"Agora, em pleno céu,
o sol de abril brilhava em toda sua glória, aquecendo a terra que germinava.
Do flanco nutriz brotava a vida, os rebentos desabrochavam em folhas verdes,
os campos estremeciam com o brotar da relva. Por todos os lados as sementes
cresciam, alongavam-se, furavam a planície, em seu caminho para o calor
e a luz. Um transbordamento de seiva escorria sussurrante, o ruído dos
germes expandia-se num grande beijo. E ainda, cada vez mais distintamente, como
se estivessem mais próximos da superfície, os companheiros cavavam.
Aos raios chamejantes do astro rei, naquela manhã de juventude, era daquele
rumor que o campo estava cheio. Homens brotavam, um exército negro, vingador,
que germinava lentamente nos sulcos da terra, crescendo para as colheitas do
século futuro, cuja germinação não tardaria em fazer
rebentar a terra" (ZOLA, 1981, p. 535).
INTRODUÇÃO
Dentro do modelo capitalista do
processo de produção do trabalho, há uma subordinação
das necessidades humanas, dos valores éticos, à expansão
do capital, ao valor de uso e de troca. Nesse sentido, a partir do filme "Germinal",
o qual mostra, entre outras discussões, essa inversão das necessidades
humanas às materiais.
Dessa forma, procuro analisar criticamente o processo de produção do trabalho, fazendo pontes entre o filme em questão e a literatura revisada. Buscando, assim, ver as relações de trabalho no modelo de produção na França do século XIX, seu contexto sócio-econômico, bem como político e cultural. Da mesma forma, se torna necessário analisarmos os precursores da Revolução Industrial presentes no filme.
1) OBSERVAÇÕES DO FILME "GERMINAL"
O filme Germinal é baseado no romance francês de Émile Édouard
Charles Atoine Zola, Germinal(1881), sendo sua tradução aqui utilizada
de Francisco Bittencour (1981).
Este filme mostra a realidade dos operários franceses, nas minas de carvão,
no final do século XIX. O filme inicia com a vinda de um novo operário
Etienne Lantier, o qual está desempregado e procura emprego na companhia
de mineração.
Ele se depara com o velho "Boa
Morte", apelido dado ao velho Vincent Maheu, por ter sobrevivido há
3 acidentes na mina. Este senhor está com 58 anos, sendo que trabalha
na mina desde seus 8 anos. "Boa Morte", tosse muito, tendo sua saúde
totalmente debilitada. Toda sua família trabalha nas minas de carvão,
sendo uma "tradição" da família Maheu: o avô
do velho Vincent, Guillaume Maheu, começou com quinze anos; depois seu
pai, Nicolas Maheu, que morrera com quarenta e dois anos soterrado pelas rochas,
ele desde seus oito anos, seu filho Toussaint "Maheu" com sua família
(netos do velho).
Etienne se surpreende com o processo de produção, com as precariedades das condições de trabalho, miséria e exploração. Maheu, um dos trabalhadores mais antigo e respeitado, consegue vaga para ele, uma vez que uma operária havia falecido Fleurance. Aqui, todos os membros das famílias trabalham (das crianças aos idosos), sendo que o número de salários por pessoa garante o sustento de toda família. Assim, quando alguém morre ou deixa a família é necessário substituí-la imediatamente, para não baixar o renda familiar. Na família de Maheu só os bem pequenos não trabalham (Lénore, 6anos; Henri, 4anos, Alzire, 9anos, por ser enferma) e sua esposa, a qual fica em casa cuidando de Estelle, três meses. Os filhos maiores todos descem nas minas: Catherine de 15 anos; Jealin de 14 anos e Zacharie de 21 anos.
"E a mulher de Maheu continuou a lamentar-se, cabeça imóvel, fechando os olhos de vez em quando, à triste claridade da vela. Falou do guarda-comida vazio, das crianças que pediam pão, do café que faltava, da água que dava cólicas e dos longos dias passados a enganar a fome com folhas de couve cozidas. (...). Novo silêncio, Maheu estava pronto; ficou imóvel um momento para, a seguir, encerrar a conversa com sua voz profunda: - Que queres? Não há outro jeito, arranja a sopa como puderes. Melhor é ir trabalhar do que ficar aqui conversando. - Claro - respondeu a mulher. - Apaga a vela, não quero ver a cor dos meus pensamentos" (Zola, 1981, P.25-26).
Etienne começa a trabalhar na Voeux. Ele permanece "cego" com
o que está vendo. A mina é formada por diferentes andares. No
total, a profundidade da mina era de quinhentos e cinqüenta e quatro metros.
