Observação do processo grupal do grupo familiar no filme "Gente como a Gente."1
Alessandra Cristina Cordella, Aline Bridi de Ávila, Fábio Ferraz, Greice Toscani Chini e Vivian Henkel2

 

 

"Família é uma unidade grupal onde se desenvolvem três tipos de relações pessoais - aliança(casal), filiação(pais/filhos) e consangüinidade(irmãos) - e que a partir dos objetivos genéricos de preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência e fornecer-lhe condições para aquisição de suas identidades pessoais desenvolveu, através dos tempos, funções diversificadas de transmissão de transmissão de valores éticos, estéticos, religiosos e culturais."
Zimerman (1997)


Introdução

Este trabalho foi feito com a finalidade de analisar o processo grupal de uma família. Será apresentada a análise do movimento grupal da família protagonista do filme "Gente como a Gente". Para isso, observou-se a conduta de cada membro que a constitui: mãe, pai e filho.

O trabalho apresenta uma conexão entre o que foi observado e a teoria de grupo de Áurea Castilho, e Bion. Para analisarmos todo o processo grupal desta família, é importante citar que foi levado em conta o fato desencadeador da desestruturação da família, ou seja, a morte do filho mais velho.

 

Discussão

Calvin e Beth formam o casal, aparentemente feliz, bonito, bem vestido, com uma linda casa num bairro elegante de Chicago. Calvin é um advogado bem sucedido, que se dedicou a subir na vida e a dar o melhor para a família. Beth, sua mulher, é alvo de inveja das amigas, sempre animada, sorridente, "totalmente controlada" fora e dentro de casa.


O filho mais velho, Buck, morre afogado num acidente de barco, do qual se salvou o irmão, Conrad, o caçula. Conrad sente-se culpado pela morte do irmão e num momento de desespero e depressão tenta suicídio. Depois de 4 meses em tratamento num hospital psiquiátrico, Conrad retorna para casa, para sua família. No decorrer da história Conrad deixa transparecer que ainda não superou a morte do irmão e continua assumindo a culpa.


Beth, tem uma grande dificuldade de lidar com a situação, fica claro o quanto a ausência do filho mais velho é insuportável. Calvin demonstra ser o mais equilibrado e acaba ficando no meio da mulher e do filho que não conseguem se comunicar e demonstrar algum tipo de afeto. Este acontecimento surge como um desencadeador de situações as quais o grupo não consegue lidar.


O filme inicia com esta trama já estabelecida. A família está tentando se restabelecer como grupo familiar, buscando a homeostase do grupo. Segundo Áurea Castilho em "A Dinâmica do trabalho de grupo", um grupo procura sempre atingir um equilíbrio entre as ansiedades, desejos e expectativas de seus diferentes membros, de tal sorte que esses fatores, principalmente a ansiedade, se apresentem em um nível tolerável. Esta busca do equilíbrio nada mais é do que a própria preservação e sobrevivência do grupo.


Todos ainda sofrem a perda de Buck, e cada um transmite este sofrimento de formas diferentes. Beth, por exemplo, tem uma dificuldade muito grande de lidar emocionalmente com qualquer coisa. Ela não consegue se deter muito tempo em assuntos que envolvam emoção, e utiliza-se de mecanismos de defesa para lidar com a situação, e assim afastar a ansiedade que causa falar sobre assuntos dolorosos. Muda constantemente de assunto, faz brincadeiras, assume diversos compromissos sociais, etc. Durante o decorrer do filme, ela apresenta atitudes "frias".


A comunicação entre a mãe e o filho Conrad, é mínima e superficial, e por mais que Conrad tentasse se aproximar, Beth sempre encontrava um jeito de escapar da conversa. Fica claro que, para o filho, esta situação era incômoda


Numa das primeiras cenas do filme, esta relação mãe e filho já fica bem clara. O pai chama o filho para o café da manhã e a mãe prepara torradas para os dois e os serve. Conrad não as come e então o pai pergunta se ele não está com fome e Conrad responde que não sente fome. Conrad mal termina de falar e a mãe, pega suas torradas e as põe no lixo e inicia um assunto aparentemente sem ligação lógica o que o grupo acompanha, demonstrando outra dinâmica do grupo, que seria a teorização, que ocorre durante todo o filme, principalmente iniciado pela mãe, que era a integrante do grupo com maior dificuldade de lidar com o emocional.


Segundo Áurea Castilho, "a teorização caracteriza-se por aqueles momentos no grupo, em que os indivíduos passam a discutir assuntos aparentemente sem ligação lógica com a realidade do grupo. Discute-se todo e qualquer assunto para se evitar um envolvimento emocional."


O pai mostrava-se preocupado e solidário como o filho. Quando o diálogo era entre os dois, o movimento não era de teorização. Era notável que os dois não temiam um aprofundamento emocional, ou seja, eles procuravam encarar a situação de frente.

Os objetivos dos membros do grupo já não eram os mesmos. Conrad e também o pai buscavam elaborar melhor a morte de Buck e ao mesmo tempo procuravam reestruturar a família e voltar ao convívio com envolvimento emocional mais profundo, e por mais que isso ainda fosse difícil para Conrad ele se preocupava em buscar ajuda indo a um psiquiatra. Beth, já "buscava" a volta da rotina da família sem maiores elaborações das coisas que aconteceram, ela agia e procurava levar a vida como se nada tivesse acontecido, não havia envolvimento emocional mais profundo.

