Não consigo sentir
Umi no Kitsune

Capítulo 1
Foi de madrugada que o laptop tocou. Um e-mail tinha chegado e o sinal sonoro que Heero deixava ligado durante a noite despertou-o do seu sono sem sonhos facilmente.

Abrindo os olhos sem piscar, Heero logo se levanta e alcança o aparelho sem dar mostras de que acabara de acordar. Ele levanta a tampa do laptop e abre a caixa de correio eletrônico. Depois de ler o e-mail por inteiro, Heero olha de relance para a figura relaxada na cama oposta a sua. Duo estava dormindo profundamente, ressonando baixinho como um filhote de gato, encolhido sob as cobertas por causa do frio.

Suspirando, Heero volta a sua atenção para o e-mail e verifica se o remetente é mesmo o Dr. J. Sim, o e-mail é dele mesmo... mas a missão é muito... estranha. Claro que Heero nunca se importara com o tipo de missão que lhe era dada, mesmo se fosse para matar a si mesmo ele a cumpriria. Mas essa missão era realmente muito estranha.

De novo, Heero volta sua atenção para Duo. Ele se levanta e aproxima do piloto adormecido.

"Duo.", Heero chama com uma voz de comando, não obtendo reação nenhuma, "Duo, acorde. Nós temos uma missão.", ele chama de novo, conseguindo apenas um ronronar do outro. Com uma mão ele sacode o ombro visível de Duo.

"hummm... ", Duo ronrona de novo mas dessa vez abrindo os olhos em piscadelas lentas, "Heeeeeroooo... eu quero dormir... me deixa...", ele geme sonolento e dá as costas para o piloto do Wing, cobrindo a cabeça com o cobertor.

Impaciente, Heero puxa o cobertor jogando-o no chão. Duo primeiramente se encolhe mais por causa do frio e depois gira o corpo para encarar com um olhar nada amigável o outro piloto.

"Heero, será que dá ou tá difícil?"

"Nós temos uma missão.", Heero disse mais como um aviso do que uma explicação

"Agora???", Duo reclama choramingando para depois fechar os olhos e deixar-se cair no travesseiro dando um bocejo, "Eu tava num sonho tão bom...", ele comenta baixinho mais para si mesmo.

"Duo...", Heero o chama já sentado de novo a frente do laptop.

"Que...", uma voz chorosa e sonolenta vem como resposta.

"Venha ver se aceita para que eu possa mandar logo a resposta para o Dr. J."

Mal Heero terminou falar, olhos cor de violeta se abriram assustados e Duo se sentou na cama olhando desconfiado para a figura apática na escrivaninha.

"O que você disse?"

"Você precisa me dizer se aceita fazer essa missão para que eu possa..."

"Você quer saber se eu aceito?", Duo perguntou incrédulo, "Você nunca me perguntou isso antes!!!", um silêncio incômodo caiu sobre os dois; piscando várias vezes, Duo suspira e diz com a voz cheia de sono de novo, "Aww.... eu ainda tô dormindo...", ele conclui se jogando no travesseiro e encolhendo as pernas, "Hn... tava muito bom pra ser verdade..."

"Você não está dormindo. Eu quero que você veja essa missão. Ela é...", Heero parou escolhendo a palavra certa para classificar a nova missão, "... atípica."

"Certo. Você me convenceu...", Duo responde se levantando e indo em direção ao laptop, "Sonhar com você tentando escolher as palavras é muito, até pra mim...", ele se apóia nas costas da cadeira de Heero e sorri, "Não é um sonho, é um pesadelo. Afinal, quem ainda não sonhou com o Apoca... lipse? Essa é a missão???", Duo quase grita incrédulo.

"Você aceita ou não?", Heero disse sem se mexer, apenas com os dedos levemente apoiados sobre o teclado esperando a resposta de Duo.

