A Crise Social e o Ser Humano Perdido em Busca de Si

Gustavo Garcia1

Introdução

Certa feita, uma criança chamada David sonhou. Em seu sonho Deus lhe disse: "David, é preciso salvar o mundo. Esta sociedade está podre e é preciso transformá-la". Ao que o garoto respondeu: "Sim, Senhor". Pela manhã, após acordar, David refletiu: "Eu quero tranformar o mundo, mas o mundo é grande. Por onde começar? Vou começar pelo meu país. Mas o meu país é grande. Talvez comece pela pela minha cidade. Mas a minha cidade é grande. Então vou começar pela minha casa". E pouco a pouco David se aproximara de seu quarto e enfim, de seu próprio coração. Ele decidiu nunca mais mentir. Para ele foi o começo de uma grande transformação que o fez sair de seu quarto, que o fez ir além de sua casa, que o fez descobrir o país onde vivia, a terra na qual seu país se encontrava e o universo.


Todos nós já passamos por momento difíceis em nossas vidas, em um certo sentido, todos tivemos nossas chamadas crises pessoais, com maior ou menor intensidade, não importa, pois o fundamental aqui é percebermos que se fizermos uma retrospectiva breve destas crises, recordando como as vencemos ou como fomos derrotados por ela, chegaremos a inevitável conclusão de que qualquer que tenha sido o resultado, nós sempre tivemos a oportunidade de crescer com ela, ou a partir dela, ela nos tornou mais fortes, nos trouxe aprendizado, ou seja, nos transformou em seres humanos melhores do que antes. Por outro lado, se nos entregamos a ela, se não a enfrentamos, simplesmente fugindo ou fingindo que ela não existe, então nos atrelamos à patologia da inércia.

Bem, se mudar a si mesmo, durante uma crise, se constituiu em uma árdua tarefa, ao transferirmos isso para a nossa sociedade contemporânea, que em caráter de urgência, precisa reformular-se com um todo, podemos imaginar a dificuldade que se apresenta diante de nós. Então como David, começemos pelo início (com o perdão da redundância), comecemos por nós mesmos. Quando fizermos isto, em um número suficiente, que possa atingir uma "massa crítica", ou seja, um número de pessoas (formadoras de opinião) suficiente para provocar ressonância em uma maioria, então mais da metade do trabalho estará feito. Note-se com isso, que se não atingimos ainda este percentual, isto é um sinal alarmante de algo vai muito mal nas camadas mais influentes de nossa sociedade, e estas são permeadas pela nossa ciência em todos seus setores, da educação a política.

Tive de me perguntar qual seria a origem comum de todos os nossos problemas mais graves. Percebi que não adiantava querer observar casos isolados para solucionar esta questão, existiam tantos fatores de interdependência e variantes, que se analisados separadamente, no máximo serviriam apenas como exemplos ilustrativos, e que poderiam ser dados aos borbotões em face da realidade nefasta a que estamos submetidos. Assim, concluí que deveria descobrir o elo de ligação de tudo isso e colocá-lo em um contexto mais amplo, através de uma abordagem sistêmica, que fizesse mais sentido e pudesse apreender mais satisfatóriamente a nossa situação atual.

O ponto comum em tudo isso, tive de fazer o mea culpa, éramos nós mesmos, assim como disse Robert Frost certa vez: "Algo que estávamos retendo nos fazia fracos, até verificarmos que éramos nós mesmos". Nós e o nosso sistema de valores dominante, que é claro, não passa de um reflexo exterior do nosso próprio interior. Decidi, então orientar a minha observação nesse sentido, para os aspectos sociais (intrapsicológicos e interpsicológicos) que melhor demonstram e exemplificam o quão responsáveis nós somos por esta crise, que insistimos em enxergar como algo externo a nós e que até mesmo por isso, podemos denominá-la, como antes demais nada, uma crise de percepção.

 

Observando à crise - Uma visão quantum-holística

Inicialmente confesso que fiquei meio perdido na tarefa de observar à crise atual em que vivemos, infelizmente não por falta de assunto, e sim pelo oposto disto, ou seja, pelo excesso e pela quantidade esmagadora de acontecimentos deploráveis que aconteciam em volta de mim. Bastava ligar a televisão no horário dos noticiários ou simplesmente ler qualquer jornal para constatar a realidade cruel em que se encontra a nossa sociedade atual.

