O Ensino, a Ciência e a Arte
Gustavo Garcia1
Uma das reformulações
mais urgentes que se faz necessária no âmbito da aprendizagem em
geral, diz respeito ao resgate de um lado pouco explorado e até subestimado
pela grande maioria dos professores e instituições de ensino -
o lado artístico, criativo, não-linear. Não seria nenhum
exagero, atualmente, considerarmos que nossa potencialidade criativa latente
é desprezada, e não raro, jogada no lixo por sistemas educacionais
retrógrados, que precisam ser questionados fervorosamente por todos os
indivíduos interessados em aprender e se desenvolver no sentido da plenitude
do ser.
A origem desta indiferença
ou displiscência se encontra na fragmentação a que estamos
submetidos desde os primórdios da ciência cartesiana e mecanicista,
pois afinal de contas ciência não é arte, ciência
também não pode se misturar com religião ou filosofia,
como se nós seres humanos também fossemos assim delimitados, e
embora muitos, de fato, ainda achem que possamos ser... porém nada pode
estar mais afastado da verdade. Nossos métodos de ensino são impregnados
por uma ciência reducionista, materialista, fragmentária e prepotente,
que desenvolveu para si o discurso do poder, autodenominando-se
a dona da verdade (como se a verdade só pudesse ser conhecida
pela ciênca), e pelo nosso consentimento e conformismo têm conduzido
nossos estudantes a pensarem linearmente, racionalmente, sem desafiar o sistema,
senão que através de uma rebeldia superficial e inconseqüente.
Assim, somos instigados a dividir artificialmente o nosso conhecimento em compartimentos
onde lutam - razão versus instinto, sujeito versus objeto, vida versus
morte - em um acordo de separação que coloca a experiência
intervindo na experiência e a vida lutando contra a vida. Ou como Neil
Postman e Charles Weingartner observaram na obra O Ensino como uma Atividade
Subversiva:
Inglês não é
história, história não é ciência, ciência
não é arte, arte não é música, arte e música
são matérias de menor importância, história e ciência
são matérias importantes, uma matéria é algo que
você aprende, e quando você aprende, fica sabendo,
e se fica sabendo, fica imunizado e não precisa aprender
de novo. (A Teoria da Vacinação na Educação?).
Infelizmente esta ainda é
a visão de ensino e aprendizagem dominante em nossa sociedade, desde
o primário até as nossas universidades. Os resultados são
tão visíveis que me permitirei não me aprofundar muito
neles, ao invés disso, usarei a própria ciência para apontar
o resultado mais objetivo de tudo isso. As pesquisas em neurociências
comprovaram as especializações dos hemisférios cerebrais,
e demonstraram o quanto o nosso ensino e a nossa ciência atual privilegiam
um dos hemisférios - o esquerdo - em detrimento do outro - o direito.
Assim as habilidades referentes ao hemisfério esquerdo como a razão,
o pensamenso analítico e linear, a linguagem e a lógica são
predominantemente desenvolvidas, enquanto que, as habilidades não menos
importantes do hemisfério direito como a intuição, o pensamento
analógico e emocional, holístico, simbólico e sintético
são deixadas de lado descaradamente. Eu me pergunto que noção
de realidade pode ter uma ciência estritamente racional, de lado esquerdo
cerebral como a nossa? Alguém que enxerga bem com apenas um olho, pode
ter uma visão mais ampla do que alguém que enxerga com os dois
olhos? Não é à toa que temos nos desenvolvido tanto em
termos tecnológicos e tão pouco como seres humanos,
é mais ou menos como um sujeito que possui as duas pernas sadias,
mas que prefere usar as muletas mais modernas para poder caminhar,
já que desde de pequeno só desenvolveu uma de suas pernas, resolvendo
então andar unilateralmente com esta , auxiliado pelas tecnomuletas,
ao invés de exercitar a outra e recuperar sua atrofia para poder finalmente
andar mais equilibradamente.
O mais engraçado de tudo
isso é que para os nossos neurocientistas (que obviamente têm o
hemisfério esquerdo muito mais desenvolvido) o hemisfério direito
parece não ter uma função lógica...
