FOUCAULT, Michel. História da Loucura: Na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1997. 551p.


"A navegação entrega o homem à incerteza da sorte: nela, cada um é confiado a seu próprio destino, todo embarque é, potencialmente, o último. É para o outro mundo que parte o louco em sua barca louca."

"Ao final do século XVI, De Lancre vê no mar a origem da vocação demoníaca de todo um povo: o sulco incerto dos navios, a confiança apenas nos astros, os segredos transmitidos, o afastamento das mulheres, a imagem enfim dessa grande planície perturbada fazem com que o homem perca a fé em Deus bem como todas as ligações sólidas com a pátria; ele se entrega assim ao Diabo e ao oceano de suas manhas."

"Se a loucura conduz todos a um estado de cegueira onde todos se perdem, o louco, pelo contrário, lembra a cada um sua verdade; na comédia em que todos enganam aos outros e iludem a si próprios, ele é a comédia em segundo grau, o engano do engano."

"A Loucura tem seu jogos acadêmicos: ela é objeto de discursos, ela mesma sustenta discursos sobre si mesma; é denunciada, ela se defende, reivindica para si mesma o estar mais próxima da felicidade e da verdade que a razão, de estar mais próxima da razão que a própria razão."

"O que assalta a tranqüilidade do ermitão não são os objetos do desejo; são essas formas dementes, encerradas num segredo, que subiram de um sonho e ali permanecem, à superfície de um mundo, silenciosas e furtivas."

"Em todos os lados, a loucura fascina o homem. As imagens fantásticas que ela faz surgir não são aparências fugidas que logo desaparecem da superfície das coisas. Por um estranho paradoxo, aquilo que nasce do mais singular delírio já estava oculto, como um segredo, como uma inacessível verdade, nas entranhas da terra. Quando o homem desdobra o arbitrário de sua loucura, encontra a sombria necessidade do mundo; o animal que assombra seus pesadelos e suas noites de privação é sua própria natureza, aquela que porá a nu a implacável verdade do Inferno."


Voltar

Hosted by www.Geocities.ws

1