Exemplos da crise poderiam ser dados aos milhares, no entanto, não seria esse o objetivo principal desta observação; então dirigi o meu foco para aquilo que me chamou mais a atenção, utilizando como meio, a mídia, mais especificamente através da internet e da revista Veja, esta última, na primeira semana de junho deste ano trouxe como reportagem de capa a questão da criminalidade no Brasil, que bate recordes e tem crescido constantemente, sem perspectiva de soluções. Na mesma revista outras reportagens também chamam a atenção como o caso em que um soldado americano gay é morto ao ser espancado com um taco de beisebol enquanto dormia. Nas páginas amarelas a entrevista é com o secretário americano antidrogas. Ao tratar de política o assunto da revista não poderia ser outro: corrupção. Sobre comportamento, é dito que as brasileiras agora estão pintando o cabelo de loiro para vencer na vida e quando o assunto é televisão a novidade vem da novela das sete da rede Globo, onde a atriz Danielle Winits mostra os seios em um horário em que a maioria de nossas crianças está mais exposta. Na alta sociedade carioca, escândalos e traição. Outra notícia interessante que mostra o lado sombrio do nosso desenvolvimento tecnológico é que computadores obsoletos de países desenvolvidos estão encalhados pois não podem ser eliminados, em razão de seus componentes tóxicos.

Através da Internet, consegui interessantes informações que puderam ser sintetizadas da seguinte maneira: "O século XX está acabando em um paradoxo, as ciências, a tecnologia de ponta e o conforto material das sociedades avançadas chegam a níveis jamais imaginados, e entretanto, os indicadores de tensões humanas elevaram-se a índices alarmantes. O tráfico internacional de drogas alimenta novos mercados de viciados e mobiliza anualmente bilhões de dólares em negócios. O consumo do álcool cresce nas mesmas proporções. A angústia, a depressão, a ansiedade e o aumento do índice de suicídios são encarados como 'normais' em nosso dia-a-dia. O crescimento de distúrbios neurovegetativos segue o mesmo caminho, e o atendimento psiquiátrico bate recordes em todos os continentes. Os grandes laboratórios faturam alto em lançamentos de diversas drogas psicotrópicas. Cresce a violência e o vandalismo entre os jovens nos grandes centros urbanos do mundo inteiro. Ações incabíveis das polícias nacionais são observadas como fatos corriqueiros. As pessoas adaptam-se passivamente a toda esta brutal 'normalidade'. Habitamos um mundo com poucas vivências amorosas; estas são substituídas pela ilusão e pela agressão. Nas populações de baixa renda, o quadro é mais instável e caótico. A desesperança leva as pessoas à busca de ilusões e ao não-comprometimento com a responsabilidade social."

Assim voltamos a David, devemos urgentemente reavaliar as nossas vidas. Penso que nós - estudantes, professores e todos os indivíduos que têm o privilégio de obter uma boa formação educacional - somos os maiores responsáveis pela perpetuação desta crise e, ao mesmo tempo, somos aqueles com as maiores possibilidades de alavancar uma mudança. Mas para transformar é preciso vencer preconceitos pessoais, abrir-se ao novo, aceitar a diversidade, pois é ela quem gera novas conexões, resultando em transformação e finalmente em crescimento.

Vejo muitos analisando a crise, formulando questões, teorias, apontando caminhos e soluções, mas poucos que realmente as coloquem em prática, isto porque, a mudança começa por nós mesmos e é bem como disse Santo Agostinho certa vez "Deus, dai-me a castidade, mas não agora...", ninguém quer mudar, e na minha opinião, talvez a pior patologia existente nos dias atuais seja a "normose", ou seja, a patologia dos indivíduos considerados "normais" em nossa sociedade, ou melhor ainda, "normóticos", normais-neuróticos. O que é a neurose senão um complexo de repetição, no qual praticamente todos nós estamos mergulhados no nosso enfadonho cotidiano, robotizados e fechados numa mesmice de dar dó. E quando surge algo diferente, que desafia nossa forma de pensar e ver o mundo, logo vamos mostrando as garras, tratando de abafar tal movimento ou ignorando-o completamente, seja em nome da ciência ou de nossos próprios preconceitos ou princípios, não importa, o objetivo é eliminar o diferente, o estranho ao nossos olhos, e se não pudermos destruí-lo, empurramo-lo para baixo do tapete.

