Yoko Hiyama
Parte 3 - Presente e Futuro
Já de manhã, enquanto descia as escadas para o café, Touya sentia um desânimo que mais parecia tristeza. Seus movimentos eram tão lentos que se pareciam mais com sintomas de um enorme cansaço. Mas a exaustão do rapaz não era física e sim mental. Estava tão cansado de pensar e repensar seu próprio passado que sentia a cabeça girar em protesto.
- Ohayou, Touya-Kun. - seu pai lhe cumprimentou, já começando a servir a comida.
- Ohayou... - Touya respondeu, se esforçando para parecer convincente.
- Filho... que problema pode estar te abatendo tanto?
- Hum? - Touya tentou insistir em fingir, mas acabou desistindo de vez quando viu a expressão séria do pai - não se preocupe, pai. Eu estou bem, só um pouco preocupado.
- Bom, filho... se você diz... então fico mais aliviado. - Fujitaka-San sorriu e voltou a se ocupar com os preparativos do café da manhã.
Seguro de que estava fazendo a coisa certa, Touya começou a comer, silenciosamente. Não queria que seu pai perdesse o mesmo tempo que ele próprio estava perdendo com aquele assunto.
Mas, por outro lado, sua mente não parava de gritar que tinha pensado exatamente desta forma da última vez.
******
- Filho, eu soube que Mizuki-San foi estudar na Inglaterra. Isso é verdade?
- É sim. - a pose de indiferença era bem treinada, mas não o suficiente pra convencer Fujitaka.
- Touya-Kun, você está bem?
- Claro, pai. Não é o fim do mundo. É o melhor pra ela estudar na Europa, eu tenho que entender isso, não é mesmo?
- Sim, mas...
- Além do mais, nós não somos mais crianças. Conversamos a respeito e, se ela voltar pro Japão um dia seremos bons amigos.
- Touya... - Fujitaka-San colocou as mãos sobre os ombros do filho e falou, muito sério - não é infantilidade sentir falta de alguém que amamos.
Touya não respondeu. Apenas olhou para o pai como se buscasse algum conforto para a dor que estava sentindo por dentro. Fujitaka entendeu aquele pedido mudo e abraçou o filho com força. Durante alguns segundos, ambos ficaram ali, abraçados, em silêncio. Até que Touya, com a voz rouca, falou:
- Quando nos despedimos, ela parecia tão tranqüila... eu não sei... me pareceu naquele momento que não havia coisa mais certa do que a nossa separação. - lágrimas nervosas brotaram dos olhos castanhos do rapaz quando ele se prendeu mais forte à camisa do pai e sua voz ficava ainda mais triste e hesitante - Mas isso não é verdade, não é? Não pode ser verdade, não é? Eu a amo, pai! Eu sinto falta dela o tempo todo!
- Eu sei, filho.
- Então não pode ser certo que duas pessoas que se amem tenham que se separar! Eu deveria estar indignado, ela deveria estar indignada! O que há de errado?
Touya não pôde dizer mais nada, os soluços se tornaram mais fortes e ele se deitou no colo do pai como uma criança, apenas aceitando os cafunés e afagos de consolo. E quando ele finalmente se acalmou um pouco, Fujitaka falou:
- Quando sua mãe se foi... confesso que passei por momentos de intenso desespero... eu duvidei de tudo naqueles dias, até de mim mesmo. Procurava uma resposta racional para o que estava acontecendo comigo. Quero dizer... por que, de uma hora pra outra, ela teve que sair da minha vida? O que eu tinha feito? Por que Deus tinha me tirado Nadesiko-San daquela forma? Eu procurava respostas para as minhas perguntas dia e noite e não encontrava! E isso só fazia com que o meu desespero fosse cada vez maior... - Fujitaka fez uma breve pausa e respirou fundo, como se quisesse reunir forças pra continuar falando - Demorou um pouco para eu me dar conta de que eu nunca a perdi. E de que, na verdade, nunca nos separamos.
A reação de Touya foi um olhar confuso, mas seu pai não se interrompeu :
- A partida de Nadesiko-San, me fez compreender a verdadeira dimensão do meu amor por ela. O amor se transforma, sabe? Ele pode se transformar numa amizade, tristeza e até mesmo em ódio. Mas ele nunca morre.