Sua primeira descida, os carros desciam com cinco operários de cada vez,
ele permanece imóvel e atormentado. O elevador afundava ruidosamente
e o escuro tomava conta.
"Enfim, um solavanco sacudiu-o e tudo afundou; os objetos a seu redor voavam e ele começou a sentir a vertigem ansiosa da queda, como que arrancando-lhe as entranhas.(..). Depois, caído no escuro da galeria, permaneceu aturdido, perdida a percepção nítida de suas sensações. - Agora sim, estamos indo - disse placidamente Maheu. Todos estavam à vontade. Quanto a ele, às vezes, não sabendo se estava descendo ou subindo" (Zola, 1981, p.38).
A exploração do trabalho continua. As donas de casa desesperadas por não terem com o que alimentar seus filhos, vão até o senhor Maigrat, dono de um mercearia, pedirem mais crédito e pão.
Voreux faz parte das treze minas que ficavam ao redor da região de Monstou.
Aqui os operários não sabiam quem eram os donos, porém
sabiam que o Sr. Hennebeau era o diretor geral da Voreux. Já o Sr. Grégoire
era acionista e herdara da seu bisavô a mina Piolaine, sendo que seu primo,
o Sr. Deneulin era o diretor desta. Estes três senhores estavam preocupados
com as notícias da economia e da política, as quais estavam afetando
seus negócios e com a provável greve que se anunciara.
Maheu havia sido multado por não ter feito um "bom" escoronamento.
Os salários haviam sido diminuído pela nova crise (América
havia suspendido seus pedidos de ferro).
Os operários, incentivados por Etienne começam a fazer o fundo
de reserva, sendo que cada operário deve dar 20 soldos por mês
de seu salário. Assim, eles decidem pela greve. Após uma delegação
de operários vai falar com o Sr. Hennebeau, dispostos a colocarem suas
sistuações de miséria e fome e pedir aumento de salários.
Este coloca que a situação da Voeux não é boa.
"Quase metade das sociedades carboníferas da França estão quebrando...O que vem a ser uma estupiz acusar de crueldade as que continuam abertas. Quando seus operários sofrem, elas também sofrem. Ou acretida que a companhia não tem a perder quanto vocês com a crise atual? Não é ela que determina o salário; está apenas obedecendo à concorrência, sob pena de ruína. Culpem os fatos, não a companhia. Mas vocês não querem ouvir, não querem compreender, essa é a verdade!" (Zola, 1981, P.230).
Pouco a pouco a greve começa
a se alastrar por toda a região. Os operários vão de mina
em mina pedir que os "camaradas" se juntem na greve geral. Porém,
a fome começa a ficar cada vez maior. O dinheiro da reserva só
havia durado para dois dias de pão. Quatro mil francos haviam sido enviados
de Londres pela Internacional, porém também só garantiu
mais um ou dois dias de pão.
A situação se agrava, pois a companhia ameaçava despedir e a contratar operários na Bélgica. Os operários se juntam numa reunião para decidir o futuro da greve.
Alguns trabalhadores esfomeados queriam voltar ao trabalho, já outros preferiam continuar em greve e , se for preciso, morrerem pela causa.
"Etienne quis concluir imediatamente: - Camaradas, qual é a decisão de vocês? Votam pela continuação da greve? - Sim! Sim! - gritaram todos. - E que medida querem tomar? Nossa derrota é certa se alguns covardes decidirem trabalhar amanhã. As vozes voltaram num hausto de tempestade: - Morte aos covardes!" (Zola, 1981, p.298).
Os operários grevistas partem às minas que haviam sido ocupadas novamente. Chegando a cada uma destas minas, houve destruição de tudo que se podia ter a sua frente. Paravam as bombas de água, os elevadores, derrubavam os vagonetes. Os traidores eram vaiados pela multidão!
"De repente, ouviu-se um grito: -Pão! Pão! Pão! Era meio-dia, a fome de seis semanas de greve despertava nos estômagos vazios, aguilhoada por essa marcha em campo aberto...; e os estômagos gritavam, e esse sofrimento vinha a aumentar a raiva contra os traidores. - Às minas! Nada de trabalho! Pão!" (Zola, 1981, p.339).
Estas são algumas das passagens
presentes em "Germinal", as quais nos mostram a situação
de miséria em que se encontravam os mineiros franceses; as relações
entre os operários e as máquinas; entre capitalistas e operários;
as greves e o sindicalismo; as necessidades humanas versus as necessidades materiais.
