A Rosa Escarlate
Astásia
 

Capítulo 5 - Terra Morta
Kurama tomou a frente, num gesto atrevido e correu para sumir na escuridão. Na verdade, não fugia dos perigos que sabia que se ocultavam alí, ele fugia de si mesmo, fugia da visão terrível dos híbridos que agora se desenvolviam velozmente no chão da cela. Esses são híbridos como eu? É isso o que eu vou me tornar? Mil dúvidas cortaram sua mente, perseguindo-o. Não queria estar por perto quando seu youki sustentasse o bastante aquelas aberrações negras que se desprendiam do sal. Gritou por sua mãe, detendo-se um pouco, mas recomeçando sua fuga quando a viu correr também, na escuridão, com a lâmpada à sua frente, trazendo quase arrastada a Doutora Genkai, que gritava por sua "crianças", temendo deixá-las para trás.

Ele quase deu meia volta para ir pisar naquelas coisas que agora faziam sons nojentos, sua raízes se partindo, suas bocas se abrindo famintas. Elas eram o que eram, e agora, eram o que sempre foram: monstros. E estavam famintos, afinal, crescer de forma tão rápida despendia uma quantidade de energia de que eles não podiam se dispor sozinhos. Precisavam de mais e mais, como um saco sem fundo, como um vácuo sem fim. E estavam já esticando-se, agarrando-se nos toscos caibros do teto, sob os apelos de Genkai. Se aquelas coisas um dia reconheceram sua criadora, agora, não mais. Eram seres só de fome e ferocidade, deixaram de ser os fillhotinhos e se tornaram feras. E elas, Genkai viu quando olhou para trás uma última vez, antes de ser levada por uma curva, como elas eram terríveis e graciosas na busca por alimento, suas finas raízes subindo pelas fendas do sal nas paredes...
 
 

Ela há de estar louca. O êxito deve Ter feito Shiori enlouquecer. O que ela quer de mim?! E esse menino que está com ela? Eu sinto o youki dele, mas não sei... ele não parece ser tão youkai assim... Talvez nem seja humano... Ele tocou as plantas com essa energia... Pelos deuses... O quê é ele????...É lindo como um pesadelo, uma tentação, e aqueles olhos, são abismos com florestas em seu fundo...

Ele deixa um rastro no ar, de um cheiro de uma flor que não se abriu, e posso sentir, talvez Shiori não, mas eu percebo!!... Eu sei que já senti isso... Há anos atrás, numa noite em que todo o ar pareceu elétrico, e todos os seres vivos, enlouquecidos como animais no cio, ao sentirem no ar...

Sim, este menino é uma daquelas rosas, não tenho porque tentar pensar o contrário... Ele era um dos pares de mãos, vermelhas, que pediam para serem seguras pela natureza e puxadas para saírem dalí... Oh, minha inveja, Shiori, é sua, como sua rosa!... Que bela criatura você criou para agradar o Rei e silenciar suas culpas... É uma pena que Yomi seja cego... Eu o odeio, mas o que posso pensar, se foi você, a cientista que tudo temia, que se atreve a me tirar desse mausoléu onde fui enterrada viva, com sua criança tão bela ao seu lado?... Eu invejo você... Sua criança é a mais linda flor que já vi, mesmo que eu tenha criado os primeiros híbridos que o Makai já teve sob seu Sol. Mas nada do que fiz se compara a esta rosa... Descobri o que ele é, e não há outra forma de pensar nele. É uma rosa, em botão, mas ainda uma rosa...

Tudo o que eu fiz foram coisas como aquela que devora os guardas que tentaram afugentá-la para dentro da cela, com as tochas, mais uma vez. Eu ouço seus gritos, o som da carne sendo rasgada e triturada. Meu estômago se revira. Eu nunca pensei que o que fazia pudesse ser tão horrendo... Nunca me senti ameaçada por nada que houvesse sido feito por minhas mãos, mas tenho tanto medo, quando os gritos de dor ecoam no corredor que eu simplesmente ficaria encolhida num canto aqui, esperando a morte chegar.

Mas eu não consigo parar de correr, por este corredor cada vez mais estreito. E nem consigo parar de lamentar por Yomi ser cego e não poder ver a bela criança que Shiori fêz para ele... Esta rosa escarlate.

Eu amaldiçouo aquele que o privou de ver tanta beleza em único ser...
 
 

Sua pele se tornava cada vez mais sensível, sufocada pelo ar viciado e fétido da prisão, e o esforço, de correr tanto, de não conseguir parar para respirar... E sem Ter podido esperar pelo sol em paz... Ninguém pode ver como seus olhos eram reluzentes na escuridão, e assim ele se parecia mais que nunca com Kurama, o Youko.

