A Síndrome de Asperger e o AT1
Alex Tavares, Aline Namba, André Simplício, Ângela Figueiredo e Luciane Frizzo2
Acompanhamento Terapêutico - Principais Conceitos
Figueiredo e Segal (apud PELLICIOLI et al., 1998), dizem que ao atendermos pacientes
com algum distúrbio neuro-psiquiátrico, podemos nos deparar muitas
vezes com as nossas próprias impossibilidades ao invés de somente
lidar com os limites que estes apresentam. Ao trabalharmos com pessoas que possuem
suas vidas desadaptadas às normas impostas pela sociedade, possivelmente
venhamos a nos preocupar e a nos tornarmos mais atentos com esses pacientes
também fora de nossos consultórios.
Conforme Mittmann (apud PELLICIOLI et al., 1998), as pessoas portadoras de algum distúrbio psíquico estão afastadas de um cotidiano que é bastante presente em sua imaginação, porém longe do seu convívio. Figueiredo e Segal (apud PELLICIOLI et al., 1998), continuam afirmando que aqueles pacientes portadores de alguma inibição do ponto de vista das relações interpessoais, com transtorno afetivo do tipo depressivo ou maníaco, psicóticos com funcionamento esquizóide, autistas ou portadores de algum tipo de incapacidade física ou mental, transtornos de personalidade do tipo borderline entre outras, necessitam também de um outro tipo de atendimento que vá além dos limites dos consultórios e se estendam para as atividades cotidianas do indivíduo dentro e fora de suas casas.
Mittmann (apud PELLICIOLI et al., 1998) continua dizendo que a prática
do Acompanhamento Terapêutico (AT), torna-se uma boa alternativa para
tratamento de psicoses e outras formas de distúrbios psíquicos,
que causam algum tipo de anormalidade. Isso vem se tornando presente em relação
aos distúrbios psíquicos, e atualmente serve como uma forma de
intervenção clínica, onde entre outros objetivos, proporciona
estabelecer uma "escuta da loucura". Para Figueiredo e Segal (apud
PELLICIOLI et al., 1998), o trabalho do AT e juntamente com a atividade psicoterápica
complementam-se, e fazem com que o paciente seja o principal beneficiário.
É importante que se trabalhe
com as questões subjetivas de cada sujeito, proporcionando que este crie
em seu próprio pensamento representações para as tarefas
sociais onde, a princípio, só existem devaneios, delírios
e pensamentos desconexos (Mittmann apud PELLICIOLI et al., 1998).
O terapeuta juntamente com o AT
costumam traçar objetivos para o tratamento em conjunto assim como discuti-los,
avaliando o andamento e o progresso do caso. Entre os objetivos de um trabalho
de Acompanhamento Terapêutico, pode-se citar como principais os seguintes:
· Estimular o paciente a restabelecer cuidados básicos em sua
higiene e em atividades básicas, como por exemplo, tomar banho, cuidar
de sua aparência pessoal, educação alimentar, etc.
· A tolerância à frustração é importante
neste trabalho e exige uma atenção especial por parte do AT.
· Ego auxiliar e modelo de identificação, sendo muitas
vezes alvo de projeções e idealizações por parte
do paciente, devendo o terapeuta estar sintonizado neste tipo de manifestação
para poder manejá-la quando necessário.
· Auxilia o paciente na sua inserção ao meio social, ajudando-o
a adequar suas condutas para um bom convívio em vários tipos de
ambientes.
· Promover continência para pacientes com sintomas de risco (agressão,
suicídio e exposição moral) dentro do ambiente familiar.
· Amigo qualificado, promovendo cuidados e orientação em
rotinas e tarefas diárias.
· Referência externa do sujeito, ajustando seu juízo crítico
e organizado à rotina familiar do mesmo, desempenhando também
papel de conselheiro.
Conceito de Síndrome de Asperger
A Síndrome de Asperger (AS) é uma categoria de desordem de desenvolvimento
neurologicamente baseada, muito freqüentemente de causa desconhecida, na
qual há desvios e anormalidades em três amplos aspectos do desenvolvimento:
relacionamento social, uso da linguagem para a comunicação e certas
características de comportamento e estilo envolvendo atitudes repetitivas
ou perseverativas sobre um número limitado, porém intenso, de
interesses. É a presença dessas três categorias de disfunção,
que pode variar de relativamente amena a severa, que clinicamente define todas
as desordens pervasivas de desenvolvimento, de AS até o autismo clássico.