"Bem... er... realmente atípica, né?", ele responde buscando o final da trança, "Aceito, ué? Fazer o que?", os dedos de Heero se movem rápidos e logo uma janela informando que o e-mail foi enviado com sucesso aparece. Duo suspira e diz bocejando, "Posso dormir agora, senhor Yui?"

"A missão...", Heero ia começar, mas Duo o interrompeu

"Pode muito bem esperar.", ele diz pegando o cobertor do chão e estendendo-o sobre sua cama, "Afinal, o que eles estão pedindo é bobagem... eu faço isso 24 horas por dia 7 dias por semana...", ele diz sorrindo voltando a encarar Heero, "Oh... mas não se preocupe, Heero, eu te ajudo..."

"Hn."

"Hehe... se o soldado perfeito quer começar a sua parte agora eu posso te dar uma pequena mãozinha... mas depois eu vou dormir!"

Sem dizer nada, Heero apenas deixa que Duo se aproxime sorrindo maliciosamente. Os braços passam pelo seu pescoço aquecendo-o de uma forma inesperadamente agradável e o corpo esguio é colado com as curvas encaixando-se exatas e minuciosas com as dele. O rosto de Duo fica a milímetros do de Heero e então, com uma aproximação lenta, os lábios se roçam. Uma língua quente e molhada contorna os traços finos e rígidos da boca do piloto do Wing e este se condena mentalmente por tremer ante ao toque. Mas depois, ele percebe que Duo não está mais lá, e sim já se cobrindo até a cabeça com o cobertor e sussurrando um boa noite acompanhado de uma risadinha fraca.

Heero percebe então que suas palmas estão fechadas em punho e a força das pernas começa a falhar. Ele comanda internamente que seu corpo relaxe e caminhe até a cama, a sua cama. Deitado, Heero leva uma mão aos lábios tocando-os de leve com os dedos. Ele passa devagar a língua por eles e sente um gosto diferente. Um sabor novo e muito gostoso.

Sentando-se num ímpeto, Heero olha para a Duo e examina-o com curiosidade imaginando o corpo sob o grosso cobertor. Ele suspira, colocando os pensamentos em ordem. Tinha que anotar isso, teria que começar a fazer o relatório para a missão desde já.

Mas, antes mesmo que Heero pudesse fazer menção de se levantar da cama, uma voz sonolenta mas alta preenche o quarto e interrompe os pensamentos dele.

"Nem pense em começar a digitar naquela porcaria agora. Eu quero dormir! Amanhã eu te beijo de novo se quiser, mas agora eu quero dormir!!!"

Sem mudar a expressão em seu rosto, Heero dá as costas para Duo e se cobre. Mentalmente ele ordena para que seu corpo descanse e relaxe. Em poucos minutos, os dois pilotos estão dormindo.
 
 


***********




"Duo..."

De novo, Heero estava próximo a Duo tentando acordá-lo sem sucesso. Cansado, depois de chamá-lo cinco vezes, ele pensa na missão e decide fazer o que estava com vontade de fazer.

Mas... o que fazer? Heero não era muito bom nisso, não tinha prática nenhuma em deixar-se levar por vontades e prazeres, ninguém o treinou para isso. Então ele pensou. Ele tinha que acordar Duo, afinal o idiota também fazia parte da missão. Ele estava ficando irritado com o sono pesado dele, logo, ele tinha que achar um jeito de acordá-lo e que ao mesmo tempo ensinasse uma lição.

A primeira coisa que veio na mente de Heero foi atirar em alguma parte não-vital de Duo. Mas, o inconsciente distante da sua mente disse que isso seria exagero. Seria "sentir" demais, no caso de Duo, claro...

Sentir... essa era a missão que foi dada aos dois. Passar uma semana como civis, pessoas normais e... sentir. Depois enviar um relatório aos respectivos cientistas. Heero suspirou impaciente. Como era suposto ele completar essa missão? Sempre foi treinado para negar os sentimentos, qualquer existência deles. Agora queriam que ele, do nada, se desmanchasse em emoções.

