Relato e Análise das Oficinas Vivenciais1

Aline de Negri Silva, Gianice Valle Neto, Maria Flávia e Vanessa2

 

Este trabalho pretende abordar uma análise das oficinas vivenciais realizadas em sala de aula pela professora Lídia Mancia.

Sabemos da importância que é o trabalho grupal, tanto que temos algumas cadeiras no currículo especialmente dedicado a este tipo de trabalho, infelizmente na teoria aprendemos um conteúdo e na prática esse conteúdo sofre grandiosas mudanças.

Por sabermos disso é que decidimos realizar nossa análise sobre o processo grupal a partir das vivências realizadas que foram de grande importância para nossas relações enquanto colegas e enquanto Grupo.

Nossa primeira vivência começou com uma apresentação em que tínhamos que dizer nossos nomes e uma característica nossa começando com a mesma inicial de nossos nomes.

Logo após as apresentações fomos orientados a caminharmos pela sala para nos ambientarmos identificando o local e trocando olhares e expressões com os colegas participantes. Posteriormente formamos um círculo e recebemos vendas. Cada componente do grupo recebeu um número de 1 a 4 para então nos subdividir formando com os mesmos números. A partir dos pequenos grupos foram discutidos diversos assuntos sobre sala de aula, nossos sentimentos perante os colegas, os professores, os relacionamentos de sala de aula, o "vai e vem" (entrada e saída) do corredor da universidade. A cada aspecto abordado os pequenos grupos se desmanchavam e se consolidavam com novos componentes, para, dessa forma, trocarmos diversas opiniões com diversidade de pessoas.

Como encerramento, nossa orientadora Professora Lídia, propôs que o grupo sugerisse como fechar o trabalho. Foi sugerido que todos nos abraçássemos e quem aceitou tal sugestão o fez.

Na segunda vivência começamos o trabalho com grupos de cerca de cinco pessoas (pequenos grupos) e fizemos a brincadeira do João Bôbo, formavam-se pequenos círculos e um ficava no meio sendo jogado de um lado para o outro pelos colegas que formavam o círculo em volta.

Posteriormente juntamos todos os grupos formando assim um grande grupo e fizemos tal brincadeira novamente. Neste grande grupo algumas pessoas caíram, ao serem empurradas de um lado para o outro.

Em seguida foram trabalhados os conceitos de confiança, o que cada um sentiu ao entrar na brincadeira, as pessoas que foram deixadas cair relataram seus sentimentos quanto ao incidente.

Nos dividimos em dois grandes grupos e uma componente de cada grupo ia para o outro fazendo assim uma troca. As pessoas do grupo para o qual tal componente tinha sido encaminhado, tinham que relatar qual a visão que tinham de tal indivíduo a respeito das atitudes em sala de aula o que aparentemente ele representava aos demais, bem como: seu jeito, suas idéias. O indivíduo do qual se falavam tais qualidades tinha que se manter em silêncio e apenas observar e escutar os relatos a seu respeito.

Na terceira e última vivência, a orientadora e professora Lídia Mancia, propôs que nós sugeríssemos algumas atividades para realizarmos como fechamento para tais vivências. Dividimos o grande grupo ( já não tão grande!) em pequenos grupos e as sugestões que tivemos foram:

Cada um que tivesse interesse e vontade falaria ao grupo, qual a pessoa que mais se identificou e gostou, dizendo o que estava sentindo para ela. Algumas poucas pessoas o fizeram.

Outro grupo sugeriu que fizéssemos um amigo secreto, em que o presente era um bilhete que contivesse o que gostaríamos de dizer para nosso colega. Esse foi comum a todos e todos realizaram a tarefa.

Outra sugestão foi a de contarmos uma história sobre nossas vivencias nesse grupo desde o princípio. A história começaria com um início de frase e cada um que tivesse vontade e quisesse contribuir faria a continuação como lhe conviesse.