Não é totalmente claro se AS é somente uma forma atenuada
de autismo ou se condições são relacionadas por algo mais
que suas grandes semelhanças clínicas. A AS representa a porção
PDD (pervasive developmental disorder) caracterizada por elevadas habilidades
cognitivas (pelo menos Q.I. normal, às vezes indo até as faixas
mais altas) e por funções de linguagem normais, se comparadas
a outras desordens ao longo do espectro.
Estudantes com AS não são raramente encontrados no ensino regular, embora freqüentemente não diagnosticados ou diagnosticados erroneamente. A presença de características básicas de linguagem é usada como um dos critérios para o diagnóstico de AS, todavia esteja próximo de dificuldades sutis com linguagem pragmática e social. Embora os pesquisadores não tenham chegado a uma conclusão em relação à diferenciação entre AS e outras formas de autismo e PDD, o prognóstico do primeiro é melhor que o dos outros dois. Dentro desta gama de diagnósticos, muitas crianças com AS podem ser consideradas "normais, porém diferentes", bem como terem seu diagnóstico confundido com autismo ou PDD, dependendo de onde e quem os avalia. Segundo o Dicionário de Psiquiatria de Robert J. Campbell, AS é uma psicopatia autista que é um tipo de distúrbio de caráter que se caracteriza por ausência de sensibilidade, de intuição e de compreensão humana normal. O AS vive no mundo normal, mas de um modo que lhe é exclusivamente próprio; sua fala, por exemplo, é mais uma proclamação do que uma comunicação em dois sentidos. Asperger considerava esse distúrbio como uma hipertrofia do intelecto às custas do sentimento. Foi observado também que na maioria dos casos, parentes de AS possuem um quadro completo da doença ou pelo menos alguns traços da mesma; sendo que esta síndrome é mais comum do que se imagina e é mais encontrada em rapazes do que em moças, sem que se saiba a razão.
Uma das características clínicas do AS mais comuns é o
"interesse especial", no AS os interesses por áreas intelectuais
específicas são mais freqüentes. Geralmente, na escola, mostrarão
interesse obsessivo em uma área como matemática, aspectos de ciências,
leitura ou algum aspecto de história ou geografia, querendo aprender
tudo que for possível sobre o objeto e tendendo a insistir nisso em conversas
e jogos livres. Em várias crianças essas áreas de interesse
mudam com o tempo, com uma preocupação sendo substituída
por outra. No entanto, em outras os interesses podem persistir até a
fase adulta e em muitos casos essas fascinações da infância
formarão a base para carreiras adultas, incluindo um bom número
de colegas professores.
A outra maior característica do AS é a deficiente socialização,
embora sejam freqüentemente notadas por pais e professores como estando
"em seu próprio mundo" , elas raramente são distantes
como as crianças com autismo. Pelo menos em idade escolar muitas crianças
expressam desejo de viver em sociedade e ter amigos.
Em relação à linguagem, as crianças com AS usam-na
de forma diferenciada dos demais autistas, às vezes, sua fala soa formal
ou pedante e geralmente as coisas são tomadas muito literalmente. A compreensão
da linguagem tende ao concreto, com problemas crescendo quando a linguagem se
torna mais abstrata nos graus mais elevados. Desta forma, deve-se em geral,
tentar ensinar baseado no concreto. Por esses aspectos acima citados, muitas
vezes, os AS são erroneamente tidos como pessoas que tem dificuldade
com humor, porém eles tem na verdade uma dificuldade de entender brincadeiras
e trocadilhos com palavras.
Certas características do AS predominam ou recuam no curso do desenvolvimento
e os problemas apresentados mudam consideravelmente, entretanto, os aspectos
essenciais permanecem inalterados. Sendo assim, uma das mais importantes razões
para distinguir AS de outras formas de autismo é o seu histórico
relativamente mais brando.
Na infância os AS mostram tendência a ser pervasivos ou repetitivos
quando conversando, têm dificuldade com transições e preferência
por rotinas, não gostam de surpresas, devendo ser preparados previamente,
quando possível, para as mudanças. Às vezes, podem ter
respostas agressivas, apresentarem ansiedade excessiva e hiperatividade, porém
tem muita habilidade para reconhecimento de letras e números e memorização
de fatos, entre outros aspectos.