Duo murmurou algo baixinho enquanto dormia, chamando a atenção de Heero, que pensou como a missão seria simples para ele. Claro, o idiota faz isso 24/7, como ele mesmo disse! Duo não teria problemas em sentir... Isso é muito frustrante!

Heero concluiu seus pensamentos dizendo a si mesmo que era melhor agir sem pensar do que pensar e não agir. Pelo menos Duo faria desse jeito...

Falando nele, Heero afastou as cobertas e levantou o piloto dorminhoco em seus braços. Ainda dormindo, Duo se movimenta e esconde o rosto no peito de Heero e agarra um pedaço de sua regata. O piloto do Wing prende a respiração e tenta gravar todas as emoções que passam pelo seu corpo, todas causadas pelo simples gesto de Duo.

Inspirando profundamente, ele ajeita Duo em seus braços e caminha na direção do banheiro. Devagar, ele deixa Duo sentado no azulejo do box, bem embaixo do chuveiro. Dá uma última olhada para a figura seca e aquecida do americano e abre a torneira.

Duo nem consegue gritar. Ele abre os olhos no mesmo instante que a primeira gota de água fria encontra o seu cabelo e desliza entre os fios, pelo couro cabeludo, passando pelo pescoço e, nessa hora juntamente com outras milhares de gotas, desce pelas suas costas e peito, fazendo-o arquear o corpo e abrir a boca num protesto mudo de frio.

Depois de alguns segundos tentado se encontrar, no meio do seu cabelo encharcado, sua roupa ensopada e a água que não parava de cair, Duo consegue se mover, apesar de achar que seu corpo todo congelara, e estica uma mão, depois a outra, e vai engatinhando até o outro lado do box, tilintando de frio.

Quando alcança a parede, Duo se vira para o jato forte de água a sua frente e se senta comprimindo-se contra o azulejo, como para garantir que mais nenhuma gota congelante chegue ao seu corpo ainda dormente. Ele olha, com os olhos arregalados e respirando profundamente por causa do susto, quem é o culpado disso.

"Seu... psicopata filho de uma puta maníaco suicida!!!", ele pára para respirar e depois volta a gritar, "Por que você fez isso comigo??? Por que? Me dê um bom motivo para eu não grudar a sua língua no congelador da cozinha!!!"

"Eu precisava te acordar e senti vontade de fazer isso.", Heero disse simplesmente, olhando-o como se estivesse extasiado, aproveitando muito da visão do americano com o corpo encolhido ao mesmo tempo em que este vociferava na sua direção, como um gato acuado.

"Sentiu vontade?", Duo perguntou incrédulo, "Você sentiu vontade?", Heero apenas afirmou com um movimento de cabeça. Duo levantou-se irado e num ímpeto agarrou as alças da regata de Heero e o puxou com toda a força para debaixo do chuveiro.

Heero se segurou nas laterais do box, mas, como Duo foi muito rápido, todo o seu rosto e parte de seu cabelo já estava encharcado. Uma idéia surgiu rápida em sua mente e Heero se soltou. Com o seu peso livre e a força e o peso de Duo os dois pilotos bateram contra a parede, mais especificamente as costas de Duo, e escorregaram, caindo um em cima do outro debaixo do incessante jato de água fria.

De tanta raiva, Duo não notou que, durante a queda dos dois, Heero o abraçou. E o fez de um modo que, com uma mão em sua cabeça e outra em sua cintura, o choque dele contra o chão não fosse tão doloroso, ao contrário de Heero. Mas, mesmo já no chão, com os braços de Heero em baixo de si e o próprio Heero em cima, Duo só conseguiu pensar na raiva e no modo esdrúxulo como foi acordado.

"É melhor prestar mais atenção quando for vestir sua bermuda na próxima vez!", ele grunhiu bravo, "Pois pode encontrar gelo seco perdido entre o tecido!", debatendo-se, Duo conseguiu se soltar de Heero e se pôs de pé, no canto oposto ao jato de água, "Sai daqui.", ele ordenou bravo ajeitando os cabelos que grudavam em seu rosto e pescoço.

