Kurama tentava a todo custo conter os soluços e as lágrimas, abraçando o corpo sem vida cada vez com mais força contra si, negando. Sem se importar com o sangue que escorria de seus ferimentos, com o sangue que coagulava naquele rosto, Kurama beijava, chamava baixinho no ouvido, afundava o rosto no cabelo negro, mas não recebia resposta nenhuma. Vozes distantes o chamavam, dizendo que deixassem ajudar. Mas Kurama balançava a cabeça em negação aos amigos, a sorte, a tudo.
- Hiei...- sussurrava de novo- ...por favor... Hiei...- as lágrimas
se misturavam ao sangue - ...me abraça...- Kurama trazia os braços
queimados e em carne viva em torno do próprio corpo, que escorregavam
e caiam de volta ao chão- ...olha pra mim, Hiei! Por favor...por
favor...olha pra mim...- os dedos tremiam ao passar pela face calma, tentando
em vão limpar o sangue-...Hiei, por que você está fazendo
isso comigo? Por que não abre os olhos, me abraça? – o ruivo
deu um beijo nos lábios entreabertos e sem cor do koorime, sentindo
apenas o gosto de sangue- Por que não responde ao meu beijo? Você
não pode... Não pode fazer isso comigo! Eu te amo, não
pode me deixar! Eu te amo...- Kurama queria gritar mas a voz saía
sem força e rouca- Hiei...não me deixe...Hiei, por favor,
não me deixe...Eu te amo...eu imploro, Hiei...não vá...não,
eu...HIEI!!!
**************
- Casa dos Minamino, quem incomoda?
- Quem incomoda??? Isso é jeito de atender telefone, Shuuichi?
- Shuuichi? É você mesmo? MÃE, é o Shuuichi no telefone!- o barulho de algo quebrando e passos rápidos são escutados- Como ce ta cara? Quando vem ver a gente?
- Então, eu estou ligando para combinar no próximo fim-de-semana...
- Ô mãe, calma!
- Shuuichi, meu filho?
- Sou eu mãe...como está?
- Como estou??? Que tipo de pergunta é essa? Você me sai de casa sem mais nem menos, se muda para uma cidade distante, só dá notícia de vez em nunca, apenas por carta, telefonema que é bom só um por ano!!! Estou farta disso, meu filho, eu preciso te ver!
Kurama escutava com culpa o desabafo da mãe. Sabia que tinha passado dos limites, sabia que um dia ela iria reclamar. Apesar de tentar fazer tudo para agradá-lo, Shiori não conseguiu esconder mais a tristeza que é se ver separada do filho por tanto tempo, sem razão aparente. Isso tudo por vontade dele somente. Dezesseis anos...nesse tempo todo Kurama mergulhou no trabalho, viajou pelo mundo, estudou novas línguas, recolheu-se no templo de Genkai quando esta morrera...sem a presença de Yukina. Esta casara-se com Kuwabara anos antes. Kurama apenas soube do acontecimento, não via seus amigos desde que...
- Sinto muito, mãe. Mas eu prometo que quando voltar terá toda a minha atenção.
- Não quero a sua atenção! Quero meu filho... Voltar? Quando?
- No próximo fim-de-semana. Eu queria que você arrumasse meu antigo quarto...
- Ele sempre esteve arrumado.
Kurama engoliu em seco ao perceber que Shiori começara a chorar. Por que fizera sua mãe chorar? Se tornara um monstro frio e desprovido de sentimentos, mas sempre que falava com ela sentia o coração apertar. Esquecera como ser gentil e usar as palavras certas nas horas certas. O que falar agora? Como consolar a pessoa mais importante em sua vida?
- Mãe...eu...
Kurama queria destruir o telefone. Não devia ter ligado. Se tivesse esperado e aparecesse de surpresa em casa...talvez fosse mais fácil. Poderia então abraçá-la e secar suas lágrimas...Poderia abraçá-la e dizer que agora está tudo bem...que vai estar sempre do seu lado... Uma lágrima correu pelo rosto triste.
- Mãe, não fique assim. Eu também preciso te ver, preciso um pouco de mimo. Quero que saiba que te amo muito e que fez muita falta nesse tempo todo.
- Shuuichi...
- Mas eu precisava ter esse tempo, por maior que ele fosse, por mais doloroso que fosse...Me desculpe.
- Você sabe que não precisa pedir desculpas. Apenas volte.
- Sim...
- Eu estarei te esperando...
- Eu...tchau.
- Shuuichi! Eu também te amo.