Hoje em dia se torna cada vez mais urgente a mudança de paradigmas em nossas vidas, não podemos mais nos dar ao luxo de assistir à crise, embrutecidos, considerando-a "normal", isto porque nosso modo de vida está pondo em risco o próprio planeta em que vivemos, e tamanha são as desigualdades, logo teremos de nos isolar cada vez mais uns dos outros, presos atrás de imensas grades, as grades de nossas próprias casas.

A nossa ciência materialista gerou uma cultura social e científica materialistas e estas por sua vez têm gerado uma sociedade de valores extremamente materialistas.

A repressão do espírito, no meu ponto de vista, é uma das principais causas da situação nefasta em que vivemos. A Psicologia é um excelente exemplo disso, em nome da ciência, pouco se fala da espiritualidade no ser humano, a maioria de nossas Escolas Psicológicas, com raras exceções, limitaram-se a encaixar-se ao modelo mecanicista-cartesiano no ímpeto de obter reconhecimento científico, ingorando completamente a dimensão espiritual do homem. Como uma das características do paradigma mecanicista-cartesiano é separar para entender, a fragmentação do homem foi uma conseqüência natural, gerando os mais diversos enfoques, alguns radicalmente divergentes e todos sem considerar o homem "inteiramente".

Em outros setores, o resultado foi o mesmo. A Física, tendo esse modelo por referência, obteve progresso assombroso, granjeando uma grande reputação entre todas as outras disciplinas. Seu uso consistente da matemática, sua eficácia na resolução de problemas, assim como sua aplicação bem-sucedida em várias áreas da vida cotidiana, determinou critérios para toda a ciência. A capacidade de relacionar conceitos e achados básicos ao modelo mecanicista do universo desenvolvido pela física newtoniana tornou-se um critério importante de legitimidade científica em campos mais complexos e menos desenvolvidos como biologia, medicina, psiquiatria, antropologia e sociologia. No início, a firme adesão à visão mecanicista de mundo teve um impacto muito positivo sobre o progresso científico daquelas disciplinas. Entretanto, diante dos últimos progressos da ciência moderna, a estrutura conceitual derivada do paradigma newtoniano-cartesiano perdeu seu poder revolucionário transformando-se num sério obstáculo para o progresso da pesquisa científica.

"A ciência mecanicista tenta explicar fenômenos tais como inteligência humana, arte, religião, ética e até a própria ciência como produtos dos processos materiais do cérebro. A probabilidade de que a inteligência humana tenha se transformado no que é, do limo químico do oceano primordial até hoje, somente através de seqüências randômicas de processos mecânicos, foi recentemente comparada à probabilidade de um ciclone, soprando através de um gigantesco ferro-velho, produzir por acidente um Jumbo 747. Esta hipótese altamente improvável, uma afirmação metafísica que não pode ser provada pelos métodos científicos existentes, e longe de ser uma fonte científica de informação, como sustentado ferozmente pelos seus proponentes, é, no presente estágio do conhecimento, nada mais que o mito-guia da ciência ocidental".

Com o surgimento da física quântica, o paradigma newtoniano-mecanicista foi abalado em seu alicerces, junto com ele, todas as ciências atreladas a este modelo foram atingidas, como a própria Psicologia, e hoje notamos uma necessidade de reformulação na grande maioria de nossas teorias. Foi praticamente natural que surgisse uma abordagem psicológica que considerasse o homem em sua inteireza, holística, ligada também ao cosmos. Assim foi criada a quarta-força em

Psicologia, denominada Psicologia Transpessoal. Esta é a abordagem teórica que utilizarei para fazer a leitura da "crise", até porque a Psicologia Transpessoal tem um forte embasamento teórico na física quântica, compreendendo o "todo" e o papel do ser humano integral como parte desse todo. Em um primeiro momento seria conveniente falar um pouco da própria física quântica e esclarecer alguns de seus aspectos originários.