Heero levantou-se e uma pequena curiosidade em saber o que Duo ia fazer a mais no banheiro o atingiu. Sendo o soldado perfeito, o natural era extinguir ou esconder ao máximo essa curiosidade. Mas, como estava em uma missão um tanto quanto estranha, ele também podia se dar ao luxo de ser estranho.

"O que você vai fazer?", ele perguntou, se fazendo indiferente enquanto saia do box e puxava uma toalha para se secar.

"Não é da merda do seu interesse!", veio a resposta grossa e mal-humorada de Duo, que fechou a porta do box com força e ligou o chuveiro no Inverno.

"Hn. Pelo menos acordou.", o piloto do Wing comentou, sem conseguir deixar escapar um leve sorriso

"Cala a boca!"

Heero estava de saída quando viu, entre o vidro ainda não muito embaçado do box, Duo tirando a roupa e jogando as peças num canto. Uma pena o banheiro estar cheio de vapor agora. Depois, com um cuidado esmerado e lentamente, ele foi tirando o elástico que prendia a ponta de sua trança. Quando o elástico soltou, ele foi delicadamente desfazendo a trança e soltando os fios, que iam grudando em seu braço e em sua cintura.

Chegando perto do pescoço, Duo jogou a cabeça para trás e deixou que a própria água desfizesse as últimas voltas, soltando por fim todo o cabelo. Heero ficou maravilhado, Duo parecia não se dar conta da presença dele e se mexia naturalmente como se estivesse mesmo sozinho no banheiro. Mas para o piloto do Wing, apesar dos movimentos serem simples, eles eram muito perturbadores, pois tinham uma leveza e sensualidade que fazia-o pensar se Duo não estava na verdade, se mostrando, em um show particular.

Como uma nota mental, o piloto do Wing concluiu que, trabalhando com Duo, essa missão seria muito mais fácil do ele poderia imaginar. Não fora apenas o beijo que o americano dera nele de madrugada, coisa que o deixou muito perturbado de noite tanto que acordou mais cedo que o habitual e ficou sentado observando-o dormir.

Agora há pouco, quando estava em seus braços ainda dormindo e também quando estava todo molhado encostado contra a parede, Duo conseguiu deixar o corpo de Heero em um estado de... eletricidade, talvez, não sabia definir direito. Eram arrepios, um calor que dominava todos os seus músculos, sentia vontade de tocá-lo, de ver todo aquele corpo molhado e encolhido perto do seu.

E depois, quando Duo e ele caíram debaixo d’água... estava tão bom... claro, tinha a dor nos braços dele por causa do tombo, mas ter o corpo do americano debaixo do seu era... tão certo... Naqueles poucos segundos, no chão, Heero teve que lutar contra uma vontade inesperada de prender Duo ali mesmo e de conhecer, pelo toque, o corpo dele.

Devagar, Heero notou um certo incômodo, principalmente, na região entre as pernas. Mas, como bom soldado ou como estava muito ocupado admirando Duo, ignorou esse incômodo estranho.
 
 

Quando terminou o banho, Duo abriu a porta embaçada do box e então notou assustado a presença de Heero. Como já estava com a mão a meio caminho da toalha, ele rapidamente agarrou o tecido felpudo e o enrolou na cintura.

"O que você ainda faz aqui?", perguntou ainda um pouco bravo, mas mais calmo já que o banho aliviara um pouco a raiva anterior, "Gostou do show?", ele perguntou sarcástico.

"Muito.", Heero respondeu sério, já com a postura recobrada

Duo ficou sem palavras. Repito. Duo ficou sem palavras! Heero tinha dito o que ele achava que tinha escutado? O soldado perfeito disse que gostou de... vê-lo... tomando banho... nu? Claro que teria que ser nu, ele não estava lá apenas brincando com a água. Mas o que importa é que Heero disse que tinha gostado, quer dizer, gostou muito do show... er... banho dele!