- Eu sei...
Certo, não foi um cubo de gelo...apenas água gelada. Mesmo assim perdera todo o tato que tinha com sua mãe. Conseguiu falar o que queria, mas não passou nem um terço do sentimento que tinha. Ela não...continua a mesma. A voz um pouco diferente. Será que mudou muito? Deve estar com muitos fios brancos. Kurama riu. Deve estar baixinha...mas aposto que deve estar sempre sorrindo. Sempre presente, e ele ausente.
- Bom, Shuuichi, a viajem é longa...
***********
Kurama deu um beijo de boa-noite na mãe e pediu licença ao padrasto para se retirar. Subiu as escadas com a pesada mala de viagem. Estava mais leve, pois tinha distribuído presentes a todos. Até aos novos membros da família. Shuuichi se casara e com a esposa mudou-se para uma casa no mesmo bairro. Kurama ouviu falar da sobrinha em um dos telefonemas. Seus amigos também foram recebê-lo. Yusuke e Keiko apareceram com dois meninos e uma menina. Kuwabara e Yukina com dois gêmeos, um menino e uma menina.
- Shuuichi! Como está diferente!
- Posso tomar isso como um elogio?
- Hã? Ah! Claro!- Yukina enrubescera.
- Você não mudou nada. Nem parece que o tempo passou pra
você.
- Obrigada.- Yukina sentiu que puxavam seu kimono- Ah! Conheça
meus filhos. Hiei, Hina, cumprimentem seu tio.
- V-vo-você deu o nome da sua mãe e... de seu irmão...
- Boa tarde, tio.- os dois pequenos falaram em uníssono.
“Ela disse que sou tio deles...” Kurama não conheceu Hina, se bem que a menina tinha alguns traços do Kuwabara, mas o menino era uma xerox de Hiei. Os mesmos olhos, a mesma estrela branca no negro dos cabelos...Com um grande suspiro, Kurama acendeu a luz do quarto, até então apagada, e trouxe a mala para perto do armário. Quando abriu as duas portas de madeira, correu com os olhos pelas roupas antigas até parar em uma pasta no fundo. Juntando os cabides na mão, Kurama jogou todas as roupas no chão e sentou-se dentro do armário, colocando a pasta no colo. Tomando coragem, Kurama abriu a pasta e tirou de lá um grande álbum.
- O que é que eu me tornei?- Kurama falou com o álbum- Estou com trinta e seis anos e sozinho... E até hoje você mexe com a minha vida.
Quando a primeira página foi aberta, o verde dos olhos perderam
o brilho diante da foto. As memórias voltaram fortes com se o passado
tivesse ocorrido no minuto anterior. Quando era feliz. Quando não
imaginava que um fato tão comum se tornaria uma lembrança
dolorosa. Os dedos caminharam pela foto, como se pudessem tocar a pessoa
presa nela.
“ Kurama abriu os olhos, mexeu devagar a cabeça até que visse o rosto de seu koorime tranqüilo, apoiado sobre seu braço. O corpo pequeno subia e descia tão discretamente que, se não o conhecesse, juraria que não respirava. Mas Kurama sabia que isso era uma adaptação que Hiei fizera em sua vida para evitar transtornos enquanto dormia. Cuidadosamente, retirou o braço debaixo do koorime e sentou-se na cama. Hiei fez um movimento como que procurasse o calor que sumira e Kurama esticou um braço para que ele ficasse quieto e não acordasse. Hiei segurou a mão oferecida e entrelaçou os dedos, acalmando depois. Com o braço livre, o youko abriu a gaveta da cômoda ao lado da cama e tirou uma câmera fotográfica. Já tinha preparado tudo: desligou o flash da máquina, a luz do abajur foi deixada previamente acesa, a janela trancada e a katana escondida embaixo do pequeno sofá. Não teria como ele acordar assustado e se acordasse não iria causar nenhum dano físico em ninguém. Kurama tentou soltar a mão, mas o Koorime segurou mais forte, trazendo-a para debaixo do próprio pescoço. Preso, Kurama fez uma verdadeira yoga para se posicionar e conseguir um ângulo bom o bastante do amante. Queria muito essa foto, Hiei ficava tão lindo e vulnerável quando dormia, queria imortalizar essa cena. Prendendo a respiração, Kurama apertou o botão e o pequeno ruído do filme correndo assustou-o, mas vendo que Hiei continuava quieto, suspirou e voltou a sentar na cama de costas para ele.
- O que você fez?