As primeiras décadas deste século trouxeram descobertas inesperadas na física, que fragmentaram os próprios fundamentos do modelo newtoniano do universo. Os marcos basilares desse desenvolvimento foram dois artigos publicados por Albert Einstein em 1905. No primeiro ele formulou os princípios de sua teoria especial da relatividade e, no segundo, sugeriu uma nova maneira de olhar a luz, o que, mais tarde, foi aperfeiçoado por um grupo de físicos na teoria quântica do processo atômico. A teoria da relatividade e a nova teoria atômica solaparam todos os conceitos básicos da física newtoniana: a existência de tempo e espaço absolutos, a natureza sólida do universo, a definição de forças físicas, o sistema estritamente determinístico da explicação e o ideal de descrição objetiva dos fenômenos sem a inclusão do observador. De acordo com a teoria da relatividade, o espaço não é tridimensional e o tempo não é linear; nenhum deles é um entidade separada. Eles são intimamente entrelaçados e formam um continuum quadridimensional chamado "espaço-tempo". O fluir do tempo não é constante e uniforme como no modelo newtoniano; ele depende da posição do observador e de suas velocidades relativas com referência ao acontecimento observado. Além do mais, a teoria geral da relatividade, formulada em 1915 afirma que o espaço-tempo é influenciado pela presença de objetos maciços. As variações no campo da gravidade, em diferentes partes do universo, têm um efeito de curvatura no espaço que faz o tempo fluir em diferentes velocidades." (Estes postulados da física quântica-relativista explicam vários fenômenos que ocorrem com o ser humano em experiências transpessoais).

A física quântica sugere um modelo científico do universo em agudo contraste com o modelo da física clássica. A nível subatômico, o mundo dos objetos materiais sólidos se dissolve em um complexo modelo de ondas de probabilidade. Além disso, uma análise cuidadosa de processos de observação mostrou que as partículas subatômicas não têm significado como entidades isoladas; elas só podem ser entendidas como interconexões entre a preparação de um experimento e a subseqüente mensuração. As ondas de probabilidade não representam assim, em última instância, probabilidades de coisas, mas probabilidades de interconexões.

A exploração do mundo subatômico não termina com a descoberta do núcleo atômico e dos elétrons. Em primeiro lugar, o modelo atômico ampliou-se para incluir três "partículas elementares": o próton, nêutron e o elétron. À medida que os físicos aperfeiçoavam suas técnicas experimentais e desenvolviam novas invenções, o número de partículas subatômicas continuou crescendo e, no presente, seu número chega a centenas. Durante essas experiências tornou-se claro que uma teoria completa de fenômenos subatômicos deve incluir não apenas a física quântica mas também a teoria da relatividade porque a velocidade das partículas envolvidas aproxima-se freqüentemente da velocidade da luz. Segundo Einstein, a massa nada tem a ver com a substância, mas é uma forma de energia. A equivalência das duas é mostrada em sua famosa equação E = mc2 , onde E= energia, m= massa, c= velocidade da luz ao quadrado." No último século graças ao desenvolvimento destes postulados da física quântica a ciência tem-se encaminhado rapidamente em direção ao paradigma holístico. A abordagem holística é praticada no oriente nas ciências e filosofia, há milênios, como é o caso da medicina com utilização da acupuntura, da yoga, medicina ayurvédica, do taoísmo, etc. É por isso que a Psicologia Transpessoal tem particular interesse pelas religiões e filosofias do oriente.

A física quântica-relativista do século XX demonstrou que matéria e energia é a mesma coisa em estados diferentes e que a noção que temos de tempo e espaço é relativa. Isso explica os fenômenos transpessoais, onde desaparece as noções de tempo e espaço e pode-se perceber um ambiente diferente do ambiente tridimensional que vivemos, a 4ª dimensão. Fritjof Capra em seu livro o "Tao da Física" nos diz que: "Na física moderna, o universo é então experimentado como um todo dinâmico e inseparável que sempre inclui o observado de uma maneira essencial. Nessa experiência, os conceitos tradicionais de espaço e tempo, de objetos isolados e causa e efeito, perdem o seu sentido".

A visão do Ser Humano dentro do paradigma holístico é completa. Ele é visto em seus aspectos bio-psíquico-social e espiritual. Temos um corpo (biológico) pensamos (psíquico) interagimos uns com os outros (social) e somos seres espirituais que temos sentimentos e ideais (espiritual). Este espiritual, aqui, não tem conotação religiosa, ele parte da idéia, comprovada pelas ciências holísticas, que somos muito mais do que corpos pensantes. Somos Seres Espirituais é o que afirma a ciência hoje, de uma maneira incontestável. E isso, é o que as pesquisas em Psicologia Transpessoal ratificam.

