Doze Homens e uma Sentença1
Ângela Garziera Gasperin, Paulo Aladim e Rodrigo Meazzi2

 


Analisamos o grupo como um Grupo Operativo Institucional, baseando-se em Zimerman (1996), visto que se tratava de decidir uma sentença unânime numa Instituição (tribunal de justiça), quanto a uma tarefa, a condenação à pena de morte ou absolvição de um rapaz acusado de matar seu próprio pai, num crime violento, em meio a tudo isso existindo o atravessamento de ser por um lado um crime cometido contra o pai do acusado, figura de autoridade, maximizando um sentido contra a própria sociedade, matando a lei.

O grupo é composto por doze homens, entre eles alguns negros, imigrantes, operários e trabalhadores liberais, pessoas jovens e idosas, enfim, um grupo que representava a sociedade enquanto instituição, heterogêneo.

Nos primeiros momentos de contato, os integrantes do júri falavam sobre o calor, sobre as pessoas que haviam testemunhado durante o julgamento, ou seja, fazendo uma espécie de reconhecimento do território, "tateando", buscando conhecer as pessoas que lá estavam. Alguns usavam a defesa da identificação, ou seja, falavam sobre assuntos dos mais diferentes ou então contando piadas, não assumindo a tarefa proposta pelo líder institualizado do grupo, ou seja o primeiro jurado.

O primeiro jurado assumiu a liderança propondo que todos se sentassem para que uma votação rapidamente pudesse ser realizada. Nessa primeira votação, houve onze votos a favor da condenação e um voto a favor da absolvição. O grupo voltou-se contra a pessoa que "destoou" do pensamento grupal, já que queriam livrar-se logo da tarefa, por causa de compromissos pessoais. Neste momento percebemos que o grupo entra na fase de luta e fuga, uma vez que os integrantes querem evitar a discussão e combatem o elemento causador da polêmica. Segundo Bion apud Mancia (1998), essa fase é caracterizada pela manifestação de sentimentos de raiva, hostilidade e agressão dirigida aos membros internos ou para o coordenador ou líder.

No momento seguinte a autoridade do líder (o primeiro jurado) é também atacada, sendo que ele coloca à disposição a posição que vêm ocupando. Diante disso, o grupo recua e volta a legitimar o jurado no papel de líder. Vale lembrar que cada jurado era identificado pela ordem, atribuída por algum agente externo. Os componentes não se chamavam pelo nome e sim, pela ordem. Outro fator a ressaltar é que o grupo não escolheu executar essa tarefa, mas foi convocado para tal. Algumas alianças são formadas, em defesa dos idosos (que são freqüentemente atacados) ou dos negros residentes em cortiços, etc. Um comportamento freqüente exibido pelos componentes é que quando alguém se indignava com algo que era colocado ou sentia-se pessoalmente atacado, ou não queria ouvir os argumentos dos demais, dirigia-se ao banheiro. Os membros que lá se encontravam travavam diálogos a respeito dos demais.

Ainda Segundo Bion apud Mancia (1998) um grupo cujas pessoas assumem papéis rígidos sejam eles formais ou informais, tende a ser um grupo com alto nível de conflito e pouca troca, o que se evidencia no início do filme e que vai evoluindo até o grupo prosseguir à fase de acasalamento, caracterizada por uma forma mais agradável de se agrupar com vistas ao ideal do grupo sem que os integrantes sintam-se ameaçados pelos sentimentos advindos da relação. Porém isso só ocorre no final do filme, num momento em que o grupo solidariza-se com o integrante que, por questões pessoais, não era capaz de declarar o garoto "inocente" e demonstra compreensão diante de sua dificuldade.

As provas do crime eram revistas e discutidas por todos, buscando eliminar possíveis dúvidas. Aos poucos as pessoas refletem acerca de sua decisão e vão modificando seus votos.

Quanto aos papéis, baseando-se em Zimerman (1996) conseguimos identificar o sabotador, o radar, o instigador, o bode expiatório, o porta-voz:

Um dos integrantes idosos que tinha problemas de relação com seu filho não admitia rever sua posição, queria fugir da discussão, referia-se aos demais de forma agressiva e, num certo momento em que encenava o momento em que o filho "esfaqueia" seu pai, quase atingiu o integrante que estava no papel do pai.
Ele atuou em muitos momentos como sabotador, principalmente quando o outro sabotador do grupo, o negro com o chapéu estranho, foi expulso do grupo, e a tendência do grupo então é eleger um substituto. Atuou em outros momentos como radar.

O papel do radar parece ter sido desempenhado principalmente pelo integrante negro que afirmava que o garoto tinha de ser punido por ser "imigrante", apresentando um discurso preconceituoso ao afirmar que "essa gente" se reproduzia como animais, usufruía as coisas conquistadas pelos americanos, só sabiam se drogar, eram violentos, não davam valor à vida, matavam sem nenhuma motivação, etc. O radar pode atuar como "caixa de ressonância" uma vez que não apresenta condições de processar simbolicamente o que captou, podendo apresentar somatizações ou abandonando o grupo, como o fez o referido integrante, sentando-se em local afastado da mesa depois que o grupo lhe diz que ele é/está "doente". O radar, como o nome fala, captou os preconceitos dos outros integrantes e os trouxe a tona, irritando a todos que conseqüentemente o expulsaram.