2) ANÁLISE HISTÓRICO-SOCIAL
Para fazermos uma análise das relações de trabalho, aqui com o dispositivo do filme Germinal, é preciso considerarmos os aspectos históricos presentes a época, bem como determinantes sócio-econômicos. Na verdade, conforme Braverman (1987) os determinantes sociais são processos históricos, e partindo do pressuposto que
" O processo de trabalho deve ser considerado, ..., a partir não só da determinação tecnológica, mas também dos aspectos sociais, levando-se sempre em consideração que o imperativo tecnológico que comanda a organização da produção opera em condições econômicas, sociais e culturais determinadas, segundo uma lógica e na base de um estado das ciências e das técnicas que são o produto de uma longa história" (Pignon e Querzola, 1980; citados em Leite, 1994, p. 28-29),
assim, procuro fazer uma breve revisão
desses aspectos nos meados do séc. XIX, em particular na França,
como também rever os fundamentos da Revolução Industrial,
a qual fornece as bases para o novo processo de produção que se
firma ao longo do século XIX.
Henderson (1969), define a Revolução Industrial como :
"Foi uma das maiores transformações da história: em
cerca de cem anos, a Europa de quintas, rendeiros e artesãos tornou-se
uma Europa de cidades abertamente industriais. Os utensílios manuais
e dispositivos mecânicos simples foram substituídos por máquinas;
a lojinha do artífice pela fábrica. O vapor e a eletricidade suplantaram
as fontes tradicionais de energia - água, vento e músculo. Os
aldeãos, como as sua antigas ocupações se tornavam supérfluas,
emigravam para as minas e para as fabris, tornando-se os operários da
nova era, enquanto uma classe profissional de empreiteiros, financeiros e empresários,
de cientistas e inventores e engenheiros se salientavam se se expandia rapidamente.
Era a Revolução Industrial" (p.7).
Na França, na época da Revolução Industrial, cerca de três milhões de pessoas viviam do trabalho manual, como nos demais países europeus, os trabalhadores estavam ligados as fiéis formas de produção (Filho, 1982). Pela primeira vez na história os trabalhadores livres ficam presos a uma minoria, detentores dos meios de produção, tendo que vender seus corpos, a força de seus músculos, para garantir as míninas condições de sobrevivência. Este autor, ainda acrescenta:
"Desorganizado o sistema artesanal
de produção, encampadas as terras pelos capitalistas, os antigos
artesões e camponeses pobres tiveram que acorrer aos centros fabris em
busca de trabalho" (p.21).
Segundo Marx (citado em Liedke, 1997) o processo de produção capitalista
constitui-se em relações de troca, tendo o lucro como bem final,
pela expropriação da mais-valia gerada pela força de trabalho,
ou seja, do valor excedente que é apropriado pelo capitalista. "A
venda da força de trabalho torna-se a única alternativa do trabalhador
livre para obter, através do salário, sua sobrevivência"
(Liedke, 1997. p.271). De fato, "o sistema de fábrica surgiu como
um tipo de organização do processo de trabalho que visava garantir
a dominação do capital sobre o trabalho, ao permitir-lhe estabelecer
aos trabalhadores concentrado num só local um conjunto de formas de controle
social" (Leite, 1994, p.55).
Porém, no início do
capitalismo industrial ainda predomina alguns aspectos tradicionais do artesanato
das guildas, sendo que posteriomente surge a gerência. Dodd (1947, citado
em Braverman, 1974, p.63) comenta que
"Por volta de 1870, o empregador imediato de muitos trabalhadores não
era o grande capitalista, mas o subcontratador intermediário, ao mesmo
tempo empregado e pequeno empregador de trabalho. (...) Nas minas de carvão
havia os subempreiteiros que faziam um contrato com a gerência para explorar
uma galeria e empregavam seus próprio ajudantes" .
O novo processo de produção, instalado com as máquinas, atigiu diretamente com a"organização da família operária, como unidade econômica. A necessidade de concentrar os operários em volta das máquinas destruiu o sistema doméstico de produção e criou a situação moderna de precisar sair para o trabalho. Homens, mulheres e crianças deixavam os lugares onde moravam para trabalhar..." (Leite, 1980, p. 112)
A Revolução Industrial foi um processo que venho sendo construído ao longo dos anos, já no século XVI existiam grandes empresas capitalistas, criadas para promover o comécio europeu com os demais continentes, levando a Revolução Comercial. Esta é um dos acontecimentos históricos anteriores e fundamental para o Revolução Industrial (Leite, 1980).