 

Estabelecendo as diferenças entre os paradigmas - Em busca do Ser Humano Integral

A nossa fragmentação é tão visível, que a posição de um sujeito em se manter agarrado ao paradigma mecanicista-cartesiano pode ser considerada atualmente uma atitude de completa inconsciência em relação a si mesmo, esta, por incrivel que pareça, é considerada uma atitude "nomal" na nossa sociedade, nas comunidades científicas materialistas e até mesmo em nossas universidades, não é à toa que a situação social em nosso país e no mundo tem piorado bruscamente; com tanta gente "adormecida"...
Vejamos algumas das diferenças entre os dois paradigmas:

VISÃO MECANICISTA
VISÃO HOLÍSTICA
O mundo caminha para uma catástrofe
O mundo caminha para uma melhoria global
Individualismo
Individual em harmonia coletiva
Centralização
Descentralização
Competição
Cooperação
Egoísmo/Egocentrismo
Altruísmo


Podemos estender isso às diferenças entre os métodos de se obter conhecimento, onde a visão holística corresponderia a ambos os dois métodos abaixo, sendo que o analítico é predominante em nossa sociedade e na ciência, gerando um desequilibrio natural em nossas vidas, por desconsiderarmos o outro método - o sintético.

ABORDAGEM HOLÍSTICA

MÉTODO ANALÍTICO
MÉTODO SINTÉTICO
Conceitual
Íntimo, direto
Codificação Matemática
Codificação Poética, Metafórica
Experimental
Experencial
Divide em partes
Busca associações
Caráter mecanicista
Caráter organicista
Relação Causual
Sincronicidade (acausual)
Previsibilidade
Imprevisibilidade
Evita o acaso (erro)
O acaso é a informação
Função explicativa
Função compreensiva
Geral, regularidade
Particular, biográfico
Razão e sensação
Sentimento e intuição
Ordinária (realidade)
Não-ordinária
Hemisfério esquerdo cerebral
Hemisfério direito cerebral
Parte, miudezas
TODO

 

A filosofia oriental, neste contexto, é um excelente referencial, pois sempre foi holística, um exemplo clássico é o texto chinês do I Ching e sua conhecida divisão entre Yin e Yang, que nos possibilita, inclusive a fazer uma leitura complementar da crise atual. Com este propósito, observemos as seguintes associações:

YANG YIN
Masculino Feminino
Expansivo Contrátil
Exigente Conservador
Agressivo Receptivo
Competitivo Cooperativo
Racional Intuitivo
Analítico Sintético

Se atentarmos para esta lista de opostos, é fácil ver que nossa sociedade tem favorecido sistematicamente o Yang em detrimento do Yin - o conhecimento racional prevalece sobre a sabedoria intuitiva, a ciência sobre a religião, a competição sobre a cooperação, a exploração de recursos naturais em vez de conservação, e assim por diante. Essa ênfase, sustentada por um sistema patriarcal e encorajada pelo predomínio de uma cultura sensualista durante os três últimos séculos, acarretou um profundo desequilíbrio cultural que está na própria raiz da nossa atual crise - um desequilíbrio em nossos pensamentos e sentimentos, em nossos valores e atitudes e em nossas estruturas sociais e políticas.

Os filósofos chineses viam a realidade, cuja a essência primária chamaram Tao, como um processo de contínuo fluxo e mudança. Na concepção deles todos os fenômenos que observamos participam desse processo cósmico e são, pois, intrinsicamente dinâmicos. A principal característica do Tao é a natureza cíclica de seu movimento incessante; a natureza, em todos os seus aspectos - tanto os do mundo físico quanto os dos domínios psicológico e social - exibe padrões cíclicos. Todas as manifestações do Tao são geradas pela interação dinâmica dos dois pólos arquetípicos Yin e Yang, as quais estão associados a numerosas imagens de opostos colhidas da natureza e na vida social.

É importante, e muito difícil para nós, ocidentais, entender que esses opostos não pertencem a diferentes categorias, mas são pólos extremos de único todo. Nada é apenas Yin ou Yang . Todos os fenômenos naturais são manifestações de uma contínua oscilação entre os dois pólos. A ordem natural é de equilibrio dinâmico entre Yin e Yang.

