Eterna Busca das "Respostas Corretas"1
Alex Sandro Tavares da Silva2

 

O Renascimento é o marco para a concepção existencial que sublima, exalta os anseios, desejos, dúvidas da pessoa humana. É a partir dessa baliza que se estabelece a relação problematizante entre subjetividade e religião. Essa procura pela subjetividade do homem moderno se depara com uma religião que mostra um território fácil, acessível, feito "sob medida". É, self service, pegar e levar! A busca pela nova identidade humana além de bater, deparar com os mandamentos "sagrados", também vai de encontro ao correr dos mandamentos temporais. Não há espaço, momento para uma reflexão apurada. O tempo torna-se escasso numa sociedade capitalista onde a pessoa é considerada meio de aquisição, objeto que, se funcionar rápido e corretamente - der lucro, será aproveitado, sugado até o seu limite máximo de produção.


Em nosso cotidiano é evidente a aceleração desse tempo - não do tempo que é quantificado nos relógios, esse continua marcando, eternamente e sistematicamente, as horas, minutos, segundos, ... como antes; é o nosso tempo que está sendo a todo momento acelerado. O instante do fazer, degustar, assimilar diminuiu! Devemos, a todo e qualquer custo, fazer várias tarefas em nosso dia para que não nos rotulem de preguiçosos, retardados, esquizóides, ... Temos de estudar, trabalhar, fazer exercícios, namorar, ter determinados objetos, sentimentos, qualidades, e acima de tudo, não ter defeitos. Além da aceleração do tempo, também nos deparamos com o correr dos códigos mutantes, das exigências de modos de viver, e as várias e diferentes manifestações do estar vivo; estamos no páreo existencial. A partida já foi dada e a linha de chegada deve ser cruzada o mais rápido possível, senão ficamos para trás, defasados, encarados como peças não úteis, atrasadas, superadas da máquina existencial.

Será que com essa ânsia de chegar a certo lugar poderemos aproveitar, apreciar o caminho que estamos percorrendo?

"A felicidade não está em viver, mas em saber viver. Não vive mais o que mais vive, mas o que melhor vive, porque a vida não mede o tempo, mas o emprego que dela fazemos." 3

Parece que a qualidade foi colocada de lado para que a quantidade fosse elevada no pedestal maior. Quanto mais o indivíduo ficar grudado, suportar seu "seguro chão" evitando os elementos que possa abalá-lo melhor?

"A vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós; proporciona-nos muito sofrimento, decepções e tarefas impossíveis. A fim de suportá-las, não podemos dispensar as medidas paliativas." 4

A frenética busca de objetos, pessoas e respostas sobre a vida, faz com que o indivíduo se agarre, prenda, seja seduzido pelos "perfeitos territórios" que são mostrados, divulgados vinte e quatro horas nos meios de comunicação.

Esses lugares tão "desejados" são, na maioria das vezes, introjetados em nosso modo de pensar de várias maneiras. A mídia, mostrando um importante conhecimento sobre o raciocínio do homem dito moderno, empurra ideais, vários territórios prontos e bem distantes da pessoa que irá desejá-los. Esses pisos uniformizados, padronizados, tão divulgados, devem estar de certo modo afastados para que a pessoa busque de vários mecanismos para conseguir esses territórios, dando literalmente a sua vida para alcançar tal "meta existencial", lugares que muitas vezes não são apreendidos por nenhuma pessoa. Nessa proposta, como nos diz Guattari, entende-se uma "produção capitalística da subjetividade" num mundo que não massifica só os produtos, mas os sujeitos que os consomem.

"Respeitas os que te desprezam e desprezas-te a ti próprio, por isso te não é possível crer por teus próprios meios." 5

O medo de errar, sofrer vem fazendo com que as pessoas busquem respostas que, comprovadamente, já deram certo. O dilema existencial parece que ficou reduzido a uma negação: Não padecer mais! Quero "o certo" a partir de hoje! Será isso possível, ou uma bitolação fantasiosa? Será que não é mais permitido ao ser humano o erro?


Para manter-se bem, na lógica homogeneizante da subjetividade capitalística, é preciso evitar a todo instante o diferente, sob pena de encarar a destruição da própria vida. Essa demanda, pedido de respostas e vontade de percorrer rotas seguras é atendido pela religião que oferece há muitos anos conselhos, leis que servem de auxílio para que o sujeito mantenha uma direção - única - em sua vida, a fim de evitar percalços, problemas, crises, doenças que possam prejudicar o seu viver. A pessoa que não seguir os passos mostrados deverá confessar seus deslizes para um padre; o pecador fala de todos os atos ditos impuros, pecaminosos, ... e depois vai colocar em prática o seu "castigo divino" - rezar, rezar, rezar, rezar, rezar, ...!