A próxima sugestão foi para que cada um pegasse um pedaço de papel e escrevesse uma palavra ou uma frase que gostaria de dizer para o grupo presente. Misturamos os papéis e cada um pegou um e leu para o grande grupo dizendo o que pensava sobre a frase ou palavra pega.

 


ANÁLISE DO PROCESSO:

Percebemos através das vivências, que o grupo inicialmente apresentava um alto nível de ansiedade e expectativa para saber o que aconteceria naquele encontro. É interessante ver como vivemos fechados, enclausurados em nosso dia a dia, que não paramos para perceber o outro que está ao nosso lado; nosso vizinho, amigo, familiares, aquele que senta ao nosso lado no ônibus, e nossos colegas de aula. O individualismo vivido nos corredores da Universidade que quando passamos um pelo outro sequer nos damos o trabalho de darmos um "bom dia!" ou apenas um "oi". Essa foi uma das questões que mais emergiram em nosso grupo, pensamos ser essa uma fuga para o não contato, para assim não precisar se expor perante o outro, não expor suas dúvidas, suas particularidades e suas fragilidades.

Afinal de contas, vivemos num mundo de hoje, a maioria das pessoas pensa "Não podemos ser frágeis!" "O mundo é dos espertos!". E ao invés de aprendermos a ser fortes mesmo com nossas fragilidades, sem ter medo de sermos o que somos, nos fechamos para a vida e muitas vezes para a riqueza de aprendermos com o outro.

Todos nós defendemos idéias, princípios, crenças, valores e posicionamentos. investimos tempo, energia, conhecimento e nos aplicamos na construção das organizações, da sociedade, da vida. E qual o valor de isso tudo?

Será que estamos conseguindo formar pessoas que contribuem social e eticamente, que constroem relações de cidadania, uma sociedade mais humana, mais equilibrada, mais consciente de si mesma, de sua auto-responsabilidade como parte de um ecossistema?

Acreditamos que essas questões de alguma forma foram trabalhadas no grupo, quando fomos vendados e tivemos que nos encontrar sem podermos enxergar um ao outro; isso nos fez buscar o contato sem idéias pré concebidas, pois sem vermos nossos colegas, não poderíamos pensar "Ah! Esse eu não gosto muito!", muitas vezes a aparência física fala muito mais e não damos chance para conhecer as pessoas. Pensamos que tivemos essa oportunidade de "cumprimentar" e conhecer nossos colegas de olhos vendados e fazer o que não conseguíamos pelos corredores.

A ausência da visão nos fez "vermos" o toque, a voz, o cheiro, as palavras, nos dando oportunidade de conhecer e conviver melhor com nossos colegas e quem sabe nos deixar mais a vontade por estarmos vendados.

Quando fora sugerido que todos se despedissem com um abraço, talvez essa sugestão tenha traduzido a questão da integração, da vontade de cumprimentar os colegas no corredor.

Quanto a vivência em que fizemos a brincadeira do João Bobo, acreditamos ter sido para trabalhar questões como confiança, segurança e responsabilidade. As idéias pré-concebidas que temos de cada pessoa nos fazem acreditar mais ou confiar mais em algumas pessoas e menos em outras. Essas mesmas idéias nos fazem sentirmos mais responsabilidades por algumas do que por outras. Numa suposição, poderíamos nos arriscar a dizer que aquelas pessoas que caíram poderiam ser as que não transmitiam segurança para o grupo. Ou que o grupo se sentia com mais responsabilidade por elas e não conseguiu segura-las. Ou ainda, quem era o João bobo não confiava no grupo e nem sentia segurança nele. A capacidade de entrega e de acolhimento é importante para que aja sintonia entre João bobo e grupo. Talvez algumas pessoas tenham se entregado mais e outras menos, alguns tenham uma acolhida maior, e outros menor, fazendo assim com que alguns caíssem e outros não.


