Tempos Modernos1
Alex Sandro Tavares da Silva2

 

"Já é tempo de o homem estabelecer a sua meta. Já é tempo de o homem plantar a semente da sua mais alta esperança. Seu solo ainda é bastante rico para isso. Mas, algum dia, esse solo estará pobre e esgotado, e nenhuma árvore poderá mais crescer nele. (...) somente quem sabe para onde vai sabe, também, que vento é bom e favorável à sua navegação." (NIETZSCHE, 1989. p. 33 e p. 276)


Informações sobre o filme:
Filme: Tempos Modernos
Escrito, Dirigido e Interpretado por: Charlie Chaplin
Título Original: Modern Times (1936)
Produzido em Preto e Branco
Duração: 87 minutos

Sinopse: "Sátira mordaz à vida industrial, Tempos Modernos é o primeiro filme em que Chaplin fez uso de efeitos sonoros - e a última aparição de seu adorável vagabundo Carlitos. Aqui Chaplin interpreta o empregado de uma fábrica supermoderna, que entra em crise, perde o emprego e é obrigado a enfrentar a depressão americana." (Continental Home Video)

Nesta produção da década de trinta, Charlie Chaplin consegue elaborar um grande crítica sobre os ideais propostos pelos pensadores da dinâmica industrial. Já no primeiro momento do filme, quando esta apenas iniciando o aparecimento dos caracteres dos profissionais que trabalharam na produção, Chaplin deixa de fundo um relógio, e, com certeza (na minha opinião), não é a toa que este objeto está ali. Relógio é um dos objetos que irá modular a subjetividade até os dias de hoje, "tempo é dinheiro". Todo o processo de subjetivação também se dá em função desse medidor dos movimentos realizados. A partir desse quantificar o grande empresário poderá ter uma idéia se o empregado está ou não cumprindo a sua função, produzindo o máximo possível em menos tempo. Aqui, já de início, Charlie nos mostra que a subjetivação relógio (mecânica) está sendo jogada sobre os humanos com seus "relógios" biológicos já em movimento de crise. Crise no sentido de despotencialização da saúde.

"E se tratando de carga psíquica, o perigo principal é o de um subemprego de aptidões psíquicas, fantasmáticas ou psicomotoras, que ocasiona uma retenção de energia pulsional, o que constitui precisamente a carga psíquica de trabalho. (...) O trabalho torna-se perigoso para o aparelho psíquico quando ele se opõe à sua livre atividade. O bem-estar, em matéria de carga psíquica, não advém só da ausência de funcionamento, mas, pelo contrário, de um livre funcionamento, articulado dialeticamente com o conteúdo da tarefa, expresso, por sua vez, na própria tarefa e revigorado por ela. Em termos econômico, o prazer do trabalhador resulta da descarga de energia psíquica que a tarefa autoriza, o que corresponde a uma diminuição da carga psíquica do trabalho." (DEJOURS, 1994, p. 24)

Após a cena do relógio, o autor faz uma comparação entre as cabras, ovelhas que andam juntas, num movimento extremamente previsível, sem espaço para dinâmicas singulares com o chegar dos profissionais ao seu trabalho rotineiro. A partir dessa chegada, Charlie faz uma crítica bastante importante sobre a formatação do ser humano segundo o funcionamento da máquina "que ele opera" (em verdade é o ser humano que é operado pela máquina).

"O trabalhador é, de certa maneira, despossuído de seu corpo físico e nervoso, domesticado e forçado a agir conforme a vontade de outro. Reconheceremos aqui sem dificuldade a inspiração de Taylor, cuja meta era mesmo desapropriar os artesãos de sua competência, a fim de centralizá-la ao nível da direção (Linhart, 1976). Então, tornava-se possível uma divisão do trabalho e uma redefinição dos modos operatórios, conforme os desejos da direção, em detrimento da livre organização do trabalho, que era até então o privilégio do operário-artesão (Coriat, 1977)." (DEJOURS, 1994, p. 27)

O ritmo da máquina, da produção, é coordenado pelo chefe que através das tecnologias (no caso: video-fone) dá as ordens para um encarregado aumentar a velocidade de produção. Nesta lógica não interessa a singularidade humana na produção do objeto desejado pelo chefe. Os funcionários são obrigados, literalmente, a produzirem no ritmo ditado. O personagem Carlitos tenta encontrar momentos, dentro dessa lógica da produção industrial, para coçar-se, mas nem isso ele consegue fazer. Aliás, não tem tempo nem para tirar uma mosca do seu rosto que atrapalhava a sua atividade. Entendi essa mosca como uma metáfora, qual seja: o operário não pode ter tempo de pensar-agir sobre suas questões no trabalho industrial, o objetivo é fazer com que cada funcionário execute suas tarefas sem tempo de refletir sobre as condições que está habitando naquele lugar. Quanto menos pensar melhor.
Toda a produção é controlada. Existe um profissional pago para manter o nível da produção numa marca certa. Esse controle é jogado em cima do funcionário até na "hora do intervalo".


Numa cena marcante, Carlitos ao sair para o intervalo entra no banheiro para fumar, até essa atividade é observada pelo chefe. Através do video-fone o ditador manda o personagem de Charlie Chaplin parar de vagabundear; faz com que ele volte ao trabalho. Aqui aparece a perda total da privacidade (singularidade) humana na produção industrial. Todos os movimentos são controlados, não só o ritmo da produção, mas também a dinâmica subjetiva é modulada.

