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Artigo Especial

Zé do Caixão - O anfitrião das Trevas

 

Quem nunca ouviu falar de José Mojica Marins? Celebre cineasta brasileiro que superou bem mais que a fome, censura e falta de recursos. Superou o preconceito e a ignorância de um povo “sem conhecimento cultural”, mas com uma grande miscigenação de cultura popular que inspirou o nascimento de um dos maiores personagens de terror, o Zé do Caixão.

filme reconhecido internacionalmente

Infelizmente ainda vivemos em país que valoriza o que vem de fora, como os espelhinhos de 500 anos atrás. É lastimável saber que filmes sem nenhum conteúdo adentram no Brasil, enquanto clássicos da criatividade brasileira, como À Meia Noite Levarei Sua Alma, mal chegaram a ser exibidos. Nós, o povo brasileiro, fomos forjados a consumir opiniões formadas, aceitarmos idéias impostas e banalizarmos a própria cultura. Isso desvaloriza quem somos e qualquer coisa que façamos. Enquanto ainda votarmos em personagens criados pela Grande Mídia, consumirmos as comidas que modelos nos recomendam e assistirmos produções de merchandizing que o exterior nos oferece como "best Sellers" da sétima Arte, nunca iremos ver o nosso próprio valor – A criatividade.

Esse artigo não é só para falar da grande criatividade e inteligência de José Mojica, mas também, para mostrar que o crescimento de um país não depende apenas de um bom governo, mas da valorização de sua própria cultura. Enquanto não valorizarmos a nossa cultura e as produções brasileiras, seremos visto como inferiores, como índios primatas. Nesse Artigo Especial do Histórias Ocultas conheceremos a história do homem que inovou o cinema brasileiro. Seu reconhecimento só não é maior por apenas um motivo - não ter nascido no outro continente.

O Inovador – O Criador e a Criatura

Apesar de alguns leigos “pensarem”, Zé do Caixão não é uma figura caricata que braveja pragas fazendo tipo com sua própria imagem. Zé do Caixão é um personagem totalmente brasileiro, que tem um suas raízes o rico misticismo nacional e elementos de diversas religiões que moldaram a nebulosa atitude e imagem do personagem da cartola preta. Com idéias além de seu tempo, Mojica sofreu diversos preconceitos com o seu personagem, mas isso não foi motivo para que ele desistisse.

Filme que demorou 15 anos para ser exibido

A vida imita a Arte, como na literatura – “O Médico e o Mostro”, Mojica carrega as estigmas de seu personagem, viveu anos de miséria dependendo na maioria das vezes de sua fantasia para ganhar seu sustendo. Mas a necessidade faz a criatividade, e como criar e inovar são sinônimos de fartura para Mojica, ele se aproveitou do “medo” das pessoas para veicular a imagem do Zé do caixão – O Anfitrião das Trevas.

Como no conto de Platão – “As Sombras” - Mojica tem uma visão além das barreiras do obvio. Perseguido pela censura, com pouco recursos financeiros, desmerecidos pelos poucos críticos, ele viu na improvisação, experimentação e ousadia a chave que iria lhe destacar como um grande cineasta brasileiro. José Mojica inovou nas técnicas de edição, filmagem e interpretação, tornando-se marca registrada de seus filmes, tanto que quase todos eles foram interditados pela censura e liberados somente anos depois (Ritual dos Sádicos demorou quase 15 anos para estreiar e o fez com outro nome, O Despertar da Besta).

O Experimentalismo era marca registrada de Mojica. Seu estúdio era um show de horrores, que traia a curiosidade de muitos como a imprensa e a policia. Thiago P. Ribeiro afirma em de seus artigos no site Veja Jovem: “Com uma noção extraordinária de enquadramentos, seqüências, efeitos especiais e efeitos de câmara, Mojica foi um dos autores que mais demonstraram liberdade artística com economia de recursos. Suas estórias são muitas e muitas delas chegam a ser, me perdoem o trocadilhos, cinematográficas.” Virtudes que o consagra no exterior e mantém sua imagem viva entre os fãs brasileiros.

 

Reconhecimento comprovado com o documentário realizado em 2001 por André Barcisnki e Ivan Finotti, Maldito - O Estranho Mundo de José Mojica Marins. Um excelente documentário que mostra o homem por de trás da máscara e conta um pedaço de nossa história cinematográfica através dos olhos de Zé do Caixão.


