Ineludíveis
Umi no Kitsune


Moiras: As três deusas que decidiam o destino individual dos antigos gregos. Moira significa <reguladora>. As três Moiras eram Cloto (a fiadora), Láquesis (a que joga a sorte) e Atropo (a ineludível). Filhas de Nix (a noite), as Moiras eram representadas como três anciãs que teciam em forma de fio o destino dos homens. Cloto o estirava, Láquesis o media e Atropo o cortava. Freqüentemente comparadas às Nornas, as três deusas da mitologia germânica, representadas por Urd ( o passado), Verdandi ( o presente) e Skuld ( o futuro). Conhecidas pelos otakus como as três deusas do anime "Ah! Megami-Sama!".
Isso é apenas curiosidade. Não vá se animando pensando que vai encontrar a Urd fazendo o Kurama de cobaia amorosa enquanto a Belldandy toma o lugar da Shiori e começa a lavar louça (sob protestos desta, óbvio!) ou a Skuld enchendo o saco do Hiei. É até uma boa idéia...^^, mas não é o que você vai encontrar aqui.


"Ah! Seu corpo perfeito! Demônio de beleza e cinismo! Ah! Me pertence, forma mortal! Não deixarei que escape! Seus beijos, seus olhos, suas mãos, seu corpo em mim! Ah! Qual mal, qual castigo? Deusa e demônio, mortal e imortal? Quero-o meu e agüentarei, por ti, a vingança de Zeus! Ah! As desgraças que cairão sobre mim... a cobiça por um corpo! Ah! Seu corpo e somente seu corpo..."

Quente, aconchego, conforto, muito gostoso. Dois seres juntos, abraçados, dividindo o mesmo calor. Jovens de corpos bem-feitos, motivo de inveja para muitos, de admiração para poucos. Um casal unido fisicamente, abençoado pelo suor, consagrado por suspiros, regido pelo desejo. Estavam relaxados, respiração lenta e rítmica. Ela abriu os olhos, um cinza infinito mirando o amante. Sorriu, os lábios rosados numa curva delicada. Um suspiro. Tinha orgulho de seu amante. Com a mão retirou uma mecha de cabelo que impedia a completa admiração do semblante masculino. Quando os fios lhe escaparam dos dedos, a mão travessa procurou pela orelha. Esta tremeu, ele murmurvaa algo no sono, mas continuava tranqüila sua face. Os dedos passaram um a um pelo seu topo pontiagudo e felpudo. A cauda se moveu e displicentemente caiu apoiada na perna feminina nua. Ele acordou. Antes de abrir os olhos um sorriso e uma mordida sexy no lábio inferior. Os olhos se encontraram. O cinza frio intimando o dourado quente a brincar.

- Desculpe. Não queria te acordar.

- Mentirosa. - o youko prendeu-a sob seu corpo - Me acordou de um sonho muito bom...vai ter que compensar.

- Ah, é? E como era esse sonho?

- Tinha uma mulher maravilhosa, linda! Que olhava escondido um youko prateado...

- Hummm... interessante, a parte do youko.

- Um dia ele descobriu a bela espiã, nua! Dormindo calmamente em sua caverna.

- Além de espiã invade propriedade alheia? - a moça riu, feliz por ele lembrar-se de como conheceram-se - Quem é essa sirigaita?

- Ah...ela é linda! - ele passou a mão calmamente nos cabelos dela - Tem longos cabelos negros e cacheados, olhos de céu em chuva de verão, uma voz doce e delicada e mãos extremamente ágeis. - durante um beijo longo, ele buscou a mão feminina e a trouxe até a cintura.

A moça soltou-se dos lábios famintos e buscou por ar antes de rolar, fazendo-se sobre seu amante.

- Preciso ir... - ela abaixou a cabeça sem vontade nenhuma de cumprir o que dissera.

- Agora? Por que? - ele a incitava beijando seu pescoço, enquanto fazia voz de pena.

- Eu preciso. - ela lançou-lhe um olhar consolador.

Tinha seus motivos. Não era mortal. Era uma deusa. Tinha obrigações a cumprir. Suas irmãs também esperavam. O dia já ia nascer, não podia perder tempo. Se bem que com seu youko, nunca perdia tempo. Apoiando as mãos delicadas no tronco definido, ela sentou no colo dele e depois de se inclinar para um beijo, levantou-se. Sentindo o olhar quente sobre si, vestiu lentamente, propositalmente sedutora, sua túnica verde clara. Era apenas isso que usava, prendendo na cintura um cordão longo e fino, que dava algumas voltas e sua ponta pendia na lateral. O tecido alcançava seus pés e chegava a arrastar no chão. Como fora vestido sem a verdadeira função de cobrir, um ombro era deixado à mostra acompanhando a curva do seio, uma perna volta e meia aparecia de novo, nua. O youko levantou-se, ainda não conformado com a partida da amante, abraçou-a por trás fazendo sua nudez roçar contra as curvas descobertas. Ela fez que gemeu e virou-se para encará-lo.

- Não faça isso... você sabe que eu volto de noite... me espere.

O youko abaixou a cabeça com um olhar de culpa, encostando testa com testa.

- O que foi?

- Não vou estar aqui de noite. - a voz saíra séria, ele a abraçava pelo quadril.

- Mas por que?

- Marquei com meu bando para saquearmos um castelo para os lados do sul. - ele passou a mão num carinho pelo rosto triste da moça - Saímos hoje à noite e provavelmente só voltaremos daqui a três meses.

- Tem mesmo que fazer isso?

- É o meu trabalho. E por sua causa já adiei vários compromissos. Precisamos de comida e dinheiro, não posso mais adiar.

- Desculpe... - ela abaixou a cabeça, triste.

- Não se culpe... apenas sonhe comigo todas as noites. Quando voltar lhe trarei presentes.

Ela sorriu. Como tinha sorte! Youko Kurama, seu amante. Lindo e perfeito, apaixonado. E pensar que antes mulheres e homens eram apenas objetos de desejo para ele. Ela não. Com as faculdades que possuía conseguiu tê-lo só para si. E ele não a trairia, seria fiel. Até claro, ele envelhecer e seu corpo perder atrativos ou ela simplesmente se cansar dele. Então ela o libertaria. Mas por enquanto adorava ser seu objeto de desejo, de agrado. Não importa quantos homens ou mulheres perfeitos ou mais belos passassem à frente dele, os olhos dourados eram só para ela.

- Você voltando cheio de desejo é o único presente que quero. - ela selou a despedida com um beijo - Agora tenho que ir, o sol já está despontando.

Kurama foi deixado. Ficou parado vendo aquele ser de extrema beleza se afastar e sumir por entre as árvores. Ele olhou para o céu como buscando alguma resposta para a transformação que sua vida sofrera depois que conheceu aquela mulher. Com outras pessoas continuava o mesmo, lutava de mesmo jeito de sempre, mantendo sempre a frieza, ironia e esperteza a dominar a luta. Mas foi em outro aspecto mais forte que sua vida mudou. Não seduzia mais, quer dizer, seduzia naturalmente as pessoas a sua volta, não mais intencionalmente. E as que se rendiam à sua beleza, não lhe interessavam. Já fazia dois meses que não trocava de parceira sexual e não pensava em trocar! Quem era aquela mulher? Suas roupas estranhas, sua fala na hora do prazer era estranha, seu nome era estranho... Láquesis. Será que um dia voltaria a ser o youko de orgias infindáveis