A Inevitabilidade da Psicanálise1

Juliane Tagliari Farina2

 

Dizem que a psicanálise está em decadência. Até acredito. A academia tem sua parcela de responsabilidade nisso: tentou dar conta das demandas do mercado e adaptou a Psicanálise a regras de psicoterapia. A Psicanálise perdeu sua função de pensar a trajetória da humanidade, sua origem, o porquê de seu mal-estar.

Eu não sei se acredito na Psicanálise, creio que não seja esta a questão: a escolha de uma linha teórica que dê conta de uma técnica terapêutica eficaz, que por sua vez dê conta de nossas inquietações clínicas. A técnica é uma conseqüência de uma construção de olhares sobre o fenômeno humano, se constrói na experiência.

A Psicanálise, a meu ver, é inevitável, está na origem da Psicologia como teoria e técnica academicamente regulamentada. Qualquer que seja a linha teórica. Tudo teve sua origem na tentativa de confirmá-la, complementá-la ou refutá-la nos pontos em que o analista (não só no sentido clínico) não encontra respaldo na teoria psicanalítica freudiana. Aqui estão seus precursores psicanalistas ou seus precursores fundadores de outras teorias ou técnicas psicológicas.

Como já disse, não se trata de crédito e sim de inevitabilidade da Psicanálise. A partir daí me interessam suas intersecções, o que confirma, o que complementa e o que refuta meu olhar inevitavelmente psicanalítico.

Nas linhas teóricas que me foram acessíveis academicamente, a Psicanálise é a única que dá conta de questões inevitáveis em meu pensamento: a origem da civilização, do modo de organização humana, seus desejos, as características que nos determinam homo sapiens. A partir daí a relaciono com outros pensamentos que tentam dar conta destas questões e se tornam intercessores diretos da Psicanálise, sem excluírem-na como técnica de busca do pensamento humano e seus processos de significação.


Nietzsche está no topo desta lista. Ele a confirma, a complementa e a refuta, no que, para mim, são seus pontos nevrálgicos ou que entraram em colisão com a contemporaneidade. Nietzsche, neste momento, nos respalda, libertando-nos da culpa, fundadora da civilização para Freud, fundada pela doença do ressentimento para ele. Neste sentido, Nietzsche também se torna inevitável não só porque foi o primeiro a auto-intitular-se psicólogo, como também foi lido por Freud.

 


A Inevitabilidade do Interpretaço

O ser humano sempre fez, faz e fará o interpretaço. Mas nós, seres sensíveis da área Psi não o suportamos. Interpretamos mal a interpretação. O vocabulário chega a ser popular: "estás negando, sublimando, racionalizando, projetando..." mera redução dos mecanismos de defesa que todo ser humano usa, tenha o nome que tiver, à interpretação. Que seres ressentidos somos nós, seres Psi, não suportamos nosso próprio veneno. Vivemos querendo transformar nossas relações em relações terapêuticas como se vivêssemos num consultório: quem interpreta se mune de uma atitude clínica superestimada, quem ouve a interpretação não passa de um paciente sensível diante de um terapeuta opressor e equivocado em sua atitude interpretativa. Que saco! Por que nos julgamos num universo à parte? O que nosso "estás racionalizando" tem de diferente do "deixa de ser intelectualóide" de nosso irmão adolescente? É que, vindo de um ser Psi para outro, fere nosso ego tratado, supervisionado e portanto, saudável! Palhaçada! Somos ressentidos de nossa condição, não agüentamos nossas fraquezas humanas, vivemos num setting terapêutico promotor de doença, de perseguição quando só estamos sendo humanos.


Vivemos de interpretações. São elas que nos permitem construir perspectivas de sentido sobre o que vemos. A interpretação é, portanto, subestimada. Temos mais é que interpretar. Não há uma interpretação certa ou errada. O que há é fabricação de sentido, não determinação, finalização de sentido. Uma interpretação dá margem a muitas outras: pense numa e surgirão infinitas possibilidades de interpretação. É isto que interessa. Não o ressentimento de ter seu pensamento enquadrado em uma defesa patológica. Só quem têm este olhar e este preconceito somos nós, seres Psi.

 

Notas

1 - Texto publicado no site Instituinte em 04 de julho de 2002.

2 - Graduanda em Psicologia da PUCRS. VIII semestre. E-mail: [email protected]


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