Pense, pense, pense!!! Não era para ele se dar melhor nessa missão? Heero estava se virando muito bem em sentir... até demais! Observou Duo.

"Heero... er... eu sei que você gosta de ser perfeito em tudo mas...", Duo começou se aproximando lentamente, "Mas não precisa se esforçar tanto assim para sentir... entende?", ele terminou dando um tapinha no ombro de Heero e saindo em direção ao quarto, mas antes, "Ah... nem precisa sentir tanto assim. Ainda temos uma semana, Heero. Se acalme e tome você um banho... frio.", ele riu apontando para o volume que ameaçava rasgar a bermuda de Heero.
 
 
 
 

Já seco e vestido, enquanto se ocupava do trabalho que era pentear seu cabelo, Duo não conseguiu deixar de pensar em como, de um certo modo, foi bom Heero ter sentido aquilo por ele. Afinal, ele apenas o viu tomando banho e ficou com aquela enorme ereção despontando agressivamente sem mesmo perceber. Ou será que ele percebeu e, contrariando a missão, escondeu isso? Duo suspirou, sorrindo para si mesmo. O que importava era que de um jeito ou de outro ele descobriu que Heero gostava dele... quer dizer, do corpo dele.

"E muito, como ele mesmo disse!", Duo falou alto para si mesmo, sorrindo.

"Com quem você está falando?", veio a voz impessoal de Heero cortando seus pensamentos.

"Comigo mesmo. Mesmo você presente ou não eu sempre vou ficar sozinho...", O americano faz uma cara de criança abandonada e recebe um olhar bravo como resposta, "Ui... isso fere meus sentimentos! Como você espera que eu complete a missão se só me deixa triste? Isso não basta pa--"

"Me desculpe, eu...", Heero disse de repente, segurando as mãos de Duo entre as suas.

"Pode parar, Heero. Eu não caio nessa.", ele disse retirando suas mãos, "Você não vai sentir nada sendo falso, já devia saber.", como Heero não disse nada, Duo continuou, "Você finge que mata alguém?", ele negou com a cabeça, a impaciência tomando conta dele, "Então. É a mesma coisa. Você não finge que se arrependeu de algo, simplesmente ou está arrependido ou não. Ou você mata ou você morre, entendeu?"

"Hn."

Queria pedir desculpas, sim, naquele momento. Não era pelo modo como acordara Duo, longe disso, mas por ter ficado no banheiro enquanto ele tomava banho. Era um momento privado e Heero não o respeitou, ao contrário... Também não gostaria de saber que alguém espiou seu banho e a reação de Duo foi quase tranqüila, com ele o vouyer estaria morto agora. Então, Heero se sentiu... envergonhado. Não só pela ereção que conseguiu, e que ficou tão evidente, mas... por ter olhado.

Só que pedir desculpas é uma tarefa muito complicada, pensou Heero. Ainda mais se as desculpas são dirigidas a Duo, que, no caso, não acreditou nelas, nem deixou ele terminar de falar. Não que fosse problema muito grande, Heero poderia muito bem conviver com isso, mas se ele não quer escutá-lo, que importa?

"Ótimo. Mas!", Duo se levantou jogando a trança por trás do ombro, "Seria muito simpático da sua parte se arrepender do que fez comigo. Mas, de novo, como você nunca foi e nunca vai ser simpático... acho que nem irei ficar sentado esperando pelas suas desculpas."

Duo ia se levantar quando percebeu que estava preso. Heero segurava firmemente a ponta de sua trança e tinha um olhar que não podia ser ignorado.

"Duo...", ele começou com uma ponta de raiva na voz. Duo apenas ergueu uma sobrancelha, "Eu quero...", ele tentou falar de novo, mas estava difícil.