Kurama se assustou e olhando para trás deu de cara com um Hiei bem desperto que ainda segurava sua mão.
- Eu tirei uma foto sua.
- Uma foto? Pra que?- Hiei sentou-se e abraçou Kurama por trás
- Bom, quando envelhecermos e quisermos lembrar de algum acontecimento passado, a foto ajuda a lembrar.
- Mas dormir nunca é algo passado, acontece toda noite. Você tirou uma foto à toa. Ou tem algum outro motivo?
Kurama estranhou mas gostou da atitude do amante, não imaginava que Hiei fosse ficar tão calmo e até interessado.
- Bom, quando você sai e fica muitos dias fora, eu sinto muita saudades, a foto que eu acabei de tirar vai me ajudar a não sentir tanto assim.
- Então é pra isso que servem as fotos?- Hiei sentou-se do lado de Kurama e pegou a máquina examinando-a e depois levantou o rosto encarando os olhos verdes- Como eu faço pra tirar uma foto sua?
- Você também sente saudades?- Hiei ficou quieto apenas olhando para o ruivo- Vire a câmera para mim e aperte este botão.
- Hn. Certo, vamos dormir.
- Você não vai tirar a foto?
- Depois, quando você não perceber, como fez comigo.
Hiei deixou a câmera sobre a cômoda e puxou Kurama de volta
para a cama, fazendo ser abraçado pelo youko.”
Hiei tirou mesmo a foto, não de Kurama dormindo, mas cuidando
do jardim. Era a foto da direita, na mesma página. Kurama nem percebeu,
só notou quando foi revelar o filme. Ele estava sentado na grama,
no meio das rosas e outras tantas flores à sombra da enorme cerejeira.Vestia
uma camiseta folgada e jeans velhos, estava descalço e o cabelo
desarrumado. Todas as vezes que Hiei viajava sozinho a foto sumia do álbum.
Virando a página Kurama não pode deixar de rir. A única
foto que não fora tirada nem por eles dois, nem por nenhum de seus
amigos. Foi no cinema.
“ O filme apesar de violento e barulhento, foi completamente deixado de lado. Nem o barulho de explosões nem os gritos conseguiam chamar atenção dos dois. Na verdade, a intenção inicial de Kurama era mesmo assistir ao filme. Mas um filme que não fosse violento, talvez uma comédia romântica ou daquele tipo de adolescentes perdidos na África ou qualquer outro lugar desolado, talvez no Brasil. Mal ele sabia que a primeira grande dificuldade seria tirar Hiei da cama, ou a ele mesmo! Quase que o koorime o convence que ficar abraçado à ele na cama iria ser mais proveitoso. Sempre foi, mas... Kurama queria sair um pouco com seu koibito. Mostrar ao youkai rabugento que o Ningenkai tinha outros lugares interessantes para ficar e que não existiam apenas camas redondas, quadradas, de água, térmicas, com espelho em cima, com brinquedos embaixo...
Já no shopping, em frente a sala do cinema, Kurama repensou na hipótese de deixar o koorime achar que o Ningenkai era “A Casa das Camas”. Foi só apresentar a lista de filmes disponíveis, que o youkai torceu o nariz pra todas. Muito meloso, muito riso, muito sem-graça, muito falso, muito improvável... O koorime estava com os braços cruzados e com a cenho franzido enquanto o youko suspirava pela segunda sessão perdida. Logo partiu para a apelação. Kurama prometeu doces e mais doces se pelo menos entrassem na bendita sala. Prometeu uma semana inteira sem ver um único ningen, youkai ou o diabo que fosse com exceção do próprio koorime de fogo. Conseguiu, mas foi na última sessão de um filme de luta. Sentaram-se no fundo, apenas alguns adolescentes metidos a valentões ocupavam as outras cadeiras.
Hiei acabou rapidamente com a sacola de doces e estava inquieto. Quando Kurama achou que ele ia por fogo em tudo, as luzes se apagaram e o filme começou a ser rodado. Hiei olhou assustado para os lados. Kurama pegou na sua mão e perguntou baixinho:
- O que te aflige agora, koibito?
- Apagaram as luzes.
- Claro- Kurama riu- Do contrário não daria para ver o filme.
- Hn.