Esta cisão, no
entanto, é predominante na civilização ocidental, o pensamento
e filosofia orientais sempre foram holísticos e é por isso, que
muitos fisicos modernos têm relacionado tanto as novas teorias da física
quântica ao pensamento, filosofia e tradições religiosas
orientais e em cadência crescente têm alertado para o reducionismo
exarcebado e presunção da nossos cientistas materialistas do paradigma
ainda vigente. Existem vários cientistas trabalhando atualmente no sentido
de construir uma ponte entra a ciência e as tradições religiosas,
filosóficas e artísticas da humanidade, não porque quisessem,
mas porque as novas descobertas, principalmente as da física quântica
os levaram a ter de pensar deste modo, provocando uma revolução
holística no cenário científico cujas proporções
têm atingido e ainda atingirão nossas vidas inevitavelmente. A
transformação necessária é tão grande e enfrenta
barreiras tão fortes que parece lenta, e muitos nem a percebem, todavia
para os mais atentos ela tem seguido uma direção única
e oscila rapidez e lentidão, movendo-se gradualmente de forma implícita
e explícita, aproveitando-se da crise para produzir os mais variados
efeitos, tanto drásticos quanto benéficos, ao mesmo tempo em que
concede uma relativa liberdade de optarmos em face a diversidade
e a multiplicidade de movimentos e segmentos existentes - bons ou maus. E esta
opção, no meu ponto de vista, terá que ser bem diferente
de nossos padrões e condicionamentos culturais materialistas atuais considerados
normais, isto se quisermos realmente modificar a realidade social
nefasta em que vivemos. Neste contexto, um novo tipo de ensino poderia exercer
um papel acelerador. Todavia, não podemos esperar por este de braços
cruzados, devemos iniciar a transformação em nós mesmos
primeiramente. Os visionários sempre dizem que uma nova educação
servirá de alicerce para a nova sociedade, no entanto, estes esquecem
o detalhe fundamental de que a nova sociedade é a força necessária
para fazer surgir uma nova educação. Não passemos a responsabilidade
adiante, ela é nossa.
Assim como trabalhar com a arte
e a criatividade corresponde a uma necessidade básica dos estudantes
em qualquer rede de ensino, também podemos ampliar isto para o aprendizado
da vida, onde o ser humano não consegue viver somente com visão
de mundo de nossa ciência atual, pois ela representa apenas metade da
verdade, é dependente somente de parte da nossa consciência, ou
ainda, apenas da metade do cérebro. Desse ponto de vista, tudo tem de
ser racional, razoável e analíticamente palpável, só
fenômenos circunscritos no tempo e espaço são passíveis
de existir. Por outro lado, todos os conteúdos que as pessoas gostam
de desprezar como irracionais, insensatos, místicos, ocultistas e fantásticos
nada mais são do que maneiras opostas e complementares que os seres humanos
têm de ver o mundo. Quem tem preconceitos em relação a estes
assuntos deverá perdê-los, caso contrário, estará
limitando e restringindo o seu próprio saber, tornando-se por sua livre
e espontânea vontade uma pessoa incompleta e extemporânea. O interesse
cada vez maior por assuntos deste tipo tem aumentado por todos os lados, até
mesmo nas universidades e na própria ciência com o advento da física
quântica, e isso é um fenômeno tão natural quanto
necessário, apesar dos cientificistas lineares, racionalistas radicais
e preconceituosos de plantão, que talvez por não prestarem muito
a atenção na própria história da humanidade, acabam
repetindo o mesmo erro do passado de tentar impedir o que não lhes agrada,
o novo, o oculto de se desenvolver mais rapidamente. Um exemplo bom é
o dos behavioristas que ridicularizam os psicanalistas e estes por sua vez ridicularizam
os jungianos que por sua fazem o mesmo com o movimento transpessoal. O próprio
Freud foi ironizado e ridicularizado por seus colegas quando resolveu expor
suas teorias, tão aceitas hoje em dia. Infelizmente as pessoas não
se atentam para a sua própria história, e por isso, estão
condenados a repetí-la. No entanto, vale lembrar que os cães
latem, mas a caravana continua passando.
Joseph Meeker falando do que denominou
educação ambidestra fez uma alerta que com o passar
do tempo tem se tornado cada vez mais atual:
Os pensadores lineares de
cérebro esquerdo estão se aproximando de tempos difíceis.
Os que ainda acreditam que vivem em uma horta irão encontrar suas cenouras
mudando de rumo para se unirem e interceptarem a alface, enquanto ervas daninhas
e animais da floresta se insinuam através do arame frouxo da cerca. Coisa
alguma pode continuar a ser tratada isoladamente... A vida em tais vastidões
necessitará de todo o cérebro, e não apenas daquela parte
que prospera nas divisões analíticas.
Assim sendo, o que fica de tudo isso que foi dito, é que precisamos abrir espaço para novos paradigmas em nossas vidas, devemos vencer preconceitos pessoais e ampliar ao máximo, através da experiência, o nosso campo de visão, pois isto é o que realmente muda em nós com o passar do tempo - a nossa maneira de ver e compreender a vida. Este é o verdadeiro aprendizado. É deste jeito que elevaremos a nossa consciência a um nível em que finalmente seremos capazes de transformar a educação, a ciência, a política, a cultura, enfim a vida, em algo que faça mais sentido, onde as pessoas possam conviver em maior harmonia e equilibrio com a natureza, com seus semelhantes e consigo mesmas.
Notas
1 - Graduando em psicologia pela UNISINOS. Aprendiz do segundo nível da ATC (Abordagem Transpessoal da Consciência) na Unipaz - Universidade Holística Internacional. E-mail: [email protected]