Realmente muito difícil. Essa missão maluca era realmente muito difícil. Além de ter que ficar escutando, e prestando atenção, nos discursos do idiota americano, Heero se via obrigado a pedir ajuda a ele. Sabia que se ficasse sozinho não faria nada. Não saberia o que fazer, para onde ir ou quem procurar. Afinal, Heero nunca vivera como um humano normal, de repente, ter que se fazer passar por um era muito complicado.

Todas as coisas que lhe foram ensinadas, tudo o que aprendeu com Odin, com Dr.J, com ele mesmo durante a guerra, agora de nada valiam. Eram inúteis, essa era a verdade. Durante essa semana inteira ele teria que negar tudo o que aprendeu e não tudo o que um humano deveria ser: um ser que sente, que tem sentimentos... que erra.

Sentimentos. Heero aprendeu a negá-los e, não apenas escondê-los, mas exterminá-los. Mas agora teria que mostrá-los. Como? E se não for o sentimento certo na hora certa? E se falhasse? Bem, aí ninguém poderia culpá-lo, pois humanos erram. Mas Heero Yui não erra! Heero Yui não sente. Heero Yui não teme.

O que estava temendo agora?

"O que quer me dizer, Heero?", a voz de Duo surgiu respondendo os seus pensamentos.

"Duo, você vai me ajudar?", curto e direto

"... er... eu...", Duo estava surpreso, pra não dizer abismado. Depois, recomposto do susto, ele respondeu, "Claro que vou te ajudar! O que você faria sem mim? Não saberia o que fazer, para onde ir ou quem procurar... Sem mim você está perdido!"

"Duo...", dessa vez Heero o chamou advertindo-o, mas internamente estava espantado como Duo adivinhou seus pensamentos, e estava também aliviado, porque eles estariam juntos.

"Vem! Vamos marcar algumas coisas interessantes para essa nossa semana de férias!", Duo disse sorrindo enquanto descia as escadas para se encontrar com os outros pilotos.
 
 
 
 

"Bom dia!!!", Duo surgiu de repente na cozinha, chamando a atenção de todos e sentando-se ao lado de Quatre, "Hummm... que fome, cara!"

"Bom dia, Duo!", respondeu educadamente Quatre, colocando um prato na frente de Duo.

Logo depois, Heero também entrava na cozinha, mais discreto, sendo notado apenas quando ocupou o assento em frente de Duo. Trowa cumprimentou Duo com um aceno de cabeça e Wufei permaneceu em silêncio como se nada tivesse acontecido. Para Heero ambos nem se mexeram, o que não incomodava nem um pouco o soldado perfeito.

"Vocês acordaram tarde hoje.", Quatre perguntou casualmente antes que Duo tivesse a chance de iniciar uma de suas conversas sem fim.

"Oh, chegou uma missão pra gente hoje de madrugada.", Duo explicou enquanto mastigava o café da manhã, "Sorte minha que eu consegui convencer o Heero a iniciá-la agora de manhã.", ele pensou por um instante e concluiu, "Bem... talvez se eu tivesse ficado com ele de madrugada hoje nós não estaríamos atrasados para o café por causa do banho que Heero me AI!!!"

"O que foi Duo?", Quatre perguntou preocupado.

"Heeeeerooo, se você ainda não percebeu, seu pé ainda está em cima do meu!!!", Duo choramingou bravo, tentando soltar seu pé.

"Er... eu e Trowa estamos partindo hoje para uma missão também.", Quatre disse tentando mudar o assunto.

"Hn. Eu também.", Wufei afirmou se preparando para partir.

"Todos recebemos uma missão hoje de madrugada?", Heero perguntou mais para si mesmo

"Parece que só você ainda não percebeu isso, Heero. Agora dá pra tirar o seu pé de cima do meu?!?", Duo resmungou

"Hn. Isso é estranho. Qual é a missão de vocês?", Heero perguntou ignorando os chutes do outro pé de Duo na sua perna.

"Confidencial.", Wufei, Quatre e Trowa responderam ao mesmo tempo.

"Heeeeerooooo!!!!", Duo mais grunhiu o nome do piloto japonês ao perceber seu outro pé também fora preso por ele.