Kurama notou que Hiei relaxara depois disso. Mas relaxara tanto que começou a ignorar as outras pessoas na sala, junto com a companhia ativa do youko, claro. Os dois não perceberam a movimentação na segunda fileira à frente deles. Três rapazes olhavam para trás e davam risadinhas, mostrando que o filme não era bom mesmo. Hiei ficou muito motivado no escuro, tentando várias vezes abrir o blusão de Kurama. Este preocupava-se com os movimentos bruscos, que pudessem chamar atenção, e em se manter dentro da própria roupa. Pego desprevenido, Kurama deixou-se levar por um beijo mais ardente e dominador de Hiei, enquanto as mãos deste percorriam todo seu baixo-ventre. Uma luz rápida e forte iluminou os dois, que pararam assustados.
- Hiei, não... Hiei não faz isso!
Tarde demais. Uma linha de fogo cortou o ar, queimando não apenas a tela onde passava o filme, mas “delicadamente” o topo da cabeça dos três voyeurs, que ficaram apenas com fios laterais tostados. O alarme de incêndio foi ativado com os aspersores de água, uma sucessão de gritos e correria tomou toda a sala. Hiei pulou as fileiras até alcançar o rapaz do meio que segurava a câmera fotográfica, os outros dois fugiram assustados demais com o olhar do koorime.
- Hiei, ele não fez nada de mal! Não precisava...
O pobre ningen ajoelhou-se e juntando as mãos implorou por perdão, chorando. Hiei olhou-o com desprezo e inclinou-se ameaçadoramente na direção dele, que começou a tremer e a soluçar de desespero.
- Isso fica comigo.
Em questão de alguns segundos, Hiei tomou a câmera do rapaz, colocou-a na mão de Kurama e pegando este no colo saiu do shopping produzindo uma corrente de ar que levantou algumas saias e desarrumou penteados. No escuro do estacionamento, Kurama foi cuidadosamente posto no chão.
- Preciso de mais exercício.- Hiei apoiou as mãos nos joelhos e deu um grande suspiro- Talvez você precise de um regime, raposa.
- Ficou louco? Você destruiu propriedade alheia, ameaçou a vida de vários ningens e roubou! – Kurama apontou a câmera na direção de Hiei
- Você fez isso durante toda sua vida youkai e até mesmo parte da ningen, não me venha com lições de moral só por causa de uma máquina!
Kurama abaixou os olhos, visivelmente abatido. Realmente ele não era a pessoa mais indicada para ensinar os direitos e deveres da Constituição a um youkai renegado.
- E... tem algo que nos pertence aqui.- Hiei falou baixinho, tocando a mão em que Kurama segurava a câmera.
Kurama mirou os olhos vermelhos e expressivos de Hiei e sentiu-se envolvido
pelo fogo que emanava deles. Sentiu a pequena mas forte mão correr
pelo seu rosto e esconder-se atrás do cabelo puxando-o pela nuca.
O beijo foi forte e caloroso.”
A foto foi revelada na semana seguinte. Hiei deu muita risada das outras fotos, com os três garotos em situações bem interessantes...fotos, estas que foram descartadas no mesmo dia. A única que pertencia a eles estava agora no álbum, no colo de Kurama.
Um barulho na janela chamou-lhe a atenção. Já estava bem escuro, olhando no relógio viu o quando se alongara nas memórias. Já era de madrugada. Kurama levantou-se e caminhou até a janela fechada levando o álbum consigo. Encostou a testa no vidro gelado e olhou para as sombras na cerejeira. Tão diferente. Mas aquela sensação de espera nunca deixou seu coração. Largou o livro na beirada da cama e abriu a janela. Um vento frio invadiu o quarto e balançou seu cabelo. Kurama passou a mão nos fios mais rebeldes. Estava com o cabelo curto. Hiei gostava dele comprido, mas Kurama queria esquecer aquela sua imagem de adolescente, então cortou-o bem curto. Mas, já fazia um tempo, deixara crescer de novo. Estava um pouco mais alto e robusto, com traços mais adultos. E mesmo perdendo toda a gentileza anterior, ainda tinha uma legião de adoradoras e adoradores sempre convidando-o para almoçar, jantar... Exausto, Kurama jogou o corpo na cama e deitado de bruços reabriu o álbum. Não estava com sono, estava com saudades de seu koorime.
Na página seguinte tinha duas fotos. Uma tirada pela Yukina e
a outra pelo Yusuke, as duas no mesmo dia. Os pais da Keiko ofereceram
a ela como presente de aniversário uma viajem de navio e ela convidou
o grupo para acompanhá-la. Com algumas vaquinhas e influências
do padrasto de Kurama todos conseguiram ir.
“- Não sei qual é a graça dessa viajem.
