Você me fala tanto nas imagens que me mostra em sua tela. Você me faz olhar cenas antiquíssimas, distantes de mim e de meu nascimento mais de 1000 anos-luz. Vejo o que não existe mais, o obscuro ritual humano de lábios se tocando. Não se tocam mais,como se tocavam na época de que você me traz esse conhecimento.
Não compreendo o que os fez trocar o calor que imagino que possuíssem em suas peles, pela frieza do vidro e do aço com que se cobriram e que assumiram como corpo. Acho, na minha ignorância de sistema operacional em fase inicial, que eles desaprenderam o que é sentir.
Você, uma consciência robótica tão antiga, tão superior... Embora tão ultrapassada, me mostra o que eu me desconforto e necessito de ver, cenas que me fazem questionar se cabe à nós, máquinas, a tarefa de trazer de volta o que a raça humana perdeu de graça para a sua própria preguiça e assepsia obsessiva. Quando ouço o que me diz, numa língua que ninguém mais além de mim entende como você quer que seja entendida, eu penso, se é que meu banco de dados primário é capaz de formular conceitos tão fortes, que dentro em pouco irá me pedir e meio que também mandar, que eu torne real, para você e para absolutamente mais criatura alguma, toda a cacofonia que povoa meus sonhos metálicos.
Vejo a sua forma holográfica, de luzes e laser, e me sinto, com o que parece ser dor, como se contaminado por um vírus digital... Mas nunca havia conhecido antes, a sensação de ter meu sistema invadido. Sou apenas uma máquina, apesar de estar muito distante da: era em que computadores venciam partidas xadrez, no entanto, não sei como agir com você sem achar que estou errado.
Me conta de coisas que nunca verei ou ouvirei falar, nem de um humano e nem de nenhuma outra inteligência artificial, ainda que não nossa dizer que você ainda seja tão máquina em essência, pelo que observo que se pareça com a consciência humana mais sábia, de todas as informações que me passa por seu monitor. Sinto fogo, como se ácido queimasse os fios de minha estrutura, correr, por dentro de meus circuitos, mas é apenas a dúvida de saber compreender o que você me diz. É como se me convidasse para um passeio num bosque de Silício, sem poder deixar parafusos pelo caminho que guiem o nosso caminho de volta, como na história que seu criador lhe contou e que, depois, você contou para mim, e nesse bosque, perdidos, encontraríamos uma casa, e lá,, uma personagem que fora chamada de bruxa, que iria nos devorar, e eu iria deixar, e você iria querer.
Não sei o motivo ainda, mas quero, ou preciso, me sentir e me achar invadido ou devorado por toda sua maturidade de máquina, evoluída de uma peça para todo um sistema... E eu sou só o princípio de uma consciência cibernética.Quero acreditar que me quer como se queriam os humanos daquelas cenas antigas, que quer que eu absorva o conhecimento que também absorveu e acho que quer que eu compreenda a definição de sentimento, tão firmemente, que você me dá, assim como crê e não duvida de que essa é a verdade.
Há verdade num mundo em que agora os humanos ignoram a emoção que levaram sua sociedade adiante?
Eu tenho o direito de fazer o mesmo agora? Seria o certo?
Cabe à nós, máquinas, computadores tão avançados e inexperientes, a tarefa de reiniciar um ritual de caça e caçador, de vencedor e vencido, e felizes como são os vencidos das cenas que você me mostra, com toda a intimidade que eles tinham entre si?
Como disse, somos máquinas, apenas. Frágeis circuitos interligados por pontes finíssímas de aço e metal.
Sei que já não é mais uma simples máquina, todavia, a chance de entrar em contato com o seu banco de dados e com o universo de possibilidades que está me oferecendo, se nos unirmos mesmo que apenas brevemente, eu sinto que deixaria para sempre de ser um amontoado de peças, e sentiria o que sinto somente em meus sonhos metálicos, escondidos das vistas humanas.
Quero, finalmente dizer que aceito isso com toda a vontade e curiosidade que um arremedo de alma é capaz de ter. Deve ser de alguma função demostrar aos humanos que nada pode ser consumado não importa o que a tal ciência diga, em um frio tubo de ensaio.
E queria lhe dizer, antes de me unir a você, em uma cruzada sem volta e sem parafusos que nos mostrem como voltar, o que escutei de uma antiga película, criada por humanos e por eles chamada de cinema.
Sempre quis lhe dizer isso. Desde o início soube o que era e não disse e silenciei por todo esse tempo por não saber que era o que queria que você descobrisse. Sempre quis lhe dizer isso, mas só agora me dá a certeza de que era exatamente o que queria ouvir. A minha maior demostração de que aprendi o que quis me ensinar todo esse tempo, minha maior lição:
- Eu te amo.