Análise de Processo Grupal: A inclusão de um novomembro no grupo1

Carolina Helena Becker, Elis de Pellegrini Rossi e Maria Ângela Ottato2

 

 

De acordo com Castilhos (1995), sabe-se que qualquer novo elemento que ingresse em um grupo já formado contará com reações típicas, que iram depender tanto da própria equação emocional quanto de vários fatores inerentes ao grupo (natureza, grau de homogeneidade, maturidade, etc.). Pensa-se então que diferentes grupos reagirão de forma diferente a presença do estrangeiro.


Tendo em vista esta consideração, pensou-se analisar como ocorre o processo de inserção de um novo membro em grupos pré - existentes observando dois filme: "28 dias" e "Toy Story".

O filme "28 dias" trás a história de uma garota que, embriagada, se envolve em um acidente e tem como pena judicial passar 28 dias em um centro de reabilitação. O centro possui diversas estratégias para obter sucesso na recuperação de pessoas dependentes de drogas. Palestras educativas, relatos de pessoas que eram dependentes de droga e hoje estão em abstinência até a realização de grupos. E é a partir deste grupo que analisaremos o processo.

Durante as sessões, a cada relato feito pelos participantes, a personagem de Sandra Bullock, apresenta o que denominamos de "função do espelho" e que Zimerman (1993) e Castilhos (1995) afirmam ser resultante de um intenso e recíproco jogo de identificações projetivas e introjetivas. Neste momento de identificação, cada participante se mira e se reflete no outro reconhecendo os aspectos que estão negados em si próprio. Durante os relatos dos outros participantes ela consegue remeter-se a sua infância e lembra-se de quando a mãe bebia e de como isso prejudicava a vida dela e de sua irmã. A partir disso percebe que ela seguira o mesmo caminho da mãe e que também estava prejudicando as pessoas que ama. Passa então a refletir sobre as suas atitudes, e se demonstra com medo de ter o mesmo fim da mãe: a morte.

A personagem resiste em integrar-se ao grupo, talvez por não ser de sua vontade a internação na clínica, e dificulta a sua integração com os demais, não participando das atividades do cotidiano, como ajudar a manter o local limpo.

Em uma das seções pode-se visualizar o que Parisi (2000) chama de situação de isolamento e de rejeição passando para um ambiente de respeito e acolhimento. Isso pode ser observado na cena de uma das sessões onde todos começam a "agredir", verbalmente, Gwen, personagem de Sandra Bullock, que até o momento demonstrava-se resistente às regras da clínica. Todos possuem algo de ruim a dizer a respeito dela e isso se junta ao péssimo dia que vem passando, e ela acaba se exaltando e colocando toda a agressividade para fora. Após ter suplicando que parassem, todos aplaudem e a coordenadora do grupo, possivelmente uma psicóloga, diz que foi muito bom. É a partir desse momento que a personagem de Sandra Bullock passa a participar mais efetivamente do seu tratamento e das sessões de terapia em grupo. Ocorre então a sua inclusão no grupo e ela torna-se pessoa importante para o grupo.

De certa forma o grupo já formado sabia da possibilidade da entrada de novos membros e por isso pode-se dizer que a entrada inicial da personagem não afetou significativamente sua homeostase, todos continuam exercendo as suas funções no centro de reabilitação e nos encontros terapêuticos. No entanto as atitudes repetitivas de Gwen afetam negativamente o grupo, pois esta parece não aceitar as regras pré-estabelecidas. Somente quando ela passa a fazer parte efetiva do grupo é que o este atinge novamente o equilíbrio.

Segundo Castilhos (1995), o estrangeiro atua de maneira desafiadora, transgredindo o status do grupo e este sente suas atitudes como ameaçadoras às suas estruturas e tradições. Como ocorre no filme o grupo reage na busca de pressionar o indivíduo a adaptar-se a sua estrutura.

No filme Toy Story, ao fazer-se uma análise dos brinquedos de Andy, pode-se perceber a existência de um grupo estabelecido, com organizações e regras de funcionamento, e que age sob a liderança de Woody, um xerife de brinquedo. Quando o grupo percebe a possibilidade da entrada de um novo membro o equilíbrio é momentaneamente quebrado por ansiedade, angústia e expectativa generalizadas. O líder tenta amenizar os transtornos causados pela mera possibilidade, no entanto quando esta se faz concreta os sentimentos diversificam. O sentimento de medo pela perda do seu lugar no grupo torna-se evidente mobilizando-o para a chegada do novo indivíduo.

O estrangeiro apresenta-se ao grupo com inúmeras qualidades que sobressaem aos demais e em especial ao líder. O grupo foca a sua atenção para o novo membro e a ansiedade parece amenizada, ao menos para a maioria que passa a projetar no novo brinquedo suas fantasia (no caso de serem tão desenvolvidos).


No entanto o novo membro possui fortes características para a liderança e Woody (líder até o momento) sente-se ameaçado em sua posição. O "novo líder" passa a valorizar mais o grupo e este se desenvolve positivamente. Woody, cada vez mais deslocado torna-se agressivo com Buzz (novo membro).

De acordo com Castilhos (1995), o grupo "rende-se ao estrangeiro, readaptando-se, modificando-se para acompanhá-lo. Essa atitude tende a ocorrer somente quando o estrangeiro apresenta-se com uma certa ascensão sobre o grupo". O que realmente traduz a situação ocorrida neste filme.

Situações não tão ocasionais forçam a reconciliação de Woody com o novato e com isso o grupo reintegra-se. Em um primeiro momento, a entrada de um novo membro no grupo alterou significativamente a sua homeostase, tendo em vista as situações de ansiedade generalizadas que alteraram o funcionamento do grupo e a ruptura por parte de um dos membros (Woody - o líder). Com a reconciliação do novo membro e do líder o grupo retoma o seu equilíbrio e passou a funcionar sob o comando de dois líderes co-atuantes.

 

 

Bibliografia Consultada
- Zimerman, D. E. - Fundamentos Básicos das grupoterapias. - Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
- _________, __. ; Osório, L. C. - Como trabalhamos com grupos. - Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
- Castilhos, A. - A Dinâmica do Trabalho de Grupo - Qualitymaok Editora, 1995.
- Só entre nós. - Revista Emoção e Inteligência - Fevereiro, 2000.

 

Notas

1 - Texto produzido para a graduação em Psicologia, disciplina de Processos Grupais II da professora mestre Lidia Tassini Silva Mancia. São Leopoldo, Junho de 2003. Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Centro de Ciências da Saúde - Centro 2. Publicado no site Instituinte em 01 de julho de 2003.

2 - Graduandas em Psicologia pela UNISINOS. E-mail: [email protected]


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