Viajar, Clicar, Transformar
Leonardo Segalin1
Muitas vezes, no dia a dia me deparo com questões complexas, e considero
isto bom, pois essa condição me leva a repensar o assunto que
causa esta inquietude e conseqüentemente provoca um desejo de produzir
algo com isso. Posso experimentar essa sensação nas minhas viagens
pela internet.
Quando Morin, em seu texto: Epistemologia da Complexidade 2
remete ao pensamento de Pascal que
considerava impossível conhecer o todo sem conhecer as partes e quando
ele próprio afirma que tudo esta em tudo e reciprocamente, questiona-se
o modo que a sociedade atual pensa, modo este que muitas vezes desconsidera
o todo por ter se criado uma forma de pensar onde, muitas vezes, consideramos
apenas a situação em si, ou seja, a pensar separadamente. Concordo
quando o autor fala que isto é necessário, mas concordo mais ainda
quando ele diz que não é necessário separações
absolutas, pois isso leva conseqüentemente a um modo reducionista de se
pensar. Voltando ao início do texto, quando afirmo que a questão
da complexidade é algo bom, quero dizer exatamente isto, que não
devemos fugir das questões complexas e novamente concordo com Morin quando
no texto fala sobre os especialistas que desconsideram o todo, reduzindo-se
aos seus saberes, considerando-os como absolutos e desconsiderando as idéias
gerais, aquelas que se referem à natureza do homem, da vida e da sociedade.
Estas por sua vez remetem a pensar sobre questões fundamentais sobre
o homem e a vida, ou seja, o pensar filosófico, que vem cada vez mais
sendo "esquecido". Cada vez mais se vê a necessidade de misturar
os conhecimentos, possibilidade esta que a internet disponibiliza através
das produções publicadas. O pesquisador on-line poderá
em um curto espaço de tempo, ter em mãos uma variedade infinita
de abordagens sobre um mesmo conhecimento e conseqüentemente poderá
se utilizar destes para a produção de um outro conhecimento atravessado
por suas idéias e significações.
Certamente neste final de milênio o pensamento renascentista onde a desordem
não era mais do que uma ilusão não tem mais lugar, pois
vivemos numa sociedade caótica, onde a ordem não mais ordena,
onde o pensamento mecanicista, pensamento linear, não suporta mais a
realidade. Instala-se, portanto um novo paradigma, onde é necessário
repensar as questões que até então eram consideradas como
absolutas, momento limítrofe segundo Lévy.
É no mínimo engraçado pensar que a desordem que se instaura
atualmente se deve ao fato do próprio desenvolvimento do pensamento organizado.
Tentando elucidar este comentário trago como exemplo o conhecimento do
universo que era tido como um todo, um universo organizado, ordenado e que,
com o desenvolvimento da tecnologia, "des-cobriu-se" que este é
movimento, transformação, o porvir. Mas isto não é
o doce da vida?
Novamente ressalto que isto é bom, assim como Hegel já afirmava
quando nos dizia que "o verdadeiro pensamento é aquele que enfrenta
a morte, que olha de frente a morte". É preciso encarar e enfrentar
essa complexidade. Isto se daria pensando sistematicamente, ou seja, pensar
a desordem ordenadamente, visto que em todo sistema existem objetos organizados.
Afinal, a inteligência também pode ser entendida como a capacidade
de formular analogias, ou quem sabe, links...
É necessário transformarmos a realidade em que vivemos e isso
é possível pela mudança na maneira como relacionamos nossos
pensamentos através da experimentação do tempo e do espaço.
A sociedade pode mudar a realidade através da liberdade que possui de
inventar, criar novas ordens na desordem, utilizando-se para isso a tecnologia
de uma maneira menos dura, vendo nela ilimitadas possibilidades de construções
que enobreçam a sociedade, que a desenvolvam.
O que Heráclito formulou há quase três milênios me
remetem a pensar na questão da internet e da possibilidade de construção
de outras possibilidades, de outros conhecimentos. "Viver de morte, morrer
de vida". Com a complexidade de conhecimentos em pleno movimento flutuando
num espaço sem fronteiras não podemos nos limitar a simplesmente
reproduzi-los, mas sim transforma-los em outros conhecimentos, cada vez mais
progressivos.
Atualmente vejo na música de Chico Buarque, Bom Conselho,
um bom exemplo de como podemos olhar o mundo. Ele nos fala que é preciso
agir duas vezes antes de pensar, ou seja, é preciso olhar de fora e dentro
toda essa complexidade e para isso é necessário experimentarmos
várias situações e seus momentos sempre deixando uma incerteza
pairando no ar e não nos deixarmos dominar por um único objeto
de conhecimento, principalmente quando este se considera absoluto. Certamente
é bom ter certeza, mas se essa é uma falsa certeza isso é
muito ruim - Edgar Morin.
Estamos vivendo aquele futuro que imaginávamos, ou não, há
alguns anos. Não podemos mais nos amarrar a velhas opiniões, a
velhas verdades, elas estão aí, mas isso não significa
que sejam verdades absolutas. Embriaguemo-nos então com a complexidade
e façamos dela um bom motivo para vivermos o dia seguinte, sejam produzindo
outros nós ou desatando os que já existem, nesta infindável
teia em que estamos lançados.
Bom Conselho - Chico Buarque
Ouça um bom conselho
Eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança.
Venha meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim não sei de onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio vento na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade
"Uma coisa é certa: vivemos hoje uma destas épocas limítrofes
na qual toda a antiga ordem das representações e dos saberes oscila
para dar lugar a imaginários, modos de conhecimento e estilos de regulação
social ainda pouco estabilizados. Vivemos um destes raros momentos em que, a
partir de uma nova configuração
técnica, quer dizer, uma nova relação com o cosmos, um
novo estilo de humanidade é inventado." (Pierre
Lévy, 1993)
Notas
1 - Graduando em psicologia pela UNISINOS. e-mail: [email protected]
2 - In: SCHNITMAN, D. (org.) Novos Paradigmas: Cultura e Subjetividade, Porto Alegre, Artes médicas, 1996.