O papel do Instigador parece Ter sido incumbido ao jurado que contestou primeiro o voto de culpado, e permaneceu com esse voto até o final, pois segundo Zimerman (1996) consiste na função do indivíduo em provocar uma perturbação no campo grupal por meio de um jogo de intrigas, consegue dramatizar no mundo exterior a reprodução da mesma configuração que tem o seu grupo interior, bem como as do demais que aderiram a esse jogo. Se não fosse por esse jurado, o réu teria sido condenado à morte sem questionamentos. Isso é importante ressaltar pois sem ele não existiria um processo grupal, houve uma mudança devido a ele.

O papel do moralista, pregador da moral e dos bons costumes foi o papel do senhor que por penúltimo mudou de opinião, ele sempre se portava como o exemplo do grupo, seu traje era impecável e... não suava! Mostrou claramente durante todo o filme ser o Vestal do Grupo.

O papel do obstrutor ficou sendo do Vendedor, visto também segundo o autor anteriormente mencionado, se encarregava de impedir que o grupo desenvolvesse a tarefa de julgar o réu, desviando o assunto por meio de piadas e comentários a respeito de jogos e do tempo, como também colocando que o tempo gasto no julgamento seria em vão.

Apesar do bode Expiatório circular entre os membros do grupo, o réu é o que mais aparece caracterizado nesse papel, segundo Zimerman (1996)

No momento em que o terceiro jurado inocentou o réu, o grupo começou a mostrar certa evolução na discursão, pois nas exposições de idéias eram visíveis as alterações dos outros jurados, pois começaram a escutar entre si, com exceção dos jurados mais regressivos o que possibilitou as outras mudanças.

Uma outra forma de se analisar o processo grupal é com relação a desmitificação das concepções de cada membro do grupo. Isso se dá em três movimentos. No primeiro movimento se percebe mecanismos que ficam na periferia do grupo, ou seja, recursos utilizados para não enfrentar o conflito, piadas, tempo, etc. Isso caracteriza a infantilização do grupo.

O segundo movimento começa com a evidência das divergências. Divergências explicitadas quando o "arquiteto" expõe seu voto, ou seja, quando ele demonstra não só discordar com o resto do grupo como também diz ter razões para que os outros reavaliem seus votos. Dá a entender que os demais membros do júri estão tratando da vida de um ser humano com generalizações.
Nesse momento surgem as perguntas:
- Quem é este grupo?
- O quê este grupo quer?

Essas questões fazem com que os jurados deixem de ser um só corpo - o que ocorre no primeiro movimento, onde a igualdade é a base - e retornem a suas formas individuais dando base para as discussões de sobre posições. Nessa fase os questionamentos tornam-se mais importantes até mesmo do que a exatidão das respostas por que é baseado nas incertezas individuais que se chega a um consenso máximo. Esse processo de singularização no grupo é o que caracteriza o segundo movimento, não necessitando mais das relações mitificadas. Ocorre aí uma ruptura, um choque, um movimento de crítica, pois está em queda o mito.

Advogados, promotores, testemunhas, e todo o preconceito contra um réu com um histórico acusador formam os mitos sociais, inquestionáveis para todos aqueles que seguem as leis e as verdades do mundo.

Modificar esta lógica é perceber os limites e a capacidade para mudança, por isso a desmitificação é muito dolorida, o que nos leva a lutar contra ela, com todas as nossas forças. Esses momentos no filme são verificados tanto nas horas de descontrole, como também nos momentos de silêncio. Há uma resistência a mudança que com o tempo foi cedendo ao diferente.

O terceiro movimento já havia iniciado com a morte do mito. Antes a diferença produzia o desconforto, o medo. Depois já é percebida como constituinte de cada um, o que leva a uma certa autonomia e a uma capacidade de construção. Isso se percebe quando depois das mudanças de cada um dos jurados, eles além de justificar sua mudança também levantavam dúvidas quanto aos mitos que antes imperavam em suas opiniões.

Outro aspecto importante do grupo foi a duração do tempo imposta pelo primeiro jurado para cada um falar, o que não deu muito certo, pois um interrompia o outro nas suas observações e o caráter forçadamente formal que a maioria do grupo tratava-se evidencia-se na maior parte do filme, parecia que eles não queriam de maneira nenhuma entrar em intimidades, mas com as colocações do radar isso tornou-se quase impossível, tanto que no final do filme, quando o grupo finalmente atingiu a fase de acasalamento, o senhor mais idoso pede ao instigador o seu nome, num belíssimo final.

 


Bibliografia

ZIMERMAN, David-Fundamentos Básicos das Grupoterapias- Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

MANCIA, Lídia- Variáveis Que Interferem No Processo Grupal. Sociedade Brasileira de Dinâmica de grupo, RS, 1998. Matéria Científica.

 

Notas

1 - Texto produzido para a graduação em Psicologia, disciplina de Processos Grupais II da professora mestre Lidia Tassini Silva Mancia. São Leopoldo, Junho de 2003. Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Centro de Ciências da Saúde - Centro 2. Publicado no site Instituinte em 25 de junho de 2003.

2 - Graduandos em Psicologia pela UNISINOS.


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