"Faça-nos uma visita se quiser vencer na vida, não importa se o seu problema é material ou espiritual... Se o problema é familiar ou sentimental, dor de cabeça constante, dor na coluna, insônia, nervosismo, desemprego, depressão, vícios, etc. Existe uma solução. Corrente Abre Caminho da Igreja Universal do Reino de Deus." 6

O amparo, apelo publicitário desses dizeres faz com que alguns indivíduos que estão em crise sejam literalmente fisgados pelo apoio divulgado. O ninho aconchegante, onde o perigo não chega está a sua total disposição. Sobre esse tema surge tal citação:

"As chamadas e o anúncio seguem a lógica do marketing comercial, a lógica de sugestão para atrair o cliente, identificando suas necessidades, apresentando uma solução e incentivando a compra." 7

Mas há outros meios que garantem a privacidade do sofredor e que mostram como ultrapassar o mal-estar do dia, basta ter telefone e algum capital na mão.

"Tudo que é do domínio da ruptura, da surpresa e da angústia, mas também do desejo, da vontade de amar e de criar deve se encaixar de algum jeito nos registros de referência dominantes. Há sempre um arranjo que tenta prever tudo o que possa ser da natureza de uma dissidência do pensamento e do desejo. Há uma tentativa de eliminação daquilo que eu chamo de processos de singularização. Tudo o que surpreende, ainda que levemente, deve ser classificável em alguma zona de enquadramento, de referenciação." 8

O trabalho que vem sendo divulgado a todo instante na mídia, é um serviço que dá respostas para qualquer crise, dúvida que a pessoa enfrenta em seu cotidiano, sem a necessidade da presença física do indivíduo com problemas, do discurso pessoal dos "pecados" vividos e sem penitências, castigos.
Com uma técnica artística que mistura teatro, música, magia, sexualidade, e outros tantos modos de seduzir, as linhas esotéricas conquistaram parte da população mundial que sofre a procura de respostas imediatas, claras e que, de preferência, não necessitem grande força intelectual para que sejam entendidas.

"São meros indivíduos que gozam de uma precária e muito discutível independência de vínculo e obrigações e que ficam reduzidos à condição de objetos de uso alheio e submetidos a uma lei impessoal que os transcende e que deles não emanou, submetidos a uma das muitas possibilidades de figuração do sujeito." 9

O indivíduo que procura estas falas claras, explicativas, ditadas como certas, está em busca de territórios fixos. É uma pessoa que está com dificuldades para perceber que ela mesma possui algumas "armas" para lidar com os questionamentos existenciais que está enfrentando.

São tantos sinais de interrogação, muitas questões. Vou ligar para o tele-ajuda agora mesmo!

É neste momento que explode o desespero pelas "respostas certas" que surgem os serviços de tele-ajuda esotéricos. O resultado desse pedido de ajuda é muito bem escutado e cobrado. Basta citar o maior empresário do ramo místico mundial: Walter Mercado. Com toda essa ansiedade planetária, ele fatura cerca de duzentos milhões de dólares por ano.

"Ninguém está feliz com lo que tiene. Preciso ajudar a humanidad a se resolver." 10

Por onde o místico Walter passa, distribui conselhos e previsões que misturam astrologia, culto à Virgem Maria e outras santas católicas com os ensinamentos budistas. A artificial beleza secular, as verdadeiras jóias e tecidos coloridos caríssimos fazem de Walter um personagem que cativa muitas pessoas em várias partes do mundo.

"No Brasil, onde existe há quatro anos, a marca WM fatura anualmente cerca de trinta milhões de dólares, cifra que coloca o cpaís como o segundo mercado de Walter, atrás apenas dos Estados Unidos... Sua performance brasileira é tão animadora que nem mesmo a crise nas bolsas de valores demoveu o guru." 11

E a vida do indivíduo continua juntamente com todos os elementos que são inerentes a ela, logo se depara com as dúvidas e o temido desespero, em seguida a pessoa humana se encontra em desequilíbrio novamente, é neste momento - quando não encontra, com as suas próprias ferramentas, caminhos para ultrapassar a crise - que ela escuta na mídia:

"Com a ajuda da Virgem Santíssima e de Walter Mercado, vocês vão triunfar." 12

Com esta colocação o empresário místico, se estivesse em séculos passados, teria uma porcentagem muito grande de perder a vida. Teria que juntar-se aos tão proclamados espíritos com os quais "mantém contado".

