Analise do Filme Doze Homens e Uma Sentença1
Ana Cláudia Schneider, Bianca Oliveira e Melissa Araújo2

 


O grupo apresentado no filme é formado por 12 homens, que fazem parte de um júri popular, onde terão que decidir sobre a condenação ou não de um rapaz de 18 anos acusado de ter matado o próprio pai. Essa decisão, que deverá ser unânime, poderá implicar na condenação à pena de morte desse rapaz. Assim, o grupo inicia seu movimento, conforme a teoria de Bion em Zimermam (1999), em direção à execução da tarefa operando no plano do ego consciente. Bion o denomina "grupo de trabalho", que é o grupo que funciona em busca de uma solução harmoniosa para suas necessidades e objetivos.


É importante salientar, que esse júri já está assistindo o julgamento há três dias, e o ambiente onde terão que ficar até tomarem uma decisão unânime, é um local pequeno com uma mesa central, cadeiras nada confortáveis, sem ventilação adequada (e o ar condicionado estragado) em um dia quente de verão, e um banheiro. A porta da sala dica fechada pelo lado de fora e quem possui a chave é um guarda, que se o grupo precisar de alguma coisa deve chamá-lo. Segundo Castilhos (1995), é de extrema importância a escolha do local para a realização de qualquer formação de grupo, pois o espaço e as dimensões físicas do ambiente são elemento importante que o grupo usará ativamente. No caso do filme, as cadeiras teriam que ser bem confortáveis, considerando que o grupo sairia do local no momento em que todos concordassem com a decisão e, isso poderia levar muitas horas. A sala deveria ter pelo menos um ventilador. Todos esses fatores contribuíram muito para a irritação e agressividade do grupo, serviram como fator estressor, em um momento inicial.


Os 12 componentes são todos de origens, condições sociais, idades, religiões diferentes; que no momento inicial parecem estar todos de acordo com a decisão da condenação do réu, até o momento em que um senhor (um dos mais velhos do grupo) não concorda e pede que todos conversem sobre o assunto e não simplesmente dêem os seus votos declarando-o culpado pelo crime sem ao menos discutirem o assunto, afinal de contas está em jogo a vida de alguém. Neste momento onde é proposto ao grupo pensar sobre a questão, discutir, argumentar, questões individuais começam a emergir no grupo.


Bion formulou o conceito de "pressupostos básicos" que juntamente com o "grupo de trabalho" constituem-se como planos nos quais o grupo movimenta-se, costumando haver uma certa flutuação, interação e superposição entre eles, mesmo que geralmente o grupo passe a maior parte do tempo nos "pressupostos básicos". Bion concluiu que nenhum grupo apresenta seu funcionamento de forma pura, havendo sempre um pouco de grupo de trabalho nos grupos de suposições básicas e vice-versa. Ele afirma que todo grupo tende ao trabalho, mas só chega a ele resolvendo seus "supostos básicos". Estes obedecem a leis do inconsciente, correspondendo a fantasias inconscientes de cada um e de todos e manifestam-se como defesas regressivas que acabam por opor-se ao desenvolvimento e evolução do grupo. Bion criou a expressão "valência" para indicar a maior ou menor capacidade de cada indivíduo dentro do grupo para participar das suposições básicas grupais. Dentro de um processo terapêutico, deve-se tornar conscientes esses pressupostos para aprender a manejá-los e reduzir a influência negativa que exerce em direção ao cumprimento do objetivo, cabendo ao analista a tarefa de proporcionar ao grupo o "insight" do que está acontecendo.