- Pai, eu não entendo...
- Estou dizendo que talvez o seu amor por ela esteja a ponto de se transformar. Sim, eu sei que é uma transformação dolorosa e que pode ser muito difícil de aceitar. Mas não é uma separação. Se vocês se amam, nunca se separam. Eu continuo acordando e dormindo com Nadesiko-San. - ele apontou pro próprio peito - como posso dizer que nos separamos?
- Mas, eu... não queria que fosse assim, pai...
- Eu sei, filhote. Eu sei... - Fujitaka afagou os cabelos finos do filho.
******
- Touya, se continuar assim, vai acabar se atrasando pra escola. - a voz do pai tirou Touya de suas lembranças.
- Ah! Droga! O senhor tem razão. É melhor eu ir. - Touya levantou-se - E a Sakura?
- Parece que não tem aula hoje. Ela pode aproveitar e dormir um pouco mais.
- Sorte dela... Até de noite, pai. Devo chegar mais tarde, tá?
- Tudo bem. Se cuida, Touya.
Touya assentiu com a cabeça e saiu de casa. A falta da irmã correndo atrás de si lhe causou o primeiro sorriso do dia. O segundo, meio apagado, foi pro amigo, que, como todos os dias, lhe esperava na porta de casa com sua bicicleta.
- Ohayou, To-ya! Melhorou a dor de cabeça?
- Novo em folha. Vamos logo.
- Sakura-Chan?
- Não tem aula hoje. Vamos de uma vez, não quero me atrasar.
- Ok, ok. Hoje vamos no templo Tsukimine, não é mesmo?
- Sim, vamos. Por que?
- Por nada. Quem sabe eu não compre um daqueles talismãs? Dizem que são muito bons!
- Bobagem.
- Eu não acho.
- Claro que não acha.
- Ah, eu já ouvi boas histórias a respeito e...
- Vamos mudar de assunto? E veja se pedale mais rápido. Vamos chegar atrasados!
- Tudo bem. - Yukito acelerou um pouco mais e só voltou a falar depois de alguns minutos- Já dá pra ver a escola. Chegamos bem em tempo.
- Que bom. - ele falou com a voz pouco empolgada.
- Estudou pra prova de hoje?
- Não...
- Foi o que pensei. - Yukito piscou pro amigo - não se preocupe, eu vou tentar trocar de lugar com o Ikeda-San e te ajudo se precisar.
- Por mim, tanto faz.
- Pronto, chegamos. Vamos entrar? - Yukito convidou, tentando deixar o mau humor do amigo de lado.
- Tudo bem.
******
- Nossa, aquela prova foi tão difícil que me deixou morrendo de fome! - Yukito confessou - vamos passar naquela padaria?
- Depois, Yuki. Não estava querendo chegar muito tarde no templo.
Yukito olhou pro companheiro e sorriu:
- Você tem razão. Não seria legal deixar Mizuki-San esperando. Mas... To-ya?
- O que foi?
- Você tem certeza que quer que eu vá junto?
- Se não quiser, não precisa ir...
- Não é isso... é que, bem... eu pensei que seria melhor que vocês dois conversassem a sós.
- Eu não tenho nada para conversar a sós com ela, Yuki. Namoramos no passado mas isso acabou.
Yukito não teve como evitar a vermelhidão nas faces ao sentir o olhar sério de Touya sobre si, mas, reuniu toda a sua boa vontade pra insistir:
- To-ya... tem certeza disso?
- Do que?
- Que acabou? - Yukito sentiu o ventre gelar quando fez a pergunta.
A reação de Touya foi apertar os olhos como se tivesse acabado de ouvir a pergunta mais tola do mundo. Uma pergunta realmente tão idiota que ele nem se deu ao trabalho de responder. E Yukito nem se atreveu a continuar insistindo. Aceitou o silêncio do amigo como um ponto de interrogação que teria de engolir e, portanto, se manteve em silêncio pelo resto do caminho até o templo.
- To-ya, não vamos entrar? - ele finalmente perguntou quando viu Touya parar na frente do portão.
- Vamos esperar que ela venha nos receber.
- Mas, como ela sabe que nós...
