Epifania Social
Luciano Buzatto1

 

A vida é surpreendente! A vida rebenta, explode teimosa, vinga nesse apavorante mundo humano, consumista e mesquinho, numa extraordinária prova de coragem. É preciso muita bravura para suportar a vida. É preciso muita força para viver, pois viver significa também matar, principalmente nesse nosso mundo capitalista, onde impera uma espécie de darwinismo social.

Desde que o mundo é mundo - me desculpem o chavão - alguém precisa matar outrem para sobreviver. Será essa a condição da vida: a morte? Eu tenho a convicção absoluta que não, embora reconheça o quanto ainda estamos longe da vida sagrada e sublime, alheia à morte, alheia ao "tudo se transforma", alheia à matéria, como nós a conhecemos.

As pequenas mortes do dia-a-dia acontecem sem que o homem se de conta que é a única vítima. As concessões em detrimento aos caprichos sociais - preconceitos pavorosos -, tais como estar na moda, ser magro, ser branco, ser rico, formam as regras a serem obedecidas para o indivíduo ser aceito na sociedade. A ordem também é ser arrogante, frio, ambicioso e inescrupuloso. O outro que se estrepe!

A falência das utopias coletivas, o neoliberalismo, a instituição de uma sociedade capitalista geraram um homem embrutecido, solitário e individualista, cuja religião não está mais conseguindo se manter como o verdadeiro elo entre ele e Deus. A religião esqueceu Deus em alguma parte desse processo, e o homem, para encontrar o sagrado, precisa se voltar para o primitivo, para o ritual, para o símbolo - isso explica o grande sucesso da literatura mística e de auto-ajuda.

Hoje, o brioso êxtase transcendental é consumir, comprar, gastar dinheiro nos shopping-centers. Aliás, o shopping se transformou na grande catedral sagrada do homem, onde ele encontra a satisfação material, o prazer de viver e a paz espiritual - papel que era ocupado pela religião. O homem vale pelo que possui de concreto e material. Viva a aparência, que se estrepe o espírito!

O futuro do próximo, do planeta e da vida não importa mais que o lucro fácil e imediato. Ganhar muito dinheiro é o que vale. A miséria não é culpa dos ricos e famosos, dirão eles. Então, de quem é a culpa? Do desemprego estrutural, responderão. Nunca irão admitir que é a falta de Deus, que é a falta de princípios morais e éticos que aumenta as dimensões da pirâmide social. As elites se fartam de exageros de consumo supérfluo sobre o cadáver de Deus e sobre a gente miserável e moribunda que as servem. A epifania da elite é ser Deus; a do pária proletariado é ser elite. Até quando continuaremos andando sobre esse círculo epifânico e infernal? Pelo menos, enquanto Deus estiver longe da nossa organização política, econômica e social.

 

Notas

1 - Luciano Buzatto é poeta, escritor e membro da Academia Jundiaiense de Letras. Jundiaí/SP. Home page: www.ya.com.br/free/buzatto.html. E-mail: [email protected].


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