 

Retornando ao conceito de homeostase, Áurea Castilho nos traz que como cada membro procura moldar sempre o grupo em direção às suas próprias necessidades, emerge aí a verdadeira dinâmica do grupo, pois no grupo a par das necessidades comuns, cada indivíduo, a seu modo, procurará atender as suas necessidades pessoais. O grupo assim, assume uma atitude de catalisador dessas necessidades. Às vezes interessa ao indivíduo manter o grupo em determinado tema, e assim evitar a mudança do clima do grupo; mas, ao indivíduo B, a mudança de tema e de clima atenderá às suas necessidades. Quando o nível de ansiedade de um dos participantes não é tão forte, a mudança do tema será facilmente aceita e logo ele se integra ao novo momento. Quando ambos estão com um forte nível de ansiedade, ocorre a emergência do conflito. As necessidades de cada membro deste grupo estavam convergindo e o clima era conflituoso. O nível de ansiedade de Conrad e seu pai não eram tão fortes a ponto de não deixarem Beth mudar de assunto ou mudar o clima do grupo, na maior parte do filme era sempre aceito um novo momento, imposto por Beth. Isso acaba mudando quando o nível de ansiedade dos dois já não é mais tão fraco e eles começam a ter reações às teorizações e às fugas de Beth.


Segundo Bion, em qualquer grupo coexistem dois níveis de atividades ou forças que operam nele, a saber: a do grupo de trabalho e a do grupo de (pré) suposições básicas.


No grupo em questão, observamos que inicialmente ele comporta-se, segundo as características do pressuposto básico de luta e fuga, como se estivesse ali para manter-se livre da troca, da ansiedade e de qualquer dificuldade psicológica. Percebe que sua sobrevivência depende da luta, seja por agressão direta ou criação de bodes expiatórios, ou da fuga, que pode ser para o futuro, o passado ou ainda para eventos fora da situação ou utilizando intelectualizações, demonstrando passividade ou repetindo histórias conhecidas.


A família também utilizou-se da criação de um bode expiatório, que caracteriza-se pela concentração e liberação da agressividade ou culpa em um indivíduo ou em um determinado grupo. Áurea Castilho diz que, questiona-se que necessidades surgem dentro dos grupos para que se crie um "bode expiatório", em que se possam projetar todos os sentimentos culposos e de rejeição. O grupo ataca o "bode expiatório" por medo de atacar a causa real. Joga, portanto, em um indivíduo, ou em um grupo, a culpa, a raiva, e a agressão que objetivamente deveriam ser dirigidas para outro alvo.


Inicialmente quem assume o papel de "bode expiatório" é o filho mais novo, Conrad. A mãe tem um comportamento hostil com ele, provavelmente porque o culpa pela morte do outro filho.


Bion observou que as suposições básicas não se contrapõem entre si, alternam-se facilmente em decorrência das emoções suscitadas pela situação vivida. Durante o processo deste grupo, os membros desta família foram revendo os objetivos da mesma e confrontando o membro que tinha os objetivos que não iam de encontro com o restante do grupo. Beth era este membro e então passou a ser o "bode expiatório".


O grupo sofreu movimentos e passou a se caracterizar pelo suposto básico de acasalamento, onde o grupo consente que dois ou mais componentes se unam e se distinguam do restante em busca de consolação mútua. No acasalamento o grupo manifesta defesas maníacas, esperanto um comportamento de liderança com características messiânicas e místicas, que, na verdade, sempre estará por vir, mas nunca se realizará.


Segundo Áurea Castilho, a saída de um participante de um grupo, cria um nível de tensão no grupo, pois a perda de um participante é muito ameaçadora. Isto porque a saída de um de seus membros faz emergir, de um lado, o medo de desintegração do grupo, do outro, os sentimentos de perda, aflorados por essa situação. Áurea Castilho diz que o afastamento de um membro desequilibra a homeostase do grupo e faz eclodir os mais variados sentimentos, por uns lamentado, por outros regozijado.


Mas e quando o afastamento de um membro parece se tornar essencial para equilibrar a homeostase de um grupo? No momento final do filme, o grupo passa por um momento de tensão com a perda de um participante. Beth, que não suporta mais a convivência com o grupo familiar, se vê obrigada e resolve deixar o grupo. Num primeiro momento a ida de Beth trouxe sentimentos dolorosos para seu marido, por mais que ele estivesse ciente de que ela estava desestruturando e desequilibrando o grupo. Conrad, seu filho, também ficou surpreso e espantado num primeiro momento, porém logo houve a integração entre os dois membros que agora estavam compondo o grupo. Conrad e seu pai, elaboraram a saída de Beth conversando e exteriorizando seus sentimentos, desejos e ansiedades. Voltaram a encarar tudo o que estava acontecendo e rever os seus objetivos para assim colocar o grupo novamente no seu equilíbrio.

 


Bibliografia

CASTILHO, A. (1994) A Dinâmica do trabalho em grupo. Editora Qualitymark
ZIMERMAN, E.D.(1997) Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Editora Artes Médicas.
MINOZZO, F. (2000). BION: Vida e principais conceitos teóricos.

 

 

Notas

1 - Texto produzido para a graduação em Psicologia, disciplina de Processos Grupais II da professora mestre Lidia Tassini Silva Mancia. São Leopoldo, junho de 2003. Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Centro de Ciências da Saúde - Centro 2. Publicado no site Instituinte em 15 de julho de 2003.

2 - Graduandos em Psicologia pela UNISINOS. Contatos: Aline Bridi de Ávila - [email protected] (fone: 9694-6085); Alessandra Cristina Cordella - [email protected]; Fábio de Almeida Ferraz - [email protected]; Greice Toscani Chini - [email protected]; Vivian Henckler - [email protected].


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