O Documentário Maldito

1938 - 1950: Vila Anastácio
Trecho de: Maldito – A Vida e o Cinema de José Mojica Marins, o Zé do Caixão (André Barcinski e Ivan Finotti; Editora 34; 448 páginas)


Mojica com 4 anos

Aos 11 anos, ele ganhou de seu pai uma máquina fotográfica e criou uma espécie de cineminha de terror, inspirado no famoso "Bat-sinal" de Batman. O truque era simples: ele tirava fotos com filme preto-e-branco, mandava revelar o filme e colava os negativos na boca de uma lanterna de mão. Depois ia para algum lugar escuro e projetava a luz da lanterna numa parede branca, o que dava às imagens uma aparência fantasmagórica. Quando não havia sessão no Santo Estevão, Antônio deixava o filho projetar as imagens na telona do cinema
(...)

Não demorou para Mojica cansar-se do teatrinho mambembe que fazia com os colegas. Já se julgava um adulto. Como prova de maturidade e macheza, começou a fumar cigarros de folha de chuchu, verdadeiros mata-ratos que ele tragava numa rodinha com os amigos. Folheando uma revista certo dia, Mojica descobriu seu novo sonho de consumo: uma câmera 8 milímetros. Ele tanto insistiu com seu pai que acabou ganhando uma câmera como presente de aniversário de 12 anos. Depois disso, mal parava em casa: eram dias inteiros brincando com a máquina, ao lado de João Português, Abdul e Dinho.

Cenas dos filmes "Delírios de um Anormal"
e "O Estranho Mundo de Zé do Caixão"

Os primeiros experimentos da turma não passavam de brincadeiras de criança: filmavam o bairro, suas famílias, os vizinhos e colegas. Mojica conseguiu um projetor emprestado e exibiu seus primeiros filmes caseiros num lençol estendido em um varal no porão do cinema. Ele lembra do exato instante em que viu pela primeira vez uma de suas cenas - a fachada do Cine Santo Estevão – projetada na tela improvisada. Foi o dia mais feliz de sua vida.
A turma passou quase três anos-usando a câmera diariamente. Pouco a pouco, seus experimentos foram se tornando mais complexos. Eles ainda não tinham muita preocupação com enredo ou continuidade, mas já haviam começado a filmar cenas esparsas de brigas e perseguições. Mojica era o mais esperto do bando e foi o primeiro a descobrir os conceitos elementares de montagem. Sem dispor de um sistema de edição, ele percebeu que poderia criar seqüências de ação na própria câmera, simplesmente filmando as cenas em ordem e trocando sempre o ângulo de visão.

Assim, para filmar uma cena de briga, ele se postava atrás de um dos atores e mandava que este desse um soco em seu colega. Depois trocava o ponto de vista, filmando nas costas do sujeito que havia levado o murro. Quando projetavam o filme, a seqüência parecia fluida e cheia de movimento (infelizmente, todo esse material, filmado entre os anos de 1948 e 1950, se perdeu).

Seus filmes eram retocados à mão para que os efeitos imaginados por ele se tornassem possíveis

O primeiro experimento da turma a merecer o nome de "filme" – ou seja, o primeiro a ter um enredo com começo, meio e fim – foi o curta-metragerri 0 Juízo Final, rodado em 1949, quando Mojica tinha apenas 13 anos. O filme contava a história de um ataque de naves espaciais à Terra. Para fazer as naves – que tinham formato de caixão de defunto – Mojica usou novamente o recurso do "Bat-sinal", colando na boca de uma lanterna uma cartolina vazada com um buraco em for ma de caixão e projetando o facho de luz numa parede. Antônio, um tremendo pai-coruja, achou o filme uma obra-prima e deixou que eles o projetassem na tela do Santo Estevão [o pai de Mojica, Antônio, era gerente do cinema Santo Estevão].

 

Na Segunda Parte do Artigo Especial, Zé do Caixão - O Anfitrião das Trevas, conheça sua ideologia, seus filmes, biografia e seus trabalhos em todos os meios de comunicação.

Segunda Parte >>>

Escrito por : Márcio Domenes


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