restasse um dia/ Se o mundo fosse acabar/ Me diz o que você faria/ Ia manter sua agenda/ De almoço, hora, apatia/ Ou esperar seu amigos/ Na sua sala vazia/ Meu amor, o que você faria// Se só lhe restasse esse dia/ Se o mundo fosse acabar/ Me diz o que você faria/ Andava pelado na chuva/ Corria no meio da rua/ Entrava de roupa no mar/ Trepava sem camisinha/ Meu amor, o que você faria/ O que você faria/ Abria a porta do hospício/ Trancava a da delegacia/ Dinamitava o meu carro/ Parava o tráfego e ria/ Meu amor, o que você faria/ Se só te restasse esse dia/ Se o mundo fosse acabar/ Me diz o que você faria
 

3. Nem luxo , nem lixo
Rita Lee/ Roberto de Carvalho

Como vai você
Assim como eu
Uma pessoa comum
Um filho de Deus
Nessa canoa furada
Remando contra a maré
Não acredito em nada, não
Até duvido da fé

Não quero luxo, nem lixo
Meu sonho é ser imortal, meu amor
Não quero luxo, nem lixo
Quero saúde pra gozar no final
 

RESUMO: Mitologia e Filosofia – Madelon Corrêa Zago

Na mitologia grega Tânatos ( Thánatos ), se refere a “dissipar-se, extinguir-se” e estaria relacionado ao ocultar-se. O morto era tido como uma espécie de retrato em sombras. Simbolicamente, Tânatos representa o aspecto perecível e destruidor da vida e relaciona-se com os ritos de passagem. Enquanto valor psicológico, a morte era potencializada na capacidade de extirpar as forças negativas e regressivas, ao mesmo tempo em que despertava as energias espirituais, ela podia ser entendida como condição de ultrapassagem de um nível para outro, como libertadora dos sofrimentos e preocupações.

Na visão heiderggeriana a morte pertence à vida, é parte do processo da própria descoberta do ser, a morte é a única coisa insubstituível e estaria presente desde o momento em que se dá o primeiro sopro de vida. Mas a maioria dos homens parece desconhecer sua inferioridade e finitude diante da natureza dos fatos.

Para Heidegger a angústia identifica-se com essa possibilidade de finitude que acompanha nossa existência. Sendo esta, resultado sem objeto determinado, resultante do “nada”, e um sentimento que nos invade quando pensamos que nosso ser poderá deixar de existir, a angústia é o nosso sentimento de aniquilamento.

Segundo Maranhão, a maior parte dos seres humanos foge da morte e perde-se no anonimato da “massa”, alienando-se no medo diante de uma morte transformada numa espécie de espetáculo, de um acontecimento a parte e impessoal, e deslocado para a terceira pessoa.
 
 

Notas

1 - Texto produzido na cadeira de Introdução a Filosofia (UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS)
2 - Graduanda em psicologia pela UNISINOS. E-mail:[email protected]


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