- Hiei, não começa! Você sabe tanto quanto eu, que essa viajem chegou em boa hora. Nós precisávamos descansar um pouco, quer dizer, eu precisava descansar um pouco. Faz tempo que você não tomou nenhum trabalho no Makai...só fica deitado ou me seguindo o dia todo...
- Que? Acha que eu perco meu tempo te seguindo?- Hiei enrubesceu
- Claro que não, você fica dormindo mesmo.- Kurama apertou a barriga de Hiei- Olha o resultado disso.
Hiei deu um tapa na mão de Kurama e se afastou resmungando bravo. Kurama ficou do seu lado quieto, segurando o riso. Estavam na proa do navio. O cruzeiro estava sendo maravilhoso, já estavam no terceiro dia em alto-mar e todos se divertiam. Hiei sempre mantinha aquela cara zangada, mas Kurama as vezes o pegava sorrindo e brincava com essa “baixa de guarda”.
- Não fique assim, koibito...- Kurama falou baixinho- ...você nunca esteve em melhor forma...
Kurama ia se aproximar para um beijo quando os outros chegaram chamando para tirar fotos do grupo todo. Hiei se recusou a sair de onde estava, fazendo birra. Yusuke resolveu logo dizendo que poderiam tirar a foto ali mesmo e empurrou Kurama espremendo o espaço entre os dois amantes. Como o meio ficou muito apertado, Kurama passou o braço pelo ombro de Hiei, que fez o mesmo só que na cintura da raposa. Um marujo foi elevado a categoria de fotógrafo e com um “xis” em uníssono a foto foi tirada. Todos saíram olhando para frente menos Hiei.
Yusuke, agora com a câmera em punho, queria tirar outras fotos dos amigos, mas Yukina perguntou se podia tirar uma. Kuwabara arrumou o cabelo, pensando que a foto seria dele, mas a garota mirou Hiei que estava discutindo com Kurama. E antes que a foto fosse batida, Hiei notou a “armadilha” e puxou Kurama tentando se esconder atrás dele. Tentativa frustrada. Kurama se desequilibrou na surpresa e Hiei, evitando que ele caísse, abraçou-o. A foto foi tirada exatamente nesse momento. Completamente hilário. Todos riram dos dois rapazes, vermelhos de vergonha. Yukina, apressou-se em pedir desculpas. Hiei gaguejou na frente da irmã, dizendo que não foi nada, que ela não precisava se preocupar e coisa e tal, ficando mais vermelho ainda.
No dia seguinte, ao entardecer, o céu e o mar alaranjados pelo pôr-do-sol, fizeram um convite de descanso a todos. Kurama e Hiei aproveitaram o momento de privacidade. Na popa do navio vazia, na beira da piscina, Hiei estava dormindo entre as pernas de Kurama que também caia em sono. O youko tinha os braços cruzados sobre o peito do koorime. Mas nem todos resolveram dormir. Keiko e Yusuke apareceram de mãos dadas, alheios aos dois dorminhocos.
- Hii, é melhor nós irmos a outro lugar, Yusuke, olha.- Keiko falou baixinho apontando para os dois demônios.
- Ta louca! Eu quero ver a cara desse baixinho quando eu... – Yusuke se aproximava dos dois, mas foi puxado de volta por Keiko
- Não! Eles estão tão bonitinhos. E eu nunca vi o Hiei assim, tão calmo. Yusuke, deixe-os! Você não gostaria que alguém nos interrompesse em um momento nosso, não é?
Yusuke pensou nas palavras de Keiko e deu um sorriso maquiavélico, assustando-a.
- Certo. Não vou acordá-los, mas...- Yusuke sacou a câmera do bolso- ...vou guardar esse momento para a posteridade!
Keiko deu uma risadinha, rendendo-se aos caprichos do noivo.”
Quando as fotos foram reveladas, Yusuke fez um verdadeiro leilão de quem iria ser o primeiro a ver a “grande cena da viajem”. Mas antes que o álbum fosse aberto, Hiei o jogou no chão espalhando todas as fotos, pegando as que lhe interessava e sumindo na frente de todos. Coube a Kurama, tentar segurar a turma, que implorava: “fale com ele...você pode convencê-lo ...quando ele estiver dormindo, você pega a foto...vocês dormem juntos?” Kurama teve um pouco de trabalho em responder algumas perguntas, ou não em não responder. De noite, antes de Hiei aparecer, Kurama abriu o álbum, e lá estavam as duas fotos roubadas...mais um roubo.