Logo depois que Quatre, Trowa e Wufei levantaram da mesa, Duo levantou-se também levando a mesa e o café junto, mais precisamente na direção do colo de Heero, que estava sentado absorto em pensamentos.

"DUO!", ele gritou se levantando a tempo de ver somente um relance da trança de Duo desaparecer no corredor. Heero, claro, foi atrás dele, mesmo deixando um rastro de comida pelo caminho que caía de sua roupa.

Ainda na cozinha, os outros três pilotos se entreolharam curiosos.

"Duo teve muita coragem dessa vez, não acham?", Quatre perguntou preocupado.

"Eu acho que ele vai morrer hoje.", sentenciou Wufei, "Pena que quando isso acontecer eu não estarei mais aqui para apreciar...", ele disse saindo pela mesma porta por onde Duo e Heero saíram correndo.

"Wufei!", Quatre ia protestar mas uma mão em seu ombro o parou.

"Duo vai ficar bem, não se preocupe, por mais que pareça estranho, Heero vai cuidar dele. Ou quem sabe até o contrário?", Trowa disse baixinho passando um braço nos ombros de Quatre, "Vamos aproveitar nossa missão."

Quatre piscou algumas vezes até sorrir timidamente, "Sim, vamos aproveitar."
 
 
 
 
 
 

"Duo!!!", Heero escancarou a porta do quarto, fazendo a maçaneta bater e deixar uma marca na parede.

"Qual é o seu problema, Heero?", Duo perguntou mostrando a língua desaforadamente, "Foi minha vingança por hoje de ma--", o discurso foi interrompido com as mãos de Heero em seu pescoço, "He-Heero... me larga!!!"

O piloto do wing estava sentado sobre o corpo de Duo, com suas mãos, sujas de comida, pressionando o pescoço cada vez mais contra o chão, seu olhar não dizia nada e parecia que a raiva de segundos atrás transformara-se em uma calma típica de quando vai matar um inimigo.

Inclinando-se, Heero sussurra no ouvido de Duo, ainda sufocando-o com as mãos, "Nunca mais faça isso.", e soltou-o levantando-se e deixando-o estendido no chão, recuperando o fôlego. Ao dar as costas para o americano, escutou uma risada fraca, acompanhada de tossidas por causa da necessidade de respirar e não rir ou falar. Mas mesmo assim, Duo falou:

"Idiota...", e tossiu, com a mão massageando o pescoço vermelho, "Grande idiota!"

Heero voltou-se com um olhar cheio de raiva, disposto a fazer o americano aprender de vez a lição, mas seus ouvidos foram pegos antes.

"Fique sozinho, então.", Duo declarou bravo, "Fique sozinho e, sozinho, complete essa missão maluca que nos deram.", ele se levantou, Heero percebeu os olhos cor de violeta rasos d’água, mas também cheios de rancor, "Imagino como não vai ficar o seu relatório para aquele psicótico do Dr.J... ou um e-mail em branco ou apenas raiva e ódio, raiva e ódio, raiva e ódio... é só isso que você consegue sentir mesmo, né?", Duo deu dois passos a frente e ficando ao lado de Heero, que estava impassível olhando para o nada, suspirou, "Você nunca vai ser humano, Heero, desista dessa missão."
 
 
 
 
 
 

Um estrondo no andar debaixo acordou o sono leve de Heero, que não se deu ao trabalho de verificar o que era, pois sabia que era Duo. Era a segunda noite, o segundo dia de missão e Heero estava sozinho. Duo prontificou-se a nunca parar um segundo dentro de casa, sempre saindo com alguém ou para algum lugar, voltando tarde da noite e dormindo como uma pedra até a tarde do dia seguinte.