- Ela apenas sabe. - a resposta soou como um "cale a boca" pra Yukito.
De fato, segundos depois, lá estava Kaho, se aproximando numa passada tranqüila e muito sorridente:
- Que bom que chegaram. Esperaram muito?
- Você sabe que não.
- Bem, entrem. Está escurecendo. Não é bom que peguem sereno. - ela convidou, ignorando perfeitamente o mau humor do ex-namorado. - Yukito-San, aposto que está morrendo de fome, não é mesmo?
- Como adivinhou? - ele sorriu - já deixando a bicicleta de lado.
Kaho apenas sorriu e respondeu:
- Venham. Tem chá e bolo esperando por vocês lá dentro.
- Arigatou gozaimasu, Mizuki-San! - Yukito se inclinou, muito contente.
- O prazer é meu. - ela sorriu e então os guiou pra dentro.
As horas então forma passando rapidamente, numa conversa agradável e despreocupada. Mizuki contou a Touya quase tudo que tinha passado na Inglaterra. Falou sobre as aulas, sobre o clima, os lugares, os amigos... e então, pediu que ele fizesse o mesmo. a reação de Touya foi um muxoxo, acuado que só fez com que Mizuki insistisse mais ainda. Então Touya lhe contou sobre os estudos, sobre o novo colégio, sobre Sakura e, finalmente, sobre Yukito. Kaho ouviu tudo com um grande sorriso, divertindo-se com os apartes de Yukito, que normalmente serviam pra implicar com o amigo. E quando Touya se deu conta, estava rindo, quase gargalhando, enquanto contava coisas cotidianas e, ao final da noite, os três sentiam-se plenamente relaxados.
- Nossa!! Como está tarde! - Yukito olhou pro relógio - nem senti o tempo passar.
- Nem eu. - Touya falou - é melhor irmos, não é?
- Com certeza. To-ya, eu vou lá fora desamarrar nossas bicicletas e volto com ela num instantinho.
- Não quer ajuda?
- Não é preciso. Eu não demoro. - Yukito levantou-se, não antes de tomar um último gole de chá e foi atrás das bicicletas.
Kaho sorriu pra Touya e então encheu sua xícara, desta vez com saquê quente:
- Prove um pouco. Deve estar frio lá fora.
- Obrigado. Kaho...
- Sim?
- Eu... me diverti muito hoje.
- Eu também. Passe mais vezes aqui, Touya. É sempre muito bom conversar.
- Tudo bem.
- To-ya!!! - a voz de Yukito se fez ouvir.
- Já vou. - ele gritou de volta - é melhor a gente ir.
- Tem razão. Eu acompanho.
Kaho seguiu Touya até porta, onde Yukito esperava, já montado na sua bicicleta.
- Mizuki-San, muito obrigado por tudo, o bolo tava uma delícia.
- Eu é que agradeço, Yukito-San. Volte sempre.
- Obrigado. Vamos, To-ya?
- Vamos sim. - ele concordou, montando na sua bicicleta - Kaho, muito obrigado por tudo.
Ela apenas sorriu em resposta. E quando os dois rapazes finalmente se afastaram do templo, ela falou:
- É bom ter sua amizade de volta, Touya...
e é melhor ainda saber que realmente você não mudou
nada...
******
- Mizuki-San é mesmo muito simpática! E vocês se dão muito bem juntos.
- Você acha?
- Acho sim. Parece que vocês dois se entendem só com um olhar.
- Por que está dizendo isso?
- Não sei, me parece que todas as suas dúvidas foram esclarecidas.
- É verdade.
- E pode ser bobagem, mas tive a impressão que um lia os pensamentos do outro o tempo todo.
Touya deu uma risada:
- Daonde você tirou isso?
- Não sei. Só estou falando o que eu pensei na hora.
- Só você mesmo, Yuki.
- Bem... de qualquer forma, é bom ver que você está legal de novo.
- Yuki?
- Sim?
- Veja lá, a padaria ainda não fechou. Vamos? Você deve estar azul de fome.
- Vamos!! - ele concordou, feliz - mas... como adivinhou que eu estava com fome?
- Bem... quem sabe eu não consigo ler mesmo pensamentos?
- Baka! Só por isso você paga a conta.
- Nem pensar...
FIM