São três os pressupostos básicos: Dependência, Luta e fuga e acasalamento. Sendo que a mudança de uma suposição básica a outra pode ser feita com extrema rapidez. No filme, o pressuposto de dependência, que Zimerman (1999) refere como a busca de um líder que provenha as necessidades dos indivíduos e do grupo e que o direcionará para o cumprimento da tarefa, é manifestado pela figura do jurado número 1, já que a princípio assume formalmente como líder pelo fato de ser o responsável pela organização do grupo. O movimento de luta e fuga surge no momento em que os integrantes começam a se enfrentar por terem idéias contrárias e há um certo afastamento do líder formal (primeiro jurado), que era a pessoa que tentava por ordem no grupo fazendo com que cada um respeitasse a vez do outro falar. O grupo mostra o afastamento quando começam a questionar a sua liderança e outras pessoas tentam assumir essa posição. Segundo Bion (1975), luta e fuga alude a uma condição em que o inconsciente grupal está dominado por ansiedades paranóides e, por essa razão, ou a totalidade grupal mostra-se altamente defensiva e "luta" com uma franca rejeição contra qualquer situação nova de dificuldade psicológica, ou eles "fogem" da mesma, criando um inimigo externo, ao qual atribuem todos os males, e por isso, ficam unidos contra esse inimigo "comum". Este pressuposto tem equivalência ao conceito de posição esquizoparanóide de Melanie Klein.


Inicialmente o grupo se apresenta como de supostos básicos buscando a satisfação instantânea dos desejos de seus membros e dos seus próprios desejos, e estão orientados para dentro, no sentido das suas fantasias subjetivas, e não para fora, em contato com a realidade objetiva, parecendo ter uma mentalidade grupal, pois a maioria apresenta uma coesão de pensamento (o réu é culpado) e o mesmo objetivo (acabar logo com aquela situação e ir embora). Bion elaborou o conceito de "mentalidade de grupo" como a expressão da vontade do grupo oposta aos objetivos conscientes dos indivíduos que o compõem, já "cultura grupal" é definida como sendo o resultado da inter-relação entre a mentalidade grupal e os desejos dos indivíduos. Bion (1975) afirmava que o grupo funcionava como uma tríade indivíduo-mentalidade-cultura, sendo "uma ação recíproca entre as necessidades individuais, a mentalidade de grupo e a cultura".


No momento que um integrante tem coragem de enfrentar o grupo e convidar a todos que despendam no mínimo uma hora para pensar na decisão que iriam tomar, começa a se formar subgrupo com opiniões diferentes. Os dois senhores mais velhos se unem para que todos discutam os assuntos e os restantes tentam os convencer de que o rapaz é culpado, aos poucos apresentam argumentos válidos fazendo com que outros reflitam e acabem pouco a pouco concordando com a idéia de inocência. É possível identificar aqui o pressuposto básico de acasalamento, que consiste na união de membros do grupo que se distinguem dos demais em busca de consolação mútua, sendo um pressuposto inconsciente, para se manter exige um líder com características místicas, que na verdade pode representar a esperança da salvação a realizar-se, assim, corresponde à crença coletiva e inconsciente de que os problemas e necessidades do grupo serão solucionados no futuro por alguém ou algo que ainda não nasceu.


Todos tinham como certa a condenação do rapaz, e por motivos particulares (jogo de futebol em uma hora, um filho que abandonou o pai, um preconceito por pessoas mais pobres e humildes,...) achavam mais fácil dizer que a sentença era de condenado, mas no momento em que são convidados em pensar no que realmente está acontecendo e isso envolve rever conceitos individuais, de respeitar a opinião do outro, de admitir não ser o dono da razão, traz sofrimento por mexer em coisas que pareciam estar resolvidas, mas não estavam, só precisavam de algo que as "cutucassem". Diante disso as diversas personalidades começam a se manifestar, e o que parecia simples de decidir torna-se um imenso conflito.


O conteúdo que emerge do grupo são questões pessoais e os membros passam a se ofender, quase a se agredir fisicamente por terem opiniões divergentes. Segundo Bion, neste momento a mentalidade grupal está em conflito com os desejos, opiniões ou pensamento dos indivíduos do grupo, produzindo desconforto, mal estar, entre outras reações. O grupo se desorganiza, diante disso o líder formal sugere que seja feita uma nova votação, a situação criada dentro do grupo encontra-se intensamente carregada de emoção, essas emoções exercem uma forte influência sobre os integrantes do grupo, muitas vezes até desorientando a atividade do grupo. O primeiro integrante que se opôs ao grupo, utiliza fortes argumentos a fim de convencer os demais membros, em alguns momentos passa a se destacar como líder informal do grupo.