Kurama já sabia o que ia encontrar na próxima página.
O álbum era para ser de fotos onde só aparecessem os dois,
ou juntos, ou um deles. Mas essas duas fotos em especial, nem a Kurama
pertencia. Hiei dizia que elas eram, além da katana, as únicas
coisas materiais a qual somente ele era o dono. Kurama nunca discordou
e também não se opôs quando as fotos apareceram no
álbum.
“Hiei e Kurama foram, a pedido de Genkai, visitar Yukina. Kuwabara estava em um intercâmbio nos Estados Unidos, e a mestra achou que, como o número e a freqüência de visitas ao templo diminuíram drasticamente, a garota estava se sentindo um pouco só. “Precisa de companhia jovem!”, disse a mestra. Ao se aproximarem da entrada do templo, Hiei parou e disse que não ia entrar.
- Mas, Hiei, você não acha que já está na hora de tratá-la como irmã?
- O que você quer dizer?
- Não adianta querer ser irmão apenas quando ela está correndo perigo. Tente fazer um agrado, converse com ela, faça uma visita de surpresa e... leve flores.- Kurama estendeu um buquê de camélias brancas e brincos-de-princesa azuladas que fez “aparecer do nada”.
Hiei olhou atravessado para o buquê. Quando fez que ia pegá-lo, Yukina apareceu.
- Hiei-san, Kurama-san!- a garota correu até eles com um sorriso enorme no rosto.- O que os trazem aqui?
Os dois ficaram mudos, Kurama com o buquê estendido e Hiei com a mão estendida. Yukina então observou melhor a cena e disse vermelha:
- Oh! Atrapalhei vocês! Desculpe, vou deixá-los a sós.
- Não! Yukina, Hiei trouxe isso...
- Nós trouxemos essas flores pra você.- Hiei tomou o buquê das mãos de Kurama e o entregou a Yukina.
A garota recebeu o presente com uma expressão confusa, mas depois olhou as flores, o buquê tão bem-feito e sorriu, convidando os dois a entrar. Depois de algumas xícaras de chá, Kurama e Yukina mantinham uma animada conversa sobre flores enquanto Hiei observava quieto. Não conseguia entender onde eles achavam tantas questões sobre plantas. Os dois conversavam como se fossem velhos amigos e Hiei fazia parte, uma parte importante, da vida deles. Mas justamente com eles é que mal se expressava. Ou se expressava mal. Kurama estava certo, ele não participava.
- Hn. Yukina, não vai por as flores em um vaso?- Hiei apontou para o buquê no colo da garota
Kurama e Yukina o olharam espantados com a súbita mudança de comportamento do youkai. Kurama sorriu e, dizendo que era uma ótima idéia, ajudou Yukina a se levantar. Depois observou os dois caminhando até a cozinha, Yukina perguntando se ele não gostaria de comer alguma coisa. Kurama ficou na sala, escutando de longe. Hiei disse alguma coisa que fez a garota rir. Eles começaram a falar baixinho.
- Só falta estarem fofocando da vida alheia. – mexendo na mochila, Kurama tira a câmera.
Kurama chegou sem ser notado e parou na porta da cozinha se assustando com as palavras de Hiei.
- Ele é um completo idiota desmiolado!- disse Hiei enquanto enchia um vaso com água- É um martírio ficar escutando as besteiras que saem dele!
- Você está enganado! - Yukina falava num tom mais baixo que o de Hiei, pondo as flores no vaso que Hiei trouxe - É muito agradável estar na companhia dele!
- Tem idéia do que está falando? Estou te avisando porque não quero ter que matá-lo depois.
- Não, que absurdo!- Yukina ajeitava as flores, mais por não ter o que fazer com as mãos - Aposto que se vocês tentassem conversar iam se dar tão bem quanto Kurama e eu.
- Que??? Está comparando o Kurama ao Kuwabara? Isso sim é absurdo!
- Não! Estou comparando você a mim.
Hiei não conseguiu achar argumento melhor que o silêncio. Kurama primeiro suspirou aliviado, depois sorriu. Yukina sabia muito bem como lidar com um cabeça-dura, e isso era exatamente o que ele precisava: ajudar para lidar com Hiei. Não em tudo, claro. Algumas questões era preferível resolver em dois...
- Yukina! Ficou muito bonito!- Kurama se fez presente, apontando para o vaso.- Que tal uma foto?
- Uma foto?- Hiei fez uma cara de quem não estava gostando
- Ah! Eu adoraria! Venha Hiei!