Quando nos dividimos em dois grandes grupos e falamos um pouco de cada um que chegava na nossa roda, tivemos a oportunidade de aprender e ensinar, colocamos um pouco do que percebemos do outro e ele por sua vez escutou e ficou com essas idéias para elaborar e refletir. Até onde estou passando o que realmente sou e até onde estou passando uma imagem distorcida do que sou? E o mais importante, porque estou me permitindo passar essas falsas aparências? Porque não posso ser o que sou? O que me impede de sê-lo?

Por outro lado, algumas pessoas conseguiram transparecer o que são ou pelo menos parte do que são, havendo uma consonância em aparência e realidade.

No último encontro, fizemos um fechamento bem interessante, pois cada atividade realizada e proposta por nossos colegas, nos remeteu a uma reflexão e encerramento de convivência naquele grupo restrito, como se de alguma forma pudéssemos a partir daquele dia iniciarmos um novo ciclo em que pudéssemos ver algumas coisas com "outros" olhos.

Na maioria dos casos, as mensagens que recebemos de nossos amigos secretos foram bem significativas e as mensagens que escrevemos para o grupo, na hora de sorteá-las, quando cada um pegou uma mensagem, parece que pegamos exatamente aquela que se encaixava com alguns de nossos sentimentos ou pensamentos; nos fazendo refletir sobre as questões e também compartilhar com todos.

As vivências nos fizeram pensar e questionar sobre o que somos, como somos, o que queremos etc.... Houve um processo de auto conhecimento e de conhecimento do que é o outro. É claro que as questões que colocamos acima não tocaram a todos que participaram das vivências, pois cada um tem seu momento de insight, se assim poderíamos dizer. Mas o que foi vivido ficou gravado nas pessoas e em algum momento poderá emergir, ou não.

 

REVISÃO LITERÁRIA:

Wilfred Bion (1959 ), fez uma contribuição desbravadora à teoria do funcionamento unitário. Propôs a concepção de pequenos grupos não estruturados que ficam sob a influência de pressupostos básicos. (dependência, luta-fuga, acasalamento).

Essa forma de emocionalidade de grupo partilhada serve de defesa contra tendências regressivas, primitivas, pertinentes a experiências de fusão e perda de identidade.

O grupo desloca-se por alguma maneira espontânea de um pressuposto básico para outro, e a sua influência sobre cada componente desse grupo depende da valência ou predisposição do membro a ser afetado pela corrente emocional prevalecente.

Bion, acreditava ainda que o mecanismo que explica o desenvolvimento dos pressupostos básicos é a acumulação de identificações projetivas por cada membro do grupo sobre todos os outros membros grupais; Essas influências afetivas dão origem a um pressuposto básico comumente partilhado. (HORWITZ, LEONARD, Ph.D.1993.)

A fase de dependência, a qual Bion coloca como sendo uma fase em que os membros do grupo conduzem-se como se quisessem ser protegidos pelo líder, alimentados por ele intelectual e afetivamente. (AMADO, GILIES E GUITTET, ANDRÉ, 1982).

Vivenciamos isso logo no primeiro encontro, ao começar a vivência todos se entreolhavam ansiosamente esperando o que as orientadoras Lídia Mancia e Fabiane Minozzo, sua auxiliar, dessem início aos trabalhos.

Em todos os encontros a fase de dependência apareceu ao esperarem pelas orientadoras darem os procedimentos de como o grupo deveria trabalhar.
Inclusive no terceiro e último encontro a orientadora Lídia ao se ausentar por alguns poucos instantes foi esperada de forma que todos formaram um círculo e a ficaram em silêncio aguardando sua chegada a sala.

A fase do acasalamento, a qual define-se essencialmente pelo sentimento de esperança. Se concretiza nos vínculos de simpatia que vão se formando. Para o grupo essa aproximação é como uma promessa de que os problemas atuais do grupo encontrarão uma solução. (AMADO, GILIES E GUITTET, ANDRÉ, 1982).


Essa esperança é como o messias que nunca vem, uma esperança que não será realizada. (AMADO, GILIES E GUITTET, ANDRÉ, 1982).