Heero estava pensando seriamente em desistir mesmo da maldita missão. Como previra, e como Duo dissera, ele não soube para onde ir, o que fazer ou quem procurar. Heero tentou, mesmo. Ele saiu as compras, caminhou por um parque, chegou a ser voluntário dos bombeiros em um incêndio no prédio próximo a casa, mas nada de novo aconteceu. Então ele voltava para casa, sentava em frente ao laptop e tentava escrever alguma coisa em seu relatório. Mas escrever o que se nada acontecera?

Algo estava estranho, Duo não fez mais barulho. Já era para ele ter subido as escadas e estar dormindo como uma pedra ao seu lado. Mas o único barulho que o americano fez foi o primeiro de minutos atrás, ao entrar na casa.

Heero se levantou e desceu as escadas para ver o que tinha acontecido. Quando acendeu a luz da sala, deparou-se com Duo no chão, com a mesinha de canto quebrada em sua mão, e um corpo em cima dele, desmaiado provavelmente por causa da mesa em sua cabeça.

Duo tentava a todo o custo retirar o corpo de cima dele, mas parecia que não tinha forças nem para levantar mais a cabeça. Heero foi até ele e ergueu o sujeito.

"Quem é ele?"

"Um idiota...", Duo não percebeu o olhar feroz de Heero pois estava com os olhos fechados, "Um idiota que achava que podia brincar com Shinigami!", ele gritou mostrando em sua voz o quanto estava bêbado, "Ninguém brinca com Shinigami a não ser que Shinigami queira brincar."

"Hn."

Deixando Duo ainda no chão discursando sobre ele mesmo e o outro significado do verbo "brincar", Heero levou o rapaz desmaiado para fora da casa, achando um carro que pressupôs ser dele. Não importava, Heero abriu o carro mesmo sem as chaves e dirigiu até uma estrada deserta, deixando o sujeito desmaiado no acostamento e dirigindo de volta para casa. Ele escondeu o carro em uma rua próxima e voltou andando para casa. Ao voltar, Duo ainda estava no chão, mas quieto, olhando para o nada.

Quando notou Heero, Duo estendeu os braços, como uma criança pedindo colo depois de se machucar. Heero o tomou nos braços, sentindo ser abraçado pelo pescoço.

"Heero... eu estou com frio.", o americano bêbado disse baixinho se encolhendo, "Você me esquenta?"

Heero não respondeu. Continuou subindo as escadas, até chegar ao quarto e depositar o piloto bêbado e sonolento na cama. Mas Duo não soltou o abraço em seu pescoço e sim o puxou junto, dizendo claramente, com gestos, que queria Heero com ele na cama.

"Duo, me solte."

"Não...", uma voz chorosa respondeu.

Duo não fazia força, só estava com os braços pendurados no pescoço de Heero, puxando-o com seu peso. O piloto japonês poderia facilmente se soltar sozinho, mas por uma razão que não sabia definir, ficou lá, esperando Duo tomar a iniciativa.

"Você disse que ia me aquecer..."

"Eu nunca disse isso."

"Mas você vai... quem cala consente!", com um leve puxão, Heero se inclina sobre Duo, "Shinigami quer brincar com você... por isso eu bati naquele idiota... porque Shinigami quer brincar com você e não com ele."

"Duo, você está bêbado e beirando o sono. Você não me quer, me solte.", Heero se achou muito patético ordenando que seja solto.

"Não... Shinigami sempre sabe o que fala, fica aqui comigo, Heero... me esquenta...", com isso os braços de Duo se soltaram do pescoço de Heero e seus olhos se fecharam, o sono envolvendo-o por completo.

Mesmo livre, Heero continuou lá, observando Duo. Ele passou uma mão na própria testa e notou que suava. Estava quente, sentia todo o seu corpo quente. Como na vez em que Duo o beijou e quando o viu tomando banho. Heero percebeu que o americano tremia levemente e se encolhia.

Sem se preocupar com as conseqüências, Heero deitou ao lado de Duo e o abraçou, sentindo o tremor desaparecer e ele mesmo relaxar aos poucos enquanto voltava a dormir.

Continua...



Capítulo 2
Gundam Wing
Hosted by www.Geocities.ws

1