É característica do grupo de supostos básicos pouca ou nenhuma capacidade de tolerar a frustração, pouco interesse em reflexão ou pensamento e uma ênfase muito grande nos sentimentos, observa-se isso no momento em que os integrantes do júri trazem seus conflitos pessoais. O grupo também opera na tentativa de seduzir o líder, a fim de que este abandone sua proposta de trabalho.


O grupo então, após todos reverem sua decisão optam em votação unânime por inocente, e finalmente conseguem atingir a fase de união, onde o grupo apresenta maturidade para lidar com os conflitos, as diferenças individuais, as incertezas e as emoções, enfim todas as variáveis que permeiam um grupo, mostrando que foi capaz de atingir seu nível possível de realização, integrando as diferenças em prol de um único objetivo, que é a tarefa a ser realizada pelo grupo. (Mancia)


Foi através da influência das idéias de Melanie Klein (a qual era sua analista durante a década de 40) e sua experiência com grupos durante a Segunda Guerra Mundial, onde iniciou seu grande interesse por grupos terapêuticos, que Bion formulou conceitos a cerca da dinâmica grupal. Defendendo a idéia de que o homem é um animal de grupo, gregário, o que quer dizer que os fenômenos mentais grupais são inerentes à mente humana, mesmo não sendo perceptíveis a todo o momento, eles encontram-se presentes Ele acreditava na necessidade do acesso aos fenômenos psíquicos pela psicanálise e focalizava a concepção Kleiniana de "fantasia inconsciente".


Bion define grupo como uma função ou conjunto de funções de um agrupamento de pessoas, que fica bem representado no filme analisado pelos 12 jurados. Ele afirma que um grupo é sempre mais que a soma de seus membros, pois existem características nos indivíduos cujo significado só pode ser entendido se compreender as partes constituintes do seu equipamento como um ser grupal; e o funcionamento desses aspectos só pode ser percebido ao se observar o indivíduo dentro do grupo, no caso dos 12 jurados, cada um tinha questões pessoais muito fortes e mal resolvidas que pareciam estar "dormindo" e, o grupo parece ter esbarrado nestas questões. Em um momento bem inicial parecia que o grupo não iria dar conta de tantos conflitos, mas logo se estabelece um sentimento de confiança e respeito. A partir daí o grupo consegue ir ao encontro de seus objetivos: de troca de idéias para um fim comum, a decisão final e unânime. Não é possível identificar cada momento que o grupo passou isoladamente, tudo parece maio simultaneamente. Nesse sentido, a função grupal é parte integrante da investigação sobre o funcionamento mental humano.


Bibliografia

CASTILHOS, Áurea; A dinâmica do trabalho de grupo; RJ. Qualitymark, 1995.
GRINBERG, Leon; SOR, Dario. Et al. Introdução às idéias de Bion; RJ. Imago, 1973.
MANCIA, Lídia. Variáveis que interferem no processo grupal. Porto Alegre. S. ed., s.d.
ZIMERMAM, David. Fundamento Psicanalíticos. Porto Alegre. Artes Médicas, 1999.
BION, W.R. Experiências com Grupos. São Paulo. Imago, 1970.

 

 

Notas

1 - Texto produzido para a graduação em Psicologia, disciplina de Processos Grupais II da professora mestre Lidia Tassini Silva Mancia. São Leopoldo, 11 de junho de 2003. Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Centro de Ciências da Saúde - Centro 2. Publicado no site Instituinte em 15 de julho de 2003.

2 - Graduandos em Psicologia pela UNISINOS. E-mail: [email protected]


Voltar ao início da página

Voltar

Hosted by www.Geocities.ws

1