Claro que ainda escutava-se, longe ou cada vez mais perto, a correria de guardas, e como o ar era mais sufocante, era um sinal de que as galerias eram fechadas , com as pesadas portas que encerravam uma da outra, e mesmo que continuassem subindo as escadas, era como se se afastassem mais da saída, pelo cansaço, por tudo. E de um momento para outro, Shiori podia crer que ele tirar uma rosa do meio dos cabelos vermelhos, e num gesto de ódio que não condizia com sua doçura nos momentos em que o conhecera, Kurama a agitou no ar, e de seu caule fino fêz-se um chicote afiado, que ele estalou no chão, ao encontrar de frente, no outro extremo da última galeria antes da sequencia final de degraus, onde no alto já se via uma pouca luz no teto, quem julgou ser aquele que ditava os comandos.

Genkai tremeu e recuou, com medo, com raiva, cerrando duramente os dentes, numa negativa rosnada. Por um momento, Shiori viu-se nela, quando achou que Kurama havia sido morto pelo herbicida ou pelo fogo espalhados na estufa que fora seu lar. Mas não era a mesma situação. Ela também recuou, quando Kurama estendeu para o lado, somente um pouco, o outro braço, como se quisesse que elas ficassem para trás.

Seu cabelo agitou-se no ar com mais força, perigosamente, e ele avançou, para rodear em um semicírculo seu oponente, e o outro também, desembainhando a espada, mostrando os dentes num riso que mal era exposto, oculto por uma estola vermelha, e com asco, Kurama via que aquela coisa ambigua e evidentemente mais alta que ele tinha apenas um olho, o outro substituído por uma torta peça de aço... Um som de repugnante deslizar, em duro atrito e vibrações, ele também sabia, aproximava-se dalí, mas não podia fazer o que o instinto lhe ordenava.

Pela primeira vez, em sua vida de rosa, Kurama ia lutar.

Estalou furiosamente o chicote, fazendo-o serpentear no ar enquanto avançava para aparar um golpe de espada que veio na direção de seu pescoço no mesmo instante. E o pior, era que mal sabia como estava fazendo aquilo, mas sabia o que fazer. Sabia que devia acabar com aquilo o mais rápido possível, que não suportaria a falta de luz e ar por muito tempo, e que o cheiro de lodo que invadia o ar era mais do que sinal do perigo de permanecer nas galerias, sabia que deveria dar um salto para a frente e tentar enlaçar o pulso do seu oponente, jogá-lo contra as paredes cheias de pontas afiadas.

Seu cabelo flutuava mais vivamente, e ele não soube notar, mas sua pele tão branca estava como antes de ele nascer... vermelha, mais escura nas extremidades, e isso o tornava um ser de ar mais ameaçador do que aquele que o atacava, sem desmanchar nunca aquele sorriso de triunfo, em mesmo que o trouxe para perto de si, a despeito da aura de pavor que Kurama emanava, quando puxou com tudo a extremidade do chicote que estava em torno de seu braço, trazendo-o junto. Eles se encararam de muito perto, e ele viu como o sorriso daquela coisa era distorcido mas não pertencia a nenhum soldado, e soube o nome, tão em sua mente quanto na sua carne, daquela coisa, nas lembranças de uma vida que não era sua, e mesmo nesta nova vida tornou a odiá-la. Se recusou a pensar em seu nome, e saltou para trás, fazendo o chicote se desfazer numa teia de galhos mais finos, cobertos de espinhos finos e afiados como pequenas navalhas.

Parou no meio da galeria, sem notar que estava com as costas curvadas numa atitude feroz e selvagem, da parte que ainda mantinha em sua mão, e firmemente enroscada em torno do braço, seu youki fêz surgir outras partes daquela renda escura e torturante, que dessa vez envolveram mais que só os braços de seu oponente. Trouxeram seu corpo para mais perto, e aquela coisa, ele pensou com raiva, nunca desmanchava seu sorriso de deboche...

Arrancando outra rosa do cabelo, Kurama lançou-a no chão, aos pés do inimigo, fazendo-a esticar-se como seu chicote, mas sozinha, subindo por uma das pernas, fazendo-a perder o equilíbrio, antes que pudesse articular um movimento preciso com a espada, para se libertar do abraço dos finos galhos espiralados. E ainda com os mesmos em torno de seu pescoço, ainda lançou um olhar de ódio para Genkai, e girou o pulso, partindo as fibras do vegetal e acertando o vazio quando Kurama desviou-se, saltando de novo, com um gesto imperceptível, querendo que sua mãe o seguisse, mas ela estava sentindo algo que ele ainda não sentia, e isso a paralisava de medo.