Em escola elementar ainda podem surgir problemas de falta de atenção
e ausências, sendo que ao tornarem-se problemas mais severos devem ter
indicação de ensino especial. Nesta fase também surge um
interesse em particular em uma ou poucas crianças ao seu redor, mas normalmente
suas relações são relativamente superficiais. É
muito útil usar uma abordagem onde a criança é colocada
junto com outra (não-Asperger) para absorver alguns encontros estruturados,
o que pode consistir numa ferramenta para ajudar a montar habilidades sociais,
encorajar amizades e reduzir a estigmatização.
Outro ponto importante é o ensino explícito e didático
de estratégias que pode ajudar a criança a ganhar proficiência
em "funções executivas" como organização
e habilidades de estudo.
Em graus mais adiantados o AS continua apresentando mais dificuldade na área
de socialização e conforme avança no nível secundário,
pode sentir-se muito pressionado e reagir de forma dramática e inapropriada,
tendo inclusive seu comportamento confundido com problemas emocionais e motivacionais.
Em relação à vida adulta o que se sabe é que os
AS são crianças mais aptas a crescer e serem adultos independentes
em termos de emprego, casamento, família, etc., do que outras com autismo
ou PDD.
Vinheta Clínica
C. 15 anos, mora com sua mãe em um apartamento, ficando o seu meio social
limitado entre ir a escola municipal, onde freqüenta uma classe especial,
o apartamento e suas idas à escolinha de futebol uma vez por semana,
visto que sua mãe não sai com ele para fazer outros programas
fora de casa, pois a relação entre os dois não é
das mais estáveis, já que ela apresenta um comportamento do tipo
Border, tornando as dificuldades de C. ainda maiores.
O trabalho realizado através do acompanhamento terapêutico, tem
como finalidade uma maior adaptação de C. ao meio que o rodeia
e as diversas situações que podem vir à acontecer.
C. ao iniciar o AT não tinha hábitos comuns como, escovar os dentes,
usar cuecas, ficava , e ainda fica, até altas horas defronte a uma televisão,
ele apresenta características típicas de indivíduos Aspergers
como ao nos dirigir a palavra ele soa bastante formal e caso usa-se de trocadilhos
na conversa C. as toma muito literalmente, em suas conversas C. é repetitivo
em demasia, fixando-se em uma pergunta, por exemplo, por diversas vezes, ele
não consegue manter-se atento por muito tempo a uma certa atividade,
entre outras peculiaridades.
As atividades, primeiramente, são direcionadas para que através
de certas repetições, como é o caso do escovar os dentes,
C. adquira o hábito da escovação, assim como aprender a
amarrar seus sapatos.
"No diálogo com seu paciente, o A.T. busca contê-lo, ajudando-o
a fortalecer certos laços e a desatar outros... Como membro de uma equipe,
propõe-se, ademais, a preparar o paciente para conviver com as inevitáveis
crises que ocorrerão na sua vida pessoal futura." (MAURER E RENIZKY,
1987, 164p.)
Bibliografia
CAMPBELL, Robert J. Dicionário de Psiquiatria. São Paulo: Martins
Fontes.
MAUER, Susana Kuras de e RESNIZKY, Silvia. AcompanhantesTerapêuticos e Pacientes Psicóticos. São Paulo: Papirus, 1987. 164p.
PELLICIOLI, Eduardo et al. (org.) Cadernos de AT: uma clínica itinerante. Porto Alegre: FEPLAM, 1998. 152p.
Notas
1 - Texto apresentado na IV Jornada Gaúcha de Psiquiatria: Novas Tendências na Prática Clínica. 20/08/1999.
2
-
Alex Sandro Tavares da Silva - Acompanhante terapêutico, graduando em psicologia
pela UNISINOS.
Aline Namba - Acompanhante terapêutico, graduanda em psicologia pela PUC-RS.
André Luiz Simplício - Acompanhante terapêutico, graduando em
psicologia pela UNISINOS.
Ângela L. Figueiredo - Psicóloga, coordenadora do Conexão
- Acompanhamento Terapêutico.
Luciane Frizzo - Psicóloga e acompanhante terapêutico.