Para o surgimento do novo modo de produção outros acontecimentos
tiveram que ocorrer: as grandes invenções, o surgimento da burguesia,
a concentração urbana, difusão da cultura, o desenvolvimento
das comunicações (Vial, 1973; Leite, 1980). Filho (1982) levanta
cinco fatores econômicos-sociais fundamentais: 1) os novos intrumentos,
a máquina; 2) a burguesia; 3) o proletariado; 4)o salário, força
de trabalho do proletariado; 5)o capital, como forma de acumulação
de riqueza, o qual oportuniza adquir mais máquinas e mais trabalhadores
humanos.
Leite (1980) nos mostra que o processo
da Revolução Industrial assumiu aspectos diferentes nos diversos
países em que eclodiu. As variações ocorreram tanto por
condições naturais - a existência e a localização
das minas de carvão e ferro, mais tarde de petróleo -
bem como por condições econômicas e políticas - a
existência de uma indústria têxtil desenvolvida em moldes
artesanais, os sistemas bancários, a organização social
capaz de assimilar as inovações em seus padrões de trabalho,
a política econômica vigente e as guerras. No caso especial da
França, os fatores políticos-econômicos tiveram grande importância
pelo modo como as máquinas se instalaram no processo de produção.
"Em França, apesar das perdas territoriais e financeiras sofridas após Waterloo, as reformas revolucionárias e napoleônicas sobreviveram. A abolição do feudalismo, a criação de um banco central e de um código comercial, a introdução do sistema métrico e os avanços nos conhecimentos químicos foram conquistas efetivas. Mas o desenvolvimento industrial, muito vagaroso durante o período da Restauração (1815-1830), foi retardado por causa da pobreza das comunicações, das escassas fontes de carvão e do coservadorismo do povo. Sob o governo de Luís Filipe, contudo, os banqueiros e os industriais tornaram-se um poder por trás do trono e o terreno preparou-se para a aceleração do desenvolvimento industrial que ocorreu no reinado de Napoleão III (1852-1870)" (Henderson, 1969, p.8).
Filho (1982) argumenta que a burguesia
não é a classe que surge apenas na Revolução Industrial.
Esta veio se desenvolvendo desde o século XVI, pelos avanços marítimos,
os quais resultaram os Descobrimentos. Certamente, é a partir da Revolução
Industrial, que se consolida enquanto classe dominante. Alguns fatos históricos
sobre a burguesia devem ser mencionados: "Foi beneficiária da Revolução
Gloriosa (Inglaterra, século XVII), promoveu a independência dos
Estados Unidos (1776), e fez a Revolução Francesa de 1789. Durante
o século XIX se assenhorou de todas as partes do mundo" (Filho,
1982, p.19).
A Revolução Industrial
é baseada nos princípios do Liberalismo, o qual "defende
o liberdade para o exercício da competição entre o homens,
a fim de que aí resulte a seleção dos mais capazes. É
a livre concorrência que assegura o equilíbrio entre os homens
de modo que cada um venha a receber o que lhe é devido, a parte justa"
(Filho, 1982, p. 20).
Entre as consequências drásticas
da Revolução Industrial aos trabalhadores, Henderson (1969) coloca
o ajustamento que os operários das minas de carvão, os arttífices
nas suas oficinas, tiveram de se submeter para o novo modo de vida. Aqui, Henderson
chama a atenção à saúde dos trabalhadores e as mudanças
sociais:
"Os males sociais das fábricas, das cidades fabris e das mineiras,
e as tragédias dos trabalhadores domésticos agora desempregados
estavam entre os primeiros aspectos da nova ordem..." (1969, P.122).
Seguindo, o autor afirma:
"O novo sistema industrial arruinou a saúde de muitos trabalhadores.
Quase todas as indústrias tinham as suas doenças característivas
e suas deformidades físicas. Os oleiros, os pintores e os cortadores
de arame sofriam de envenenamento pelo chumbo; os mineiros, de tuberculose,
de anemia, de vista, e de deformação na espinha; os afiadores,
de asma; os fiandeiros, de pertubações brônquicas; os fabricantes
de fósforo de envenenamento de fósforo" (1969, p. 123).
Mais do que isso, as fábricas
e as minas não garantiam as mínimas condições de
segurança aos operários, "a esperança de vida dos
trabalhadores das fábricas e dos mineiros era pequena (...)Além
disso, ocorriam muitos acidentes em fábricas e minas. Quedas de carvão
e explosões subterrâneas eram causa frequentes de morte e de ferimentos
nas minas" (Henderson, 1969, p.123-124).