"Quanto mais se sobre na hierarquia das empresas, mais há lugar para o Desejo e para o Sujeito. (...) Para esquematizar, pode-se-ia dizer que na base da hierarquia da empresa não há (ou há pouco) lugar para o Sujeito e que no alto, há muito. Ou ainda, que a Subjetivação do Trabalho vai crescendo à medida que se sobe a hierarquia." (DEJOURS, 1994, pp. 40-41)

Enquanto os funcionários estão numa frenética jornada de produção, Chaplin coloca em evidência o cotidiano de grande chefe, o qual é mostrado como uma pessoa que vive num marasmo cotidiano, montando quebra-cabeça, lendo revistas, observando os funcionários, ditando leis. O ritmo do chefe é completamente diferente do ritmo dos funcionários dentro desse modelo industrial que está sendo criticado.

"... o que um modo operário padronizado e generalizado por Taylor ou por seus sucessores ocasionaria a cada Sujeito na economia de seu Desejo (...) A resposta é, sob certos aspectos, trágica. É o sofrimento, alienação e, no final, o risco de uma descompensação psiquiátrica (quer se trate de neurose, de depressão ou de psicose), ou a entrada num processo de somatização (aguda e reversível no melhor dos casos, crônico e irreversível, de outra forma). É que o Corpo somático (e não o aparelho psíquico sozinho) parece incapaz de funcionar duravelmente e de resistir por muito tempo à repressão do Desejo." (DEJOURS, 1994, p. 41-42)

Nessa produção industrial de subjetivação, Carlitos é capturado no funcionamento da máquina; literalmente ele entra na lógica da produção em massa. Numa memorável cena, Charlie Chaplin, mostra que o funcionário moderno está sendo engolido pela produção industrial. Produção essa que enxerga tudo como peça de máquina. Se o funcionário não se encaixa nas engrenagens do sistema produtivo, ele será colocado para fora do sistema. Será mais um doente e desempregado.

"Quando o rearranjo da organização do trabalho não é mais possível, quando a relação do trabalhador com a organização do trabalho é bloqueada, o sofrimento começa: a energia pulsional que não acha descarga no exercício do trabalho se acumula no aparelho psíquico, ocasionando um sentimento de desprazer e tensão. Mas a clínica mostra que essa energia não pode aqui permanecer muito tempo e, quando as capacidades de contenção são transbordadas, a energia recua para o corpo." (DEJOURS, 1994, p. 29)

A produção subjetiva dentro do trabalho é tamanha que o personagem de Chaplin começa a lidar com a vida como se está fosse apenas parafusos a apertar. Carlitos entra num processo de crise onde busca a forma de parafusos em tudo que vê.

"Tomado por sua hostilidade, o sujeito pode eventualmente produzir fantasmas agressivos: representações mentais que podem, às vezes, ser suficientes para descarregar o essencial da tensão interior, pois a produção mesma de fantasmas é consumidora de energia pulsional (Freud, 1968). Outro sujeito não conseguirá se relaxar por esse meio e deverá utilizar sua musculatura: fuga, crise de raiva motora, atuação agressiva, violência, oferecendo toda uma gama de 'descargas psicomotoras' (ou comportamentais). Enfim, quando a via mental e a vida motora estão fora de ação, a energia pulsional não pode ser descarregada senão pela via do sistema nervoso autônomo e pelo desordenamento das funções somáticas. É a via 'visceral', a que estará atuando no processo de somatização." (DEJOURS, 1994, p. 23)

Em "Tempos Modernos" o processo de subjetivação industrial leva o nome de "crise dos nervos". Tendo ocorrido esta crise, o personagem perde o emprego e é jogado dentro de um hospital psiquiátrico. Após alguns meses sendo "tratado" no dito hospital, o responsável pelo serviço da "saúde" diz a Carlitos mais ou menos isso: "Evite o estresse, mantenha-se calmo". Após essa cena, Charlie Chaplin mostra que a vida do mundo já é estressante, nada calma. Numa seqüência rápida (estressante), o autor do filme coloca várias imagens do cotidiano onde fica claro que vivemos na lógica estressante do "Tempos Modernos".

"Para transformar um trabalho fatigante em um trabalho equilibrante precisa-se flexibilizar a organização do trabalho, de modo a deixar maior liberdade ao trabalhador para rearranjar seu modo operatório e para encontrar os gestos que são capazes de lhe fornecer prazer, isto é, uma expansão ou uma diminuição de sua carga psíquica de trabalho. Na falta de poder assim liberalizar a organização do trabalho, precisa-se resolver encarar uma reorientação profissional que leve em conta as aptidões do trabalhador, as necessidades de sua economia psicossomática, não de certas aptidões, mas de todas, se possível, pois o pleno emprego das aptidões psicomotoras, psicossensoriais e psíquicas parece ser uma condição de prazer do trabalho." (DEJOURS, 1994, p. 32)


Bibliografia
DEJOURS, Christophe; et al. Psicodinâmica do Trabalho. São Paulo: Atlas, 1994. 145p.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra: Um livro para todos e para ninguém. 6º ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. 328p.


Notas

1 - Texto produzido na cadeira de Organizações e Relações de Trabalho I, abril de 2001 (UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS)
2 - Graduando em psicologia pela UNISINOS. e-mail: [email protected]


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