Assim sendo, o que é bom não é Yin ou Yang, mas o mais próximo do equilibrio dinâmico entre ambos. O que é mau ou nocivo é o desequilíbrio entre os dois, e isto, infelizmente é o que tem acontecido em nossa sociedade atual, de forma exagerada.

A contribuição da Psicologia Transpessoal - Caminhos para além da crise social

A Psicologia Transpessoal pode ser conceituada como o estudo e a aplicação dos diferentes níveis de consciência em direção à Unidade Fundamental do Ser. Ela favorece ao indivíduo a vivência da plena luz, de onde emerge o ser integral vivenciando um estado de mente mais lúcido, desperto. Segundo Abraham Maslow, um de seus fundadores, sem o transcendente ficaríamos doentes, violentos, niilistas, vazios de esperança e apáticos. A Psicologia Transpessoal abre a possibilidade ao indivíduo de romper com os automatismos, discernindo suas reais capacidades, e de tornar possível a atualização desses níveis de experiência de forma harmoniosa, para si e para o ambiente externo. A vivência dos níveis transpessoais se caracteriza por uma ética natural e construtiva.

A personalidade humana, nesta teoria, segundo Ken Wilber, "é uma manifestação ou expressão, em múltiplos níveis, de uma única consciência, da mesma forma que um espectro magnético é a manifestação ou expressão de múltiplas faixas de uma única onda eletromagnética característica".

A Psicologia Transpessoal também pode ser aplicada em grupos, organizações, na educação e em instituições, através de uma nova ética em valores humanos, mais adequada ao homem e ao ecossistema em geral, resgatando a espiritualidade em nosso cotidiano, orientando-nos a desenvolver nossas "verdadeiras" potencialidades através do autoconhecimento e da percepção "real" de nossas relações com o próximo, nos facilitando também, e principalmente, a encontrarmos um sentido mais "elevado" para nossas vidas.

A visão do mundo, na Transpessoal, é a de um todo integrado, em harmonia, onde tudo é energia, formando uma rede de interrelações de todos os sistemas no Universo.

A Psicologia Transpessoal é uma das manifestações do paradigma emergente. É uma abordagem integrada dos principais "insights" das Escolas Psicológicas Ocidentais e das Tradições Sapienciais Orientais (milenares), como a Filosofia e a Religião.

Ela encontra ligações significativas com os elementos postulados na Física Quântica e Relativista, nas observações de Max Planch, Albert Einstein, Werner Heisenberg, Fritjof Capra, Gary Zukav, Amit Goswami, John Bell e David Bohm, nos estudos das Estruturas Dissipadas de Ilya Prigogine, na teoria da Mente Holográfica de Karl Pribam, no preceito dos campos morfogenéticos do biólogo Rupert Sheldrake, bem como nos mais recentes estudos em neonatologia, embriologia, genética e psiconeuroimunologia.

A Transpessoal surge em um momento de transição e integração do saber, em uma nova etapa da ciência e do conhecimento humano.
Longe de ser uma teoria concluída, hermética, é ainda uma disciplina extremamente jovem e que sem dúvida, faz parte das pesquisas de ponta sobre o desenvolvimento da mente humana, com perspectivas extremamente promissoras.

 

A Crise Social e o ser humano perdido em busca de Si - Uma Conclusão

Tentei através deste trabalho, embasado em conceitos holísticos, como os apontados pela Física Moderna, os existentes há séculos na Filosofia Oriental e unificados atualmente na Psicologia Transpessoal, fazer uma leitura desta crise terrível em que vivemos na atualidade, levando também em consideração uma abordagem que realmente fosse coerente com aquilo que penso e acima de tudo que fizesse sentido para mim. Acho lamentável que o tempo passe, a situação fique cada vez pior para todos nós, e ainda assim, as maioria das pessoas insistam, ou talvez, resistam, erguendo barreiras ao seu próprio conhecimento através de preconceitos e uma prepotência deprimente. Tentando ser mais compreensivo, entendo que essa resistência e a continuidade da repressão à espiritualidade se deve ao medo, pois o diferente, o oculto e o estranho, exigem de nós reformulações, não só em nossos conceitos, mas em nossas vidas, exigindo de nós "novas" responsabilidades e uma nova forma de encarar a realidade, podendo derrubar nossas auto-ilusões e fazer com que chão debaixo de nossos pés desapareça, e como isso pressupõe o inusitado, preferimos nos fechar em nossas "casinhas" egóicas costumazes, estas sim, muito mais seguras.