"O édito de 1682 é bem temível: "Toda pessoa que se ocupe com adivinhações deverá abandonar o Reino imediatamente"; toda prática supersticiosa deverá ser punida exemplarmente e "conforme a exigência do caso"; e se se encontrar no futuro pessoas suficientemente más a ponto de misturar à superstição a impiedade e o sacrilégio... desejamos que as que forem culpadas sejam punidas com a morte." 13

Em nossa época é rotineiro esse discurso espiritual-místico-religioso como o de Walter Mercado; mais uma vez a pessoa sofredora encontra aquela "resposta amiga" que procurava. Não chegou nem ao menos pensar os caminhos que poderia seguir para assimilar aquela situação desterritorializante que estava passando.

"Para que gastar neurônios se posso gastar "alguns trocados" e receber dicas divinas de um homem que sabe o "modo certo de viver."

É neste tipo de raciocínio que se evidencia o resultado tão esperado por parte da mídia; as pessoas seduzidas criam uma dependência muito importante do serviço cobrado, os indivíduos carentes de respostas usam - e são usados muito mais - durante muito tempo, podendo chegar até o final de suas vidas mantendo tais serviços. São os chamados "sujeitos supérfluos" como rotulam alguns autores.

"Sujeitos supérfluos são aqueles homens desprovidos de qualquer direito de cidadão, sem voz no espaço público e que são privados, às vezes, do mais trivial direito de pertencer a uma comunidade, da qual obtenham segurança e proteção, da qual se sintam parte integrante uma vez que, em certos casos, sequer dispõem de um teto, símbolo de um lugar seu no mundo." 14

Alguns pesquisadores atribuem tamanha heteronomia fazendo uma relação com a falta de atributos financeiros; acho que devemos ir além desta lógica, pois é notado o apego a estes serviços também por parte da comunidade rica da população. Não é uma casa gigantesca, o carro do ano - de preferência importado - que indicará o tamanho da autonomia daquela pessoa. Esse apego ao conselho "divino" vai além do material, basta dizer que muitas pessoas milionárias se deixam fotografar e participam de comerciais dando o seu relato sobre as ligações que já fizeram para o serviço de tele-ajuda místico. Enquanto isso, muitas pessoas pobres, mesmo sem ter o que comer, pagam para adquirir tais conselhos; são facilmente seduzidas com esse tipo de declaração na mídia onde escutam a opinião dos artistas (da novela, do filme, dos programas, das revistas, dos shows, ...) que tanto amam e que se declaram fiéis ao trabalho telefônico místico.

Os "sujeitos supérfluos" chegam a tal ponto de angústia que deixam de lado todas as suas experiências - em certos casos, algumas pessoas parecem nunca ter enfrentado nenhuma situação difícil em suas vidas, parece que nasceram naquele momento em que estão clamando ajuda - manifestando um modo de agir que poderia ser comparado com a relação que se estabelece quando um filho pede socorro aos seus pais. Com respeito ao apego que muitas pessoas manifestam perante a religião menciono essa importante visão:

"Tudo é tão patentemente infantil, tão estranho à realidade, que, para qualquer pessoa que manifeste uma atitude amistosa em relação à humanidade, é penoso pensar que a grande maioria dos mortais nunca será capaz de superar essa visão da vida. Mais humilhante ainda é descobrir como é vasto o número de pessoas de hoje que não podem deixar de perceber que essa religião é insustentável e, não obstante isso, tentam defendê-la, item por item, numa série de lamentáveis atos retrógrados." 15

Grande parte da população não nota que está atrofiando a sua capacidade de manter o olhar crítico sobre a sua própria vida. Imagine sobre o mundo que a cerca! As pessoas estão a todo momento buscando uma bússola que indique o "norte correto", para que consigam enxergar a rota que "devem" seguir sem medo de errar. Vivemos com o dilema existencial - qualquer escolha é difícil!

O que muitas pessoas não percebem é que o norte está em todas as direções quando se fala em humano. Há muitos caminhos a trilhar, cada um com suas peculiaridades, defeitos e qualidades. O norte está em nossa volta, estamos perdidos no mundo sem caminho a seguir; ou, agora sim, achamos as possibilidades que antes não conseguíamos olhar, encontrar. Podemos andar para todos os lados dependendo das escolhas de cada um.