Em respostas as inúmeras
formas de explorações, os operários buscam se reunir para
manifestar sua revolta e buscar seus interesses. Para tanto, era necessário
juntar forças. "Um operário fabril ou um mineiro isolado
não estava mais em posição de discutir com o patrão
acerca de salários ou de horas de trabalho. O poder de negociação
dos operários seria fortalecido se todos os homens de um fábrica
ou de uma região combinassem apresentar ao patrão uma frente unida."
(Henderson, 1969, p. 153-154).
O movimento operário se desenvolveu
a partir da organização do sindicato e do partido, tendo como
objetivo defender não apenas os interesses do associados, mas como uma
força política que abrigue os interesses de todo proletariado
e de todo povo pobre (Filho, 1982). Acrescentando, os sindicatos visavam almejar
uma sociedade mais igualitária, "em que não haja lugar para
a exploração do homem pelo homem"(Filho, 1982, p.31).
Um dos movimentos mais fortes dos
operários durante o século XIX, foi o Ludismo, no qual os operários
quebravam e destruiam as máquinas, uma vez que estas tiravam vagas humanas.
".... uma vociferante oposição operária (Luddite)
às novas máquinas e a dura disciplina das fábricas pioneiras,
mas os Luddites formavam apenas uma pequena minoria do operariado. O progresso
industrial foi rápido" (Henderson, 1969, p. 25).
Em 1868 os operários franceses obtiveram o reconhecimento parcial de seus direitos de se organizarem em associações/sindicatos para devenderem seus interesses, durante o governo de Napoleão III. Porém, o reconhecimento legal só veio a ocorrer em 1884. Apesar disto, o movimento sindical francês não alcançava os mesmos progressos do que os sindicatos ingleses e alemães (Henderson,1969).
3) ANÁLISE PSICO(PATO)LÓGICA
Adam Smith (1952, citado em Leite,
1980, p. 119) diz: "...o homem que passa a vida inteira executando algumas
das operações simples (...) não tem oportunidade de utilizar
a sua compreensão e sua capacidade de invenção...Portanto,
perde naturalmente o hábito de exercê-la e torna-se em geral, tão
tolo e ignorante quanto uma criatura humana consegue se tornar".
Assim, mineiros que vivem uma vida inteira de baixo da terra, desde sua infância
até sua velhice, isso se não morrerem aos quarenta anos por desmoronamentos
ou doenças, são desapropriados de seu saber, uma vez que são
condicionados ao trabalho manual e ao uso de máquinas: bombas de pressão
de água, vagonetes, britadeiras, etc. Aqui ainda temos uma produção
arcaica, mas já com algumas características das mudanças
dadas pela Revolução Industrial, pois conforme a revisão
histórica, a França foi um dos países europeus a retardarem
este processo.
Foucault (citado em Rosa, 1994) vê as relações de trabalho
como sendo relações de poder, e não só de produção.
Assim, estas relações de trabalho determinam o modo de SER moral
de todo e qualquer tabalhador. Seguindo este pensamento, Rosa (1994) coloca
que
"...as relações de produção capitalistas (e nelas as relações de trabalho) se processam como relações de produção e relações de poder ao mesmo tempo, colocando em prática uma particular anatomia política. Esta, nas relações de trabalho, é o funcionamento do exercício do poder que tem como objeto o corpo do trabalhador. É o corpo objeto de relações de produção/poder, cujas forças deverão ser submetidas pela disciplina, que cria outras forças, a da dociilidade ou do assujeitamento - a da obediência - à sua redução a força física, produtiva. Produz-se o corpo e a alma (o modo de ser moral) do trabalhador. (...) A alma (= o ser do trabalhador) é uma alma sem poder, porque suas forças são submetidas pela disciplina à direção produtiva e dócil para o corpo" (p.54-56).
A miséria e a fome dos mineiros apontadas em "Germinal", revela
não apenas a condição biológicas destas, mas também
do sogrimento da "alma", uma vez que as primeiras são tão
intensas, acabando de "empobrecer" as segundas. A essas carências,
Heller (1986, citada em Leite, 1994) denomina de "carecimento radicais".
"...considerar que não são apenas as privações
materiais que orientam as ações dos indivíduos, mas também
as carências que possuem uma dimensão psicológica, ética
e moral, que se relacionam com as diversas manifestações de poder
e da autoridade e que animam as pessoas a se voltarem contra as formas variadas
de opressão e de injustiça" (Leite, 1994, p.32).