Para mudar a si mesmo é preciso coragem, ficar inerte ou ser pessimista é muito fácil, dadas as circunstâncias atuais. Procurar por novos horizontes e vislumbrar com esperança positiva um futuro melhor é que é difícil hoje em dia.

Tenho percebido uma lenta, mas promissora abertura para a Psicologia Transpessoal nas Universidades, em algumas, como na Califórnia, isto já é uma realidade, e até mesmo no Brasil ela tem ganho força a cada dia que passa, infelizmente aqui na Unisinos, ainda existem severas restrições a esta abordagem, muitas destas, impregnadas de preconceitos pessoais, desinformação generalizada e desatualização científica. A grande maioria das críticas feita a Transpessoal carecem de um mínimo de conhecimento de causa, tornando-se por causa disso vazias de conteúdo e por vezes até ridículas. Até compreendo a posição dos professores que atingiram um status e estudaram anos dentro de um paradigma, hoje em decadência, e sentem extrema dificuldade em aceitar os novos paradigmas, dificultando ao máximo o processo de transição, que ao meu ver, gradualmente se tornará inevitável dentro de nossas universidades. No entanto, o mínimo que se pode esperar de um professor universitário é abertura e respeito, e isto felizmente tem acontecido por parte de alguns poucos professores aqui no nosso curso, obviamente, por parte daqueles que são menos fechados em suas linhas teóricas e menos comprometidos com o paradigma científico vigente. Este exemplo da Psicologia pode ser estendido para outras áreas como a própria Física, Sociologia, Economia, Política, entre outras, todas com seus muros e barreiras erguidos (justificativas), prontos para impedir os novos paradigmas, e a conseqüente transformação. As vezes chega a ser irônico, senão fosse ao mesmo tempo tão trágico, pois tem nos custado caro, essa nossa falácia superficialista (de cunho materialista) em querer mudar a realidade crítica atual, quando nem ao menos, conseguimos mudar a nós mesmos.

Em "A Literatura e o Homem Ocidental", J.B. Priestley avaliou esta situação da seguinte forma: "Mesmo que acreditemos que o tempo de nossa civilização esteja correndo demasiadamente rápido, como o açúcar derramado de um saco furado, devemos esperar. Mas enquanto esperamos, podemos tentar sentir, pensar e nos comportar como se nossa sociedade já estivesse começando a ser contida pela espiritualidade... como se estivéssemos novamente encontrando nosso caminho de volta no universo. Podemos parar de deserdar a nós mesmos... Podemos contestar todo o processo de desumanização, de despersonalização que está arrancando a riqueza simbólica, a dimensão de profundidade das vidas dos homens, induzindo a anestesia que exige violência, efeitos cruelmente horríveis, para sentir qualquer coisa.

Em vez de desejarmos ver o que existe do outro lado da Lua, algo remoto em relação às nossas próprias vidas, podemos tentar ver o que existe do outro lado de nossas próprias mentes."

E para concluir este trabalho, utilizo as palavras de um comtemporâneo anônimo, que em sua busca espiritual, descreveu a seguinte experiência:

" Houve algumas vezes nas quais senti que de fato compreendia o que buscava. No entanto, anos mais tarde, reconheceria que foi uma estupidez... De um ponto de vista subseqüente, eu obviamente não entendera coisa alguma. Penso que isso é bastante universal.
... Todas as vezes em que se amplia o conhecimento - ou se adquire mais - , passa-se a ver as coisas sob uma perspectiva diferente. Não é que as coisas fossem totalmente erradas antes, apenas são vistas agora de modo diferente, sob uma luz diversa... Essa é a essência da transformação, atingindo a nossa parte que sabe, que não se sente ameaçada e não se opõe à metamorfose..."

 

Notas

1 - Graduando em psicologia pela UNISINOS. Aprendiz do segundo nível da ATC (Abordagem Transpessoal da Consciência) na Unipaz - Universidade Holística Internacional. E-mail: [email protected]


Voltar ao início da página

Voltar

Hosted by www.Geocities.ws

1