"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento..." 16

As crises desterritorializantes fazem parte do humano, é preciso que o indivíduo possa assimilar estes momentos diferentes, alguns difíceis, aprender com eles a fim de construir um novo território, sabendo que mais adiante enfrentará novos momentos que cobrarão a construção de um chão original. É um eterno desenrolar de possibilidades que as pessoas humanas ativas enfrentam em seu existir, e isso vem a provar que estamos realmente vivos!

"Andar com fé eu vou que a fé não constuma faiá." 17

É importante ter essa fé que o músico baiano Gil fala, canta; mas não somente essa fé que encontramos nas religiões, essa crença no divino, no que não é humano. É preciso que se tenha fé em si, nas escolhas que venham a ser manifestadas, fé na autonomia, no humano e acima de tudo no amor pela vida, com todas as suas características que a tornam dinâmica, nunca estagnada. Viver é estar em constante processo, processo de superação das barreiras que nos são apresentadas.

"O amor é o estado em que o homem vê mais as cousas como não são... com o amor colocamo-nos acima das piores cousas da vida." 18

Assim a vida vai sendo vivida, na destruição e construção do terreno que vamos pisando. Cabe ao indivíduo as mínimas capacidades para olhar as bifurcações que estão a sua frente, analisar, ponderar sobre os buracos, subidas e decidas da estrada e assumir com amor, vontade, convicção aquele caminho que apresentou perspectivas melhores, mais interessantes para o seu viver.

 

 

Bibliografia

COSTA, Jurandir Freire. "Psiquiatria Burocrática: duas ou três coisas que sei dela" in ARAGÃO, Luis Tarlei (et al.) Clínica do Social. São Paulo: Escuta, 1991)

FERREIRA, Lígia Hecker. Trabalho apresentado para o seminário: Modos de Subjetivação no Brasil. abril de 1995.

FIGUEIREDO, Luis Cláudio. Pessoas, sujeitos, meros indivíduos: desencontros e passagens no Brasil contemporâneo. São Paulo, 1994.

FOUCAULT, Michel. História da Loucura - Na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1997. 551p.

FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. Rio de Janeiro : Imago, 1997. 116p.

GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: Cartografias do Desejo. 4º ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1996. 203p.

NIETZSCHE, Frederico. O Anti-Cristo: Estudo crítico sobre a crença cristã. Lisboa: Ed. Guimarães, 1916. 162p.

PIMENTA, Angela. O magnata do zodíaco. Revista Veja, 07 de out. 1998.

QUINTINO, Milton. "A igreja eletrônica" in tempo e presença. CEDI, nº194, out-nov. 1984.

REICH, Wilhelm. Escuta, Zé Ninguém. Lisboa : Dom Quixote, março de 1981. 111p.

 

 

 

Notas

1 - Texto publicado no Jornal Universo Psi nº 11, ano 2 - fevereiro de 1999.

2 - Acompanhante terapêutico, graduando em psicologia pela UNISINOS. e-mail: [email protected]

3 - Anônimo.

4 - Sigmund Freud. O Mal-Estar na Civilização. Rio de Janeiro : Imago, 1997. p. 22.

5 - Wilhelm Reich. Escuta, Zé Ninguém. Lisboa : Dom Quixote, março de 1981. 111p.

6 - Palavras usadas pela Igreja Universal do Reino de Deus.

7 - Milton Quintino. "A igreja eletrônica" in tempo e presença. CEDI, nº194, out-nov. 1984, pp. 4-7.

8 - Félix Guattari e Suely Rolnik. Micropolítica: Cartografias do Desejo. 4º ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1996. p. 43.

9 - Luis Cláudio Figueiredo. Pessoas, sujeitos, meros indivíduos: desencontros e passagens no Brasil contemporâneo. São Paulo, 1994.

10 - Walter Mercado, empresário.

11 - Angela Pimenta, jornalista.

12 - Walter Mercado, empresário.

13 - Michel Foucault. História da Loucura - Na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1997. p. 96.

14 - Jurandir Freire Costa. "Psiquiatria Burocrática: duas ou três coisas que sei dela" in ARAGÃO, Luis Tarlei (et al.) Clínica do Social. São Paulo: Escuta, 1991.

15 - Sigmund Freud. O Mal-Estar na Civilização. Rio de Janeiro : Imago, 1997. p. 21.

16 - Clarice Lispector, escritora.

17 - Gilberto Gil, músico baiano.

18 - Frederico Nietzsche. O Anti-Cristo: Estudo crítico sobre a crença cristã. Lisboa: Ed. Guimarães, 1916. P. 51.


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