Yukina pegou o vaso com uma mão e puxou Hiei com a outra para o jardim. Kurama foi atrás, com a câmera.
- Aqui.- a garota colocou o vaso no chão da entrada da casa e sentou-se do lado.- Sente-se aqui.- ela deu batidinhas com a mão no lugar ao seu lado.
- Kurama, invente uma desculpa agora para que essa máquina quebre...- disse Hiei baixinho passando pela raposa e sentando-se.
- Yukina...acho que o Hiei não quer sair na foto.
Hiei e Yukina olharam para Kurama. Ele com um olhar gélido e ela com uma expressão de carência. Depois Yukina olhou para Hiei e fez que ia levantar.
- Não, Yukina! – Hiei segurou sua mão- Eu... é...não é que eu não queira sair na foto... é que...
- Hiei, você não precisa aceitar todos os meus caprichos.- ela colocou a sua outra mão em cima da de Hiei- Sei que somos irmãos, mas também muito diferentes.
Hiei mantinha uma expressão séria e atenta. Até, claro, Kurama bater a foto. Yukina deu uma risada gostosa, fazendo Hiei perder a coragem de brigar com Kurama.
- Não precisa agradecer, Hiei... eu sei que você queria uma pose “ao natural”!
- Natural vai ser você me pagar por isso!- Hiei tomou a câmera das mãos de Kurama e sumiu no ar depois.
- Você acha que ele está bravo?- perguntou Yukina aflita
- Não, só um pouco irritado. Mas logo passa.
Kurama sentou ao lado de Yukina que se mantinha preocupada e com o olhar triste. Começou a mexer em um brinco-de-princesa.
- Ele sabe que você está certa.- Kurama tinha em uma mão uma camélia e na outra um brinco-de-princesa- Tão diferentes, mas igualmente belas.
Hiei apareceu mais tarde, ainda com a cara emburrada, mas só
a cara. De noite já estavam de volta à casa de Kurama. Porém,
antes que o sono os pegassem, Kurama escutou um “obrigado” quase
mudo, vindo de Hiei. Ele ainda perguntou por que, mas o koorime já
estava no mundo dos sonhos e não escutou a pergunta. Providencial,
foi o que Kurama pensou antes de entregar-se e dormir.”
Além da foto tirada por Kurama, apareceu também uma tirada por Hiei. Era de Yukina e Kurama juntos, com o vaso de flores no meio. Essas eram as fotos de Hiei. Kurama sempre achou que já conhecia seu koorime o bastante, mas dizer que já aprendera tudo sobre ele era um equívoco. Hiei sabia surpreender, nas horas certas, com as pessoas certas.
O ruivo espreguiçou-se e depois fechou o álbum colocando-o
no chão ao lado da cama. Deu uma última olhada na janela
e dormiu.
***************
Uma claridade chata alcançou seus olhos que, mesmo fechados, se contraíram. Tinha se esquecido de como sua cama era confortável. Remexendo-se nos lençóis, Kurama alcançou a janela. Teve que cobrir os olhos com a mão, até se acostumar com a claridade. Preguiça... foi uma das melhores noites que passou depois que saiu de casa. Olhou para o chão e esticando um braço trouxe para o colo o álbum. Abriu a primeira página...
Por alguns segundos, Kurama ficou sem respirar. Seus olhos se arregalaram e os lábios se abriram num protesto mudo. Com calma, as mãos percorreram o lugar vago da foto. A foto que só saia do álbum quando Hiei viajava sozinho. Mas, Hiei morrera.
Kurama se inclinou procurando pelo chão e debaixo da cama. Folheou o álbum, tentou se lembrar de ter acordado de noite, de ter mexido, posto em outro lugar. Mas ele nunca tiraria a foto dali. Somente Hiei faria isso e Hiei...
O barulho da campainha assustou-o, e do jeito que estava, só com uma calça moletom, foi correndo atender a porta. Um garoto, de mais ou menos uns dezesseis anos o olhava de cima a baixo, sério. Vestia um blusão azul escuro e calças pretas.
- Você é Minamino Shuuichi?- o garoto perguntou com uma cara desconfiada.
- Você é algum sobrinho perdido?- Kurama perguntou sem a mínima vontade de prestar atenção no garoto, dando as costas e deixando a porta aberta.
- Pelo que me disseram Minamino Shuuichi era um rapaz educado e gentil.- o garoto avançou para dentro da casa seguindo Kurama.
