Samer é o Seu Nome

Adriana Damra1

 

Quando o conheci tinha um aninho e meio e estava chorando, agarrado nas pernas de sua mãe.
Essa é a imagem que tenho dele, quando me recordo de 1989, o ano que o conheci.
Ia onde quer que ela fosse, assustado com tantas pessoas desconhecidas numa casa que era três continentes longe da sua.
Eman sorria sem jeito sem saber o que fazer com três filhos (4; 3; 1,5 anos) grudados em sua saia.
Parecia uma galinha com seus pintinhos.

Convivi muitos anos com esta família nos EUA vi as crianças crescendo, outras 3 nascendo, assisti as partidas de futebol organizadas pelo pai coruja e provei os quitutes desta mãe tão prendada.

Por intervenção da matriarca da família que mora a três continentes de distância e não gostava da nora, este pai foi obrigado a deixar a esposa.
Pela tradição árabe, os filhos ficam com o pai e não com a mãe.

Eman que sempre ficava tão feliz a cada gravidez perdeu seus filhos, e eles sua mãe, sempre tão alegre e carinhosa. e mesmo que não fosse...
Apesar de lutar na justiça para ter seus filhos de volta, Eman não teve sucesso, um dia antes do julgamento as crianças foram raptadas e estão com seu pai, a três continentes de distância.

A versão oficial da família ( que por sinal também é minha sogra) diz que são as crianças que não querem mais a mãe.

A versão extra-oficial não fala, é muda.

E Samer?

"Misteriosamente" está com diabetes e a cada mês, passa dias em coma na UTI.


O QUE NOS LEVA AO PROCESSO DE ADOECER?

Pergunta incômoda, quase que atrevida.
Machuca tentar responder o que levou Samer a ficar doente.
O Pai de Samer brinca com ele:
- Você não precisa botar açúcar no chá. você já é doce.
Lendo o texto tive certeza que Foucault concordaria: doce...muito dócil.
Que dóceis são essas criancinhas que não gritam choram, esperneiam para voltarem para sua mãe.
Pelo jeito, a versão extra-oficial fala sim, só que de maneira muito eloqüente, só mesmo um pensador do cacife de Foucault para conversar na mesma língua.
O corpo é objeto e alvo de poder.
Se em termos políticos e econômicos o corpo detém o olhar ambicioso das disciplinas também é o corpo quem expressa, se rebela, mesmo que seja se tornado um torrão de açúcar e se desmanchando de tanta docilidade numa resistência sensível, mas não calada.

Mas estamos falando de que, afinal? saúde? política? economia? cultura?
Tem como separar alguma coisa quando se fala de seres humanos?

Concordo com Lancetti quando diz que inserir o técnico "biopsicosocial" num programa de prevenção primária é perverso, porque consiste em tentar resolver psiquiátrica e psicologicamente problemas econômico-sociais.
É... quem sabe com a ajuda de um psicólogo o Samer não se curasse.
Nós não estamos em todas?
Quando acreditamos que nossa função é suprir carências nossa função torna-se, eu diria, impossível.
Organizar programas caridosos, tutelares, despolitiza movimentos comunitários produzindo sujeitos carenciados, transformando os serviços de saúde em serviços de controle.
E as criancinhas? Devem ser deixadas a sua própria sorte?
Entre flores e porcos?
Ah, mas no caso de Samer não devemos nos preocupar,
ele está com seu pai que sabe o que é melhor para ele!

Acredito que a única coisa que devemos controlar, é o nosso fazer profissional, para não permitir que esse discurso caia de um extremo a outro e se ridicularize a ponto de afirmar que provavelmente as crianças dos países desenvolvidos possuem mais "potencial de vida", mais "estratégias de sobrevivências" que as crianças dos países subdesenvolvidos, por exemplo.

A "doença é uma redução a margem de tolerância às infidelidades do meio"
e como ser tolerante ao que se passa
SAMER???
Ser "sadio é a possibilidade de instituir normas novas em situações novas"
onde buscar forças e recursos para poder mudar esta "norma"?
PELA TRADIÇÃO ÁRABE OS FILHOS FICAM COM O PAI, E NÃO COM A MÃE.

 

Notas

1 - Graduanda em psicologia pela UNISINOS. E-mail: [email protected]


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