Os Psicólogos e a Divindade

Christian Svoboda1

 

Como é rica a mitologia greco-romana, quão grande é a diversidade de deuses, deusas, semi-deuses, ninfas e demais seres místicos. O psicólogo visita a mitologia, se emociona com Eros e Psiquê, mas no fundo, bem no fundo é tomado de um sentimento de profunda inveja àquelas civilizações que possuíam tantos divindades.

A natureza, as virtudes, os vícios, todos são representados em deidades caricaturadas. Em miséria se vê o psicólogo, que não pode recorrer a nenhuma dessas personalidades para falar de seus conflitos, de suas alegrias, e pois, fica resignado a sentir o peso de seus erros, que sempre são mais graves que de qualquer outro ser humano, pois afinal "ele é 'pisicólogo', ele entende da gente!". Por isso, quando erra, sempre é mais culpado. Além disso, quando sofre, também o faz como se fosse o mais penoso ser humano. Que profissão mais pérfida, não?

Levado por essa injusta realidade é que procurei um deus que pudesse dar suporte à categoria dos psicólogos. Poderia visitar o budismo, o catolicismo, o protestantismo, o hinduísmo, a fé bahai, Krishna, Jeová, Alá, e tantos outros, mas eis de que improviso me surge um muito especial.

Como uma inspiração, surgiu na minha mente o magnífico e soberbo, deus Calé. Calé seria o nome aportuguesado de Callus (do latim) e Kalleah (do hebraico).

Seria o deus de um círculo secreto de sábios romanos que se dedicavam à observação da natureza e à aplicação da alquimia como fórmula de saúde. Teriam sido perseguidos e dizimados pela milícia de César. Como o objeto de estudo e análise eram os escravos hebraicos, com a extinção do círculo, estes formalizaram o conhecimento e passaram a dar continuidade às atividades iniciadas pelo romanos, só que desta vez, se estudaria e se analisaria os romanos e os do mesmo povo também, isso, claro, mediante uma taxa simbólica. Talvez essa seja a raiz primordial da qual descenderá Freud. Nos momentos de angústia e perseguição, os romanos clamavam por Callus. Já os hebraicos, rezavam noite e dia para Kalleah, mas ele nunca aparecia, para ninguém. Segundo a versão romana, Calé era o deus que guia, que dá a direção. Assim dizia um hino em dialeto romano: Qua Læ, Qua Læ, Onde sentimentum fazere dolore profundum, Quo caminu seguiremus?

Qua Læ a tua Callus? Onde estas que non respondus!

Uma melhor descrição de Calé vem dos seguidores hebraicos. Kalleah era um deus que indicava o caminho, mas nunca estava ao lado para dar segurança. Seu dia sagrado era a quinta-feira, mas também poderia se estender até o sábado e o domingo talvez. Durante estes dias Kalleah pedia a seus servos que o procurassem, e que ele estaria em uma taberna qualquer. Hoje coisa semelhante acontece com os estudantes de psicologia. Eles, desesperados, saem aos milhares, às quintas e nos outros dias da semana, dirigindo-se a todos os bares e estabelecimentos noturnos, pois certamente Calé não seria encontrado em plena luz do sol. Impelidos à procura de seu deus, os estudantes chegam a visitar vários bares em uma única noite, e podem infelizmente ter o desprazer de não tê-lo encontrado. Esgotados, tendo liberado toda libido, os estudantes se recolhem para seus lares na esperança de que, quando ele sair semana que vem, irão encontrar Calé.

Diz a lenda romana que Callus é um grande pai que levava seus filhos pela mão e depois os largava nas situações mais difíceis para provar a astúcia, a coragem, a perseverança e o manejo. Longe de ser uma função paterna, Calé era tido como um pai que jogava seus servos sempre na direção dos conflitos dos outros e de si mesmos como uma forma de crescimento pessoal. Os que lhe seguiam e resistiam, serviam com júbilo e alegria pelo resto de suas existências. Da Idade Média para as portas do terceiro milênio, ele vem sido tendo também como padrinho dos estagiários.

Hoje, o psicólogo, e sobretudo o estudante de psicologia, cansado do dia árduo, ao deitar-se e acomodar suas idéias no travesseiro, tenta aquietar-se e pergunta justamente: Qual é, Calé? Onde estás que não respondes? Qual é, qual é o caminho? Qual é, Calé? Eis que o cansaço toma conta do corpo e o psicólogo se deixa dormir murmurando baixinho ... Calé... Nos sonhos, Calé aparece só para nos dizer que estamos no caminho, nos incentiva a prosseguir nele. O problema é que quando acordamos pode acontecer de se perguntar "Mas o que que é esse tal de caminho"? Tenho duas hipóteses, ou Calé desconhece os muitos caminhos da psicologia ou ele é primo de Baco, padrinho de Anacreonte e quando aparece nos sonhos é porque está voltando, bêbado certamente, de uma festerê. Ou então, é ele próprio que nos orienta a escolher um outro caminho, visto que ele próprio, por sua condição ébria, não quer nos guiar, mas ser guiado por onde for, desde que consiga chegar em casa. Amém, Calé!

 

Notas

1 - Graduando em psicologia pela UNISINOS. E-mail: [email protected]


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