Genkai mal se continha de seu desejo de fugir, e Shiori teve de fazer mais força para manter a si mesma no lugar do que para não deixar a outra cientista correr, quando sentiu-se encolher em um canto, o estômago dolorosamente contraído de medo e nojo, suas gargantas contraídas com o violento enjôo de um cheiro que antecipava e anunciava a chegada da... "criança" de Genkai. Shiori mal tendo fôlego, disse o nome de seu filho, sem poder perceber sequer que ele havia feito aquele estranho youkai com a espada trocar de lugar com ele, e tinha só mais uns metros da galeria e os últimos lances de escadas para ganhar o exterior, onde, com o sol e sem o ar viciado, Kurama poderia facilmente passar pelos guardas que estavam nas saídas do castelo.

O youkai rosnou, furioso agora, livrando-se dos pedaços de plantas encima de suas vestes, mas quando ergue o braço para atacar de novo, Kurama torna a jogar uma rosa em seus pés, desta vez, uma mais escura que a anterior, exatamente, agora, da cor de seus cabelos de rubi. O gesto não cedeu, e com ele, o riso se abriu mais, com escárnio, desprezo por sua vida e suas rosas, e o youki se concentrou ao seu redor.

Sua arrogante atitude não lhe permitiu ver como aquela rosa serpenteava sozinha no chão, então, crescendo em galhos mais vigorosos que os anteriores, que não iriam apenas distrair, mas deter com eficiência, tanta que seu riso se desfêz, e Kurama recuou passos sem olhar onde pisava, intimidado, respeitoso e impressionado com o que seu youki era capaz de fazer.

Os braços do youkai foram envoltos e puxados para baixo, e suas pernas também, e com esforço, manteve-se de pé, rilhando os dentes, todos os tendões de seu pescoço de estranha e desagradável palidez, saltados com a força que fazia para resistir. Quando se soltasse... Arrancaria a pele daquela maldita aberração que recendia a rosas.

Mas ele recuava, mais e mais, repetindo deliberadamente o gesto de antes, Shiori notou, trocando olhares alternados com seu filho, divididos com Genkai e já não olhava para seu oponente, olhava para o grande arco, que esbarrava o teto, que dividia aquela galeria de paredes negras do corredor das celas, e fosse o que houvesse acontecido alí, era certo que nada mais se escutava das lamúrias constantes dos presos, que além dos gemidos e choro descontrolado, havia um silêncio que não era mais que uma calmaria de morte, e tudo aquilo era deixado no rastro da criatura que se tornara a plantinha inofensiva do chão da cela de Genkai, que surgia agora, das trevas absolutas para a penumbra trêmula e amarela, cor de chumbo, a superfície de suas cabeças, viscosas, reluzindo, e à frente, as bocas escancaradas e gotejantes de saliva fétida e infecciosa. Arrastava-se sobre raízes agora destacadas do solo coberto de sal, e se nutria dele, também, e o som que emitia, era nauseante por si só, uns ganidos inarticulados, do monstro que era, guiado pela fome, pela fúria.

Shiori viu tudo isso de muito perto, bem a seu lado, na verdade, surgindo, e Genkai nem pestanejou, seus olhos secaram ao ver ser tão abominável, arregalando-se sem crer no que via. E sem parar de olhar, deixou-se arrastar por Shiori, cortando-se quando esfregou as costas no sal das paredes, correndo rente a ela, apoiando-se nela, dormente dos cortes nas suas palmas. Tropeçou no nada mas continuou, e correu sem ver em que direção ia, escutando os protestos do oponente preso de Kurama, mas sem olhar para trás, temendo ver perto de si a viscosidade brilhante da língua da fera faminta, em busca de sua criadora, e mal pôde notar que Kurama aparou sua queda definitiva e seguiu correndo ao seu lado, estourando a lâmpada de óleo no chão, fazendo alí um lago de fogo que afastou dos passos de sua Shiori um dos tentáculos da coisa.

Um grito de gelar a espinha cortou a escuridão, e debaixo do som terrível de dor da coisa, o grito de puro ódio daquele youkai com um olho de aço, praguejando sem escolher as palavras, ou escolhendo as mais cruéis para dizer que Kurama estava destinado a morrer no fio de sua espada.
 
 

Kurama já nem sentia os pés sobre o chão, e só aquela vontade de não permitir-se morrer o empurrava a frente, sua fina pele, mais uma vez pálida, e ele, mais frágil do que antes, todo tingido daquele vermelho de ódio, na galeria, onde lutara agora mesmo. Sufocada, Shiori tossiu, quando saiu a frente para olhar ao redor, mas recebendo uma golfada de ar fresco em seu rosto, vindo de fora, embora ainda estivessem um tanto longe... Quando tentava disparar para correr mais rápido, embora suas pernas já não lhe obedecessem mais, um golpe desferido contra o chão, mas que devia Ter atingido o alto de sua cabeça a fêz parar, e olhar sem crer para a reluzente lâmina do machado de um soldado que rebrilhava na pouca luz, agora, menos ainda, que haviam perdido a lâmpada e todo o caminho se fazia recordar por um desenho trêmulo e inseguro de lembranças confusas pelo medo.

Ela parou engolindo em seco, apenas arfando, e quase gritou quando Genkai foi afastada de si pelos outros guardas e o mesmo soldado que desceu o machado tornou a erguê-lo para desta vez não errar e Kurama se pôs, e nem ele soube o que fêz até ser tarde demais, e nem soube qual motivo para justificar a voz da crueldade que ecoava das lembranças de Kurama, o Youko, que viviam nele, entre o aço e sua mãe, e enfim, Shiori, desequilibrada, caída contra a parede atrás de si, gritou por ele, e Kurama fechou os grandes olhos verdes com força, Genkai, parando de espernear, mais uma vez sem acreditar, viu que o soldado perdia a estabilidade com as raízes negras envolvendo seu corpo, o pânico tomando conta do lugar todo, e na confusão de gritos e todos querendo fugir, Shiori o puxou pela mão.

Kurama abriu os olhos com muito esforço, pois estava sem ar havia muito tempo, e Shiori notou como ele se tornava pesado assim, pesado como rocha.

Genkai percebeu que a soltavam para protegerem a própria vida, mas as raízes seguravam firme as pernas dos soldados, arrastando-os para si, enquanto sua própria forma puxava-se para cima, segurando-se com tentáculos nos caibros acima de suas cabeças. Continuaram correndo, então, sem se deixarem deter por nada, por nenhum grito de morte, por mais apavorante que fosse. E quando saíram para fora, a luz os cegou, os raios do sol que começava ainda a surgir do horizonte quase invadindo o começo do pátio, mas nem chegaram a notar nada, e as raízes vieram, do fundo da escuridão de dentro do castelo, segurando-os, com seu toque desagradável, tentando puxar primeiro Kurama, pela perna, depois, sua mãe, que tentou sem sucesso reunir forças para libertá-lo, a despeito que sua voz que era só um fio a mandasse ir, e Genkai, por último, quando tentou desviar-se das raízes.

A criatura começava a surgir para a penumbra que a sombra do castelo ainda produzia no pátio, mas...

...Quando ela se postou toda sob o sol, sua pele começou a perder a viscosidade, e seus ganidos horrendos e altíssimos eram mais fortes enquanto a planta se destruía, suas raízes, somente galhos podres e fétidos, e deles, eles se livraram, mas a surpresa de ver sua morte os paralisou no lugar, assistindo bem de perto como ela perdia seus fluidos vitais, com um fedor inacreditável, com espasmos e arrancos frustrados para voltar às trevas, e morrendo, finalmente, ao que tombava, com espasmos pequenos, inúteis e patéticos, desprendendo de sua pele um estranho vapor esbranquiçado.
 
 

"Está... Isso está morto, não é?? Por todos os deuses, diga que está!" - Shiori perguntou, sem desviar os olhos do cadáver, procurando ver se o quase desmaiado Kurama estava bem.

"C-claro. Essa variedade de fungo... não resiste a luz solar!! Eu só queria que me fizesse companhia e... Shiori, eu não acredito que ela se transformou nisso!! Ela era... Tão pequena!"

"Nào importa como, ela sempre seria destinada a ser isto, Genkai. O futuro de qualquer planta é crescer, expandir raízes e... algumas... O destino de algumas é desabrochar. Foi só por isso que viemos tirar você daqui..."

Shiori ajudou Kurama a levantar-se, sua palidez cinzenta pouco se desvanecendo com a luz solar sobre ela, sufocada pelos fragmentos de sal, pela viscosidade sobre ela. De pequenos machucados por seu corpo, Genkai notava com um fascínio sádico que fitas de sangue escorriam, e isso significava que Kurama não era tão planta assim, e parecia um perfeito nigen, com os cabelos espalhados nos ombros, sem forças nem para flutuarem.

Saiu de sua distração com Shiori chamando-a, para irem embora, antes que viessem em seu encalço.
 
 

Pararam mais a frente, numa clareira próxima de onde começava outra parte da floresta, mais isolada, mas que Genkai dizia conhecer, e que ninguém os procuraria, se entrassem mais fundo na mata.

A prisão nunca contou com muitos guardas, e como praticamente todos estavam mortos, Genkai disse-lhes,  demoraria a terem de novo um pelotão inteiro para os caçarem, mas com certeza, antes que a notícia daquela estranha fuga chegasse aos portões de Gandara, Yomi daquela sua forma muito particular, saberia que eles estavam vivos, Shiori e Kurama, a rosa.

Mas mordeu a língua para dizer que ele mesmo poderia vir, se fosse para buscar o que é seu.

Kurama apenas baixou os olhos, lamentando em segredo, por elas nunca lhe dizerem a verdade, ou pelo menos, tudo o que lhe cercava. Sua pele ardia, com a fome de sensação que retornava de vez em quando. Por sorte, um vento arrastou as nuvens que cobriam o sol, no céu que era bem mais calmo que o de Gandara, e os raios da manhã que já chegava por completo, com o sol como uma grande e quente bola de fogo equilibrada no horizonte, lhe aliviavam daquilo, mas também o faziam pensar em Yomi, se é que em algum momento desde que soube quem era ele, deixou de pensar no cego Rei de Gandara.

Mas não era o bastante, tanto não era suficiente para aquela quentura crescente que vinha de dentro dele desde quando tivera aquele sonho inundado de prazer, quanto quando quase se permitiu ceder às carícias selvagens do soldado, Kurama agora saltou para o alto de um tronco partido, não muito alto, meio apodrecido e sobre o qual, escalando-o, as trepadeiras floridas subiam pela madeira. E enquanto ele subiu, a túnica verde esmeralda caiu para o chão, e Genkai, que havia olhado apenas porque um movimento chamou sua atenção, agora não podia mais desviar a atenção e o olhar da esguia escultura de névoa que se dourava sob os fracos raios que clarearam a floresta antes negra, o terreno desconhecido descortinado a poucos metros deles.

A pele de Kurama pareceu totalmente limpa de novo, branquíssima e lisa mais uma vez, e Shiori de fato demorou um pouco mais de tempo para saber o que estava acontecendo, já que estava sentada de costas para o velho toco de árvore ainda enraizado, e tudo o que tinha a sua frente era Genkai, que tentava se livrar do grilhão em torno dos pulsos, que de repente ficou parada, com a boca aberta, simplesmente.

"O que há com você agora? Soldados? Ou aquela sua coisinha de estimação redescobriu a fotossíntese?!"

"..."

Genkai devia estar hipnotizada, pensou, exausta. Apoiou-se para o lado, e sua mão foi em cheio em cima da túnica caída, e puxou o tecido, tentando extrair significado daquilo.

"Kurama!!! Descá daí e vista a sua roupa imediatamente!!!"

Ela ficou, com seus inúteis protestos, mas também encantada com o que viu, Kurama, seu cabelo vermelho, flutuando daquela maneira de juba, e a linha fosfórea, de azul violeta, em torno dos olhos, tomando cor de novo, indo para subir pelos lados de seus cabelos.

"Shiori, por favor!! Ele é uma planta, não é? Você mesma me falou que eles seriam assim!! Deixe a natureza tomar seu curso! Vamos lá, deixe o menino tomar um pouco de sol!!!"

"Muito bem, então, mas pare de olhar assim para ele!!!!!"
 

__________
 
 

Ele escutou um peculiar tilintar de metal contra o chão, e até as vibrações deste choque contra o piso, cada vez mais próximo.

Havia passado-se cerca de quase um dia, depois de receber a errônea informação de que Shiori não havia morrido. Que ela havia conseguido tirar Genkai da prisão na fronteira, saindo de lá por conta da confusão e destruição causadas por uma ser, meio planta e meio monstro, que devorou quase todos os guardas e prisioneiros... Mas quem se importava com isso? Yomi mal conteve seu sorriso ao escutar que Shiori não estava morta, e nem sua querida e maldita rosa carmesim.

Yomi agora estava em audiência, a fuga da prisão, e o que houve durante o caos todo... Haviam causado um incidente memorável com o reino de Mukuro, já que, ela mesma, não havia perdido somente soldados, mas também havia perdido uma perna quase inteira ao lutar com o monstro-planta de saliva ácida. E pertencia a ela toda a revolta pelo ocorrido, assim como também pertencia a perna metálica, semelhante à pata de um animal, mas esquelética, implantada no lugar da outra...

"Pelo seu sorriso estúpido, Yomi, eu acho que já sabe o que me traz até o seu maldito castelo, não é?


Capítulo 6
A Rosa Escarlate
 

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