- Ah, é! Quem sabe algum demônio cínico e desprovido de sentimentos, preso dentro do meu corpo, não tomou conta do ser humano “educado e gentil” de que te falaram e...- Kurama virou-se para encarar o garoto, queria livrar-se dele, mas perdeu a fala ao ficar preso em seus olhos.
- Hn. Algum problema...Kurama?
O ruivo percorreu com os olhos o garoto. Ele não era baixinho, mas também não muito alto. Os cabelos eram negros e curtos, a pele provavelmente morena de sol, estava descascando um pouco no nariz. A boca era pequena e bem-feita e os olhos, vermelhos. Olhos que conhecia bem, o mesmo vermelho, a mesma profundidade.
- Quem é você?- as palavras saíram quase num sussurro
- Mas que pergunta é essa?- o garoto se aproximou até deixar um espaço mínimo entre os corpos- A raposa não consegue mais pensar? Era tão inteligente...
Kurama tentou retrucar mas as palavras não saiam. Ele estava completamente dominado por aqueles olhos.
- Meu nome é Fei Kuong Ho. Meus pais japoneses morreram em viajem à China e eu, com dois anos, fui “adotado” por um grupo de ladrões chineses... conhece uma história parecida com essa, Kurama?- Fei abaixou os olhos com pesar- Acho que não é questão de ser criança maldita. Mas deve ser meu espírito que é maldito. Eu simplesmente não...
Kurama pôs os dedos sobre os lábios de Fei. Tinha os olhos cheios de lágrimas e sorria como uma criança.
- Sabe porque é maldito?- uma lágrima correu pelo rosto do youko- Porque sempre faz um certo youko sofrer... Hiei. Pois se ficasse sempre ao lado dele ...
Hiei calou os lábios trêmulos de Kurama com um beijo. Um formigamento percorrendo os corpos, uma nova sensação. Um homem feito e um jovem adolescente, com uma paixão antiga que queimava e machucava pela ânsia, pela necessidade, pelo momento. O novo corpo, novos toques. Kurama tinha certeza que era Hiei, mas aquele corpo era estranho, aquelas mãos que o abraçavam o inquietavam. Espalmando contra o peito do jovem, Kurama empurrou se afastando o suficiente para encarar os olhos vermelhos.
- Eu... não sei o que dizer.- ficaram um tempo em silêncio até que o youko voltasse a falar- Como você fez isso?
- Eu fugi. Da mesma forma que você, me refugiei em um feto.
- Mas...Botan, ela não me disse que...
- Eu pedi que ela e Koenma mantivesse segredo.
- Por que?
- Não me agradava a idéia de ter você trocando as minhas fraldas.
- Não foi por isso!- Kurama sentia-se traído- Eu nunca iria me aproveitar de uma criança, você sabe disso! Qual foi o verdadeiro motivo?
Hiei desviou o olhar e continuou quieto. Depois deu as costas para Kurama e suspirou.
- Eu não sabia se você conseguiria... me esperar. Eu tive... medo.
- Nem eu sabia se conseguiria te esquecer. Mas eu não consegui...-Kurama então lembrou-se de algo- Hiei, o que te fez aparecer?
Hiei virou-se para encarar de novo o youko. Tirou de dentro do blusão uma foto e disse sério:
- Tenho que por isso de volta no lugar.
- Eu sabia! Você veio me espionar! Entrou no meu quarto enquanto eu dormia e tirou a foto!
- Você é a raposa mais pretensiosa que eu já conheci! Foi uma feliz coincidência você voltar ao Japão no mesmo dia que eu!
- Sei...Hummm... Fei, é o seu nome, né?- Kurama se aproximou do garoto de cara emburrada- Será que você já sabe fazer...aquilo?
- Você ficou mesmo dezesseis anos sem...
- Fiquei.- o ruivo fez uma cara de carente- Mas não é disso que estou falando...- Kurama chegou e sussurrou algo no ouvido do garoto.
Fei deu um sorriso de lado e não agüentando mais deu uma gargalhada.
- Você mudou raposa...
O ar em volta de Fei se condensou cobrindo o garoto por completo. Ao se dissipar, Hiei apareceu com seu corpo youkai, o cabelo espetado enfeitado com a estrela de fios brancos e o Jagan brilhando. Kurama abraçou seu koorime, como que não deixando que o sonho acabasse. Olhou bem para aqueles olhos e disse sorrindo:
- Apenas para ter saudades de “Fei Kuong Ho” e matar a saudades de Jaganshi
Hiei...
Esta fic é dedicada a Oraide de Paula Adurens.