Nessa fase, como exemplos de acasalamento tivemos várias vezes relatos de relações de corredores e sala de aula em que as pessoas passam umas pelas outras e nem se cumprimentam, sendo que muitas vezes nos vemos todos os dias e é na universidade em tempo de formação é que convivemos sem vínculo algum com esses colegas. A esperança aí relatada é de que com tais vivências poderíamos melhorar as convivências e relacionamentos de grande parte dessas pessoas.


A fase do ataque-fuga (luta e fuga) é a que o grupo comporta-se como se estivesse reunido para lutar, atacar ou fugir de alguém, de alguma coisa. Deixando de lado a tarefa, os membros do grupo agridem o líder, um membro do grupo, visam o grupo em seu conjunto ou fogem falando de outra coisa. (AMADO, GILIES E GUITTET, ANDRÉ, 1982).


Episódios de ataque (luta) ao líder não tivemos acreditamos que a causa é pelas vivências terem sido opcionais, no entanto os episódios de fuga foram bastante presentes pois na segunda vivência o número de participantes diminuiu consideravelmente e na terceira mais ainda.


No primeiro encontro foram colocadas questões para que refletíssemos o aqui -agora, o que estávamos vivendo no momento. Quando a Lídia nos questionou sobre o que estávamos sentindo e como estávamos nos sentindo com aquela manhã de encontro, algumas pessoas começaram a fazer questionamentos de como seria na próxima vivência, com as pessoas que não vieram nesse encontro e teriam então na próxima sua primeira vez e nós estaríamos na segunda vivência. Entendemos isso como um processo de luta e fuga do grupo, fugindo de temas propostos e colocando outras questões.

Nosso grupo desde a primeira vivência foi reduzindo até chegar a última com um número menor de pessoas. No primeiro encontro tinha bastante gente, no segundo tinha uma mistura de pessoas do primeiro e pessoas que participavam pela primeira vez e no terceiro encontro tinha pessoas do primeiro e segundo encontro e pessoas que estavam indo pela primeira vez.

Um dos motivos para a não permanência e assiduidade aos encontros poderia ser, também conforme Bion, o processo de luta-fuga. Ao invés dessas pessoas permanecerem no grupo para a "luta" que por sua vez poderia representar uma agressão, a fuga do grupo vivencial fora a solução.


Bion também nos fala da "valência", termo que indica a maior ou menor capacidade de cada indivíduo dentro do grupo para participar das suposições básicas grupais. Todos nós temos um certo grau de valência que apenas varia para mais ou para menos em cada um, a cada momento, a cada circunstância. (SILVA, LUIZ ALBERTO PY M.).

Há a possibilidade de que essas pessoas que não foram mais nas vivências, tenham tido uma valência menor frente a momentos que posteriormente causaram a fuga.

 

 

BIBLIOGRAFIA:

AMADO, Gilies; GUITTET, André. A dinâmica da comunicação nos grupos.Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982. 238p.

SILVA, Luiz Alberto Py M., Grupoterapia hoje.Contribuições de Bion a psicoterapia de grupo. cap 5.

ZIMERMAN, David E. Fundamentos Básicos das Grupoterapias. Porto Alegre: Artmed editora, 2000. 244 p.

KAPLAN, Harold I. Compêndio de Psicoterapia de Grupo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

BION, W. R. Transformações Mudança do Aprendizado ao Crescimento: Rio de Janeiro: Imago editora, 1984. 211 p.

MANCIA, Lídia. Variáveis que Interferem na Produção de um Grupo: Revista da Sociedade Brasileira de Dinâmica de Grupo. História Formação Tendências - 1998.

 

 

Notas

1 - Texto produzido para a graduação em Psicologia, disciplina de Processos Grupais II da professora mestre Lidia Tassini Silva Mancia. São Leopoldo, Junho de 2003. Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Centro de Ciências da Saúde - Centro 2. Publicado no site Instituinte em 01 de julho de 2003.

2 - Graduandas em Psicologia pela UNISINOS. E-mail: [email protected]


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