Aqui não são apenas
corpos doentes, são aparelhos psíquicos discelerados pela falta
de qualquer possíbilidade de mudança, de "comida para alma",
isto é, dar algum sentido e esperança de ter uma dignidade a ser
respeitada, de um desejo alimentado por liberdade e justiça.
Foi apenas através do movimento
sindical, ou seja, da manifestação e das forças coletivas
que os mineiros encontram formas de reivindicarem seus direitos. Na marcha organizada,
na qual percorriam de mina em mina, tanto para fortificar o movimento (parando
as máquinas e juntando mais "camaradas"), como também
para quebrarem os meios de produção, é que foi possível
manifestar um desejo e uma subjetividade individual marcados pelas injustiças
e opressão. Acrescentando, "o aspecto subjetivo deve ser considerado
também como parte integrante das condições objetivas do
trabalho"(Leite, 1994, p.34), assim, quando não se pode manifestar
esse carater subjetivo por manifestações individuais, pois não
representam força suficiente para mudanças, são as subjetividades
coletivas que se determinam de representá-las.
"Desprovido de uma orientação
humanamente significativa, o capital assume, em seu processo, uma lógica
onde o valor de uso das coisa foi totalmente subordinado ao seu valor de troca.
O sistema de mediações de segunda ordem passou a se sobrepor e
a conduzir as mediações de primeira ordem. A lógica societal
se inverte e se transfigura, forjando um novo sistema de metabolismo societal
estruturado pelo capital"(Antunes, 1999, p. 17).
Mães que reivindicam Pão!Pão!
Pão! aos seus filhos, reivindicam o retorno aos valores humanos, éticos,
sentimentais que foram aniquilados com o poder desigual e com o lucro capitalista.
É a revolta contra a mais-valia que os operários quebram máquinas
e fábricas, contra a venda de seus corpos por três soldos por dia,
e por verem filhos morrerem anêmicos!
CONCLUSÃO
Enquanto profissionais da área
"psi", quando estando em contato com o mundo do trabalho, tendo que
realizarmos uma intervenção (ética) ou uma análise
deste, se torna fundamental levarmos em conta as necessidades subjetivas dos
trabalhadores, valorizando-as acima das necessidades de segunda ordem impostas
pelo modelo capitalista. É na promoção da saúde
(mental) do trabalhador que paira nosso objetivo.
Reconhecer as influências intervenientes, tais como as sócio-econômicas, políticas, históricas e tecnológicas presentes.no processo de produção, entretanto, nos permite ver como a construção subjetiva do trabalhador é perpassada por estes elementos. Bem como, ter uma postura crítica dos fatos nos permite abrir possibilidades alternativas e dessamarradas da visão "ingênua" do processo de produção.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. (1999). Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2 ed..
BRAVERMAN, H. (1987). Trabalho e Capital Monopolista: A Degradação do Trabalho do Século XX. Rio de Janeiro: Guanabara, 3 ed..
DEJOURS, C. (1949). A loucura do Trabalho: Estudo de Psicopatologia do Trabalho. São Paulo: Cortez- Oboré, 5 ed..
FILHO, J. C. (1982). O Movimento Operário: O Sindicato, O Partido. Petrópolis: Vozes.
HENDERSON, W. O (1969). A Revolução Industrial - 1870-1914. Londres: Editorial Verbo.
LEITE, M. DE PAULA (1994). O Futuro do Trabalho: Novas Tecnologias e Subjetividade Operária. São Paulo: Scritta.
LEITE, M. M. (1980). Iniciação à História Social Contemporânea. São Paulo: Cultrix. 3 ed.
LIEDKE, E. R. (1997). Trabalho. Em CATTANI, A. (Org.)(1997). Trabalho e Tecnologia: dicionário crítico. Petrópolis: Vozes.
ROSA, M. I. (1994). Trabalho, Subjetividade e Poder. São Paulo: Letras & Letras. USP.
VIAL, J. (1973). O Advento da Civilização Industrial - de 1815 aos nossos dias. Lisboa: Livraria Bertrand.
ZOLA, É. (1981). Germinal. São Paulo: Abril Cultural. Tradução de Bittencour, F.
Notas
1
- Texto produzido na cadeira de Organizações e Relações
de Trabalho I, abril de 2001. (UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS)
2 - Graduanda em psicologia pela UNISINOS.
e-mail: [email protected]