É fim de tarde.
Inverno.
A neve cai lentamente do lado de fora, um pouco vai acumulando-se sobre o parapeito da janela. Enquanto a neve desce do céu suavemente, as ultimas folhas secas da cerejeira atingem o chão. Agora é como se estivesse morta, seus galhos estão secos e retorcidos, o que a folhagem cobria está exposto agora, porém é desta "morte" que árvore renasce, com novas folhas, flores e frutos...
Uma vida nova em uma velha árvore.
Dias chuvosos e de nevada são parecidos...
Trazem nuvens acizentadas. Dias curtos com pouco ou nenhum raio de sol. O vento torna-se frio, solitário, de voz errante que canta apenas um nota.
Corro os olhos pelo ambiente ao meu redor.
O quarto está em penumbra, talvez um pouco mais claro, a temperatura é agradável.
Ajeito-me, puxo o edredom para me cobrir melhor.
Para mim, como Shuichii, sempre foram muito bons os dias de chuva, mas como Youko, nunca foi agradável, geralmente ficava molhado, com fome e a cauda arrasta ficando cheia de lama. Não podia caçar da forma que gostava de fazer sempre.
No corpo de Shuichii é bastante diferente, adoro... tem várias razões para isso...
Quando ando sob a chuva... é como se ela lavasse meu corpo, minha alma, todo meu ser, tudo por dentro e fora. Levando todos os sentimentos que me maltratavam, dúvidas, dores e angústias, porém trazendo novas perguntas e respostas. O vento frio soprando lembranças distantes à minha mente.
Eu lembro do que minha mãe disse... nasci em um dia de chuva, talvez por isso eu achasse nela uma companheira sempre disposta a me purificar. Adoro chuva...
Porém a razão mais forte de todas para gostar dela é o fato de que toda vez que vinha trazia consigo um youkai resmungão, rogando pragas contra a chuva doce que batia contra a vidraça da janela. Foi realmente um ponto bastante crucial para conquistar aquele coração fechado.
Hiei...
Meu youkai dorme encolhido contra meu corpo, bem
protegido por meus braços. Parece até um filhote. Esse filhote
é lindo e a coisa mais preciosa que eu poderia querer...
Não resisto... preciso beijar a ponta delicada do pequeno nariz arrebitado de meu koorime como sinal de minha rendição à sua inocente forma. Possuía tanta inocência o rosto infantil de Hiei, mal poderia acalmar meu coração de Youko que enche-se de ternura batendo acelerado. Aperto-o mais junto ao corpo, para protege-lo mais ainda de qualquer coisa.
Sem dúvida amo esta pequena figura de cabelos espetados.
No momento parece apenas uma criança adormecida.
Distante em seu mundo de sonhos e coisas que sua mente inventava para envolve-lo
em um espaço somente seu. Talvez este fosse o "Hiei" mais belo.
Poderia ser pela pureza tão clara, o abandono em que se deixava,
totalmente relaxado, entregue em meus braço, sem medo ou qualquer
outro sentimento negativo. Amor... só isso! Ou melhor... amor puro
com tudo que deve existir em uma amor verdadeiro.
Seu eu fosse aquele youko de antes o que teria feito com você, meu amor?
Não quero meu imaginar...
Quando faço amor com Hiei, este muda completamente. Torna-se carinhoso, atencioso. Ele é capaz de se expressar, porém sem palavras, através de atos, gestos e olhares. Uma vez ou outra o koorime consegue dizer o que sente... raramente, por isso mais preciosa se torna cada palavra. Faz tudo para mim, quer apenas agradar da melhor forma possível para que me sinta amado e feliz... É tudo que importa para Hiei e isso eu afirmo, porque é o que vejo em seus olhos vermelhos e intensos.
Sempre procuro fazer da forma mais doce que poderia com meu koorime. Mantendo uma preocupação especial para verificar se não estou machucando nem um pouco, e ele sabe deste cuidado que tenho. Procuramos o prazer máximo com cuidado e dedicação. Sempre
Hum... Hiei... Você é incrível... Te amo demais! Quero só ver o que você terá para mim quando acordar, youkai!
Há dias em que seu humor está péssimo, sem causa aparente. Mas claro, deve haver uma. Geralmente o de sempre. Trabalho que preciso ir, o fato de eu Ter esta necessidade passar o dia fora trabalhando o deixa sentir-se esquecido em casa e isso era suficiente para Hiei ficar muito triste comigo. Apesar de tudo, eu sei que me compreende...
Quando ele fica doente ou está muito indisposto por alguma razão, adora fazer charminho, especialmente o que me faz ficar culpado se precisar sair. Não tem jeito, fico em casa. Hiei tem seus truques para me pegar de jeito. Faz aquele olhar pidão, não diz nada, mas sei que pede minha companhia. Ah! Se você imaginar que só isso basta para prender uma raposa em sua toca...
De mau humor... Eu prefiro nem escutar o que diz, assim eu não fico triste nem dou motivos para que ele reclame mais. Apenas ignoro-o docemente, distraindo sua atenção, dando-lhe algo para comer ou pondo uma música calma. Admito que até divirto-me de vez em quando.
Gosto de Hiei também nos dias especiais. São os dias em que ele parece uma criança, quero dizer, criança de verdade! Sua pureza é tanta... acho que pode superar um criança. Ele faz perguntas estranhas que parecem não ter sentido algum, entretanto são coerentes demais quando você analisa um pouco as circunstâncias. Nestes dias percebo algo muito especial, e que geralmente deixa-me triste.
Sua dor quanto ao passado ainda é muito grande...
Se eu pudesse só veria meu amor feliz, alegre e radiante. Acho que ele fica assim no dias de verão, como um sol em dia ensolarado. Seus olhos acendem de uma forma que eu não posso explicar, apenas dizer que são lindos! Hiei é lindo!
Porém tem um lado que eu odeio nele.
Seu lado de criança rejeitada. Ele parece tão triste e abandonado, por mais que eu tente a dor de seu coração não passa; o pior é saber que este sofrimento não tem solução, ao menos EU não posso fazer coisa alguma para meu bebê. Hiei senta-se no janela, observa o céu, a paisagem...
É sempre assim.
Aproximo-me dele, então percebo que está tenso, abraço-o com muito carinho querendo protege-lo, livra-lo de todo o sofrimento que sufoca seu coração, sinto-o relaxar, então Hiei aninha-se contra meu corpo, esconde seu pequenino rosto em meu peito. Sou capaz de sentir seu coraçãozinho batendo descompassado batendo junto ao meu.
Agora estamos nesta época. Inverno. Pelo menos esta tristeza não dura a estação toda, apenas os primeiros dias... A mesma cena irá repetir-se, Hiei ficará sentando no parapeito da janela, observando a neve cair suavemente, apenas Hiei, suas lembranças e o silêncio...
Não gosto de lembrar de tal cena, mas sei que vou ver isto. Sempre vejo...
Quando penso nas estações do ano, penso em meu bebê. Ele é tão igual à elas...
Verão por exemplo: é quente, alegre com dias bem cheios de sol, pessoas podem divertir-se nos parques... meu youkai fica assim, iluminado, receptivo e extremamente quente, tanto para mim quanto para o youko.
Já no outono ele parece começar a esfriar, fica mais calmo, preguiçoso, só para umas coisas..., Amoroso e tem o costume de esperar-me na sala, como um gatinho de estimação pronto para receber seu dono. Também poderia afirmar que ele fica caloroso como uma boa xícara de chá.
As estações do ano do Mundo dos Humanos tem uns efeitos interessantes sobre Hiei, acho que mais evidentes do que nos próprios ningens.
Inverno... Não é preciso falar...
Então a primavera chega. Esta é especial! Os pássaros cantam, pessoas namoram, flores desabrocham, tudo fica muito mais lindo e vivo. Tem dias em que posso jurar escutar meu bebê cantando no banho. Ah! Queria que ele cantasse para mim... só consigo isso depois de vários copos de saquê... Hunf! Quem sabe um dia, não?
Hum! Teve uma vez que ele estava tão feliz que me convidou para dançar na sala, e ele não tinha bebido saquê. Nós dançamos, bastante, e terminamos no chão, sobre o carpete, bem abraçadinhos.
Não consigo parar de suspirar quando penso nele. Tudo nele é perfeito! Adoro o brilho de seus olhos, nunca vou ver olhos tão lindos... alias, apenas nela, Yukina, porém apesar de Ter a mesma cor, são muito diferentes...
A voz profunda, masculina de Hiei diz totalmente o oposto de seu rostinho infantil. Ele consegue ser tão contraditório, seu corpo é delicado, pequeno e ao mesmo tempo forte, viril... Acho que é isso que me atrai nele.
Seu cabelo espetado. Juro que da primeira vez que o vi, apesar de ter apaixonado-me, achei que era duro, por isso que ficava todo em pé, mas agora sei a razão, é delicado demais, é tão fino que não possui peso ficando daquele jeito. Essa foi uma das razão pelo qual eu tinha tanta curiosidade em tocar aqueles fios negros entremeados de branco.
- Kurama... - escuto sua voz rouca, Hiei remexe-se entre meus braços.
- O que foi, itoshii? - pergunto suavemente acariciando sua bochechinha - está com fome?
- Um pouco... - sorriu timidamente.
- Não se preocupe, vou preparar algo bem especial, certo?
- Un-hum...
- Ah! Ótimo! Agora vem cá um pouco!
Puxo-o para os meus braços até apoiar sua cabecinha sobre meu peito. Meu bebê está com uma carinha estranha, acho que já percebeu a verdadeira chegada do inverno. Muito carinho pode dar um jeito nisso.
Então percebo seu olhar insistente sobre mim. Pede coragem... Para quê?
De repente ele se afasta. Acompanho-o com o olhar, virando-se para mim murmura "vou tomar banho". Apenas balanço a cabeça afirmativamente.
Amor, o que eu posso fazer por você?
Levanto após ponderar um pouco e vou até o banheiro.
Hiei está na banheira, parece relaxar, sua cabeça está apoiada sobre a borda, olhos fechados.
- Tem alguma coisa errada?
- Nada raposa... apenas pensando...
- É? Sobre o que?
- Por que alguém iria querer meu parente? Eu não tenho nada a oferecer...
- Ainda está pensando naquilo que Yukina disse sobre desejar que você fosse o irmão que ela tanto procura?
- Sim...
- Hei, bebê! Você tem sim o que oferecer e você sabe disso, pergunte ao seu coração. Eu sei que não adiante eu ficar dizendo todos os seus valores, procure-os dentro desse coraçãozinho - deslizei a ponta do meu dedo por seu peito desenhando um coração com um pouco da espuma, pude sentir seu corpinho estremecer de leve.
- Hn. Não quero magoá-la!
- Eu sinto muito, mas se você contasse a verdade ela sofreria menos, já pensou nisso?
Não dei tempo para que dissesse nada, saí
rápido da banheiro para que ele pensasse em tudo.
* * * * * *
Não demorou muito para que Hiei surgisse na quarto. Encarou-me pouco, mas eu lia a decisão em seus olhos, pegou um roupa da suas de costume.
Fui até a cozinha para pegar alguma coisa para Hiei comer, sabia que não ia adiantar convidá-lo a sentar na mesa, então...
Quando voltei, o Koorime estava daquele jeito que odeio. Sentado no parapeito da janela. Então virou-se para mim.
- Acho que vou dar uma volta...
- É? tem certeza?
- Quase... - disse muito inseguro.
- Então o que espera? A noite está bonita e está nevando muito pouco...
- Hn! - concordou - certo, até mais tarde, raposa.
- Até, itoshii! Boa sorte!
Hiei saiu rapidamente pela janela, virou uma mancha
no meio da noite. Estava com muita pressa, talvez fosse medo de perder
a coragem.
* * * * * *
A noite passa lenta depois de sua partida.
Olho para o horizonte, não há mais nada além de uma fina neve refletindo o brilho da lua. Saio da janela e vou para a cozinha, não consigo parar de pensar em você e no que estará fazendo agora. Só peço para que os deuses lhe dêem a força que você precisa para enfrentar tudo.
A sua demora faz a minha ansiedade aumentar a cada momento... deito novamente na cama, talvez se eu dormir uma pouco o tempo passe mais rápido, embora eu saiba que fica longe, talvez ele nem tenha chegado lá...
Só resta esperar para mim!
* * * * *
Uma breve oração de agradecimento cruza os pensamentos do koorime. Sorrindo, Hiei senta-se um pouco em um galho de árvore ali próximo ao templo. Os galhos estão encobertos por uma fina camada de neve, um pouco escorregadio.
- Finalmente... - sussurra o youkai.
Sim, finalmente. Sua ultima barreira havia acabado de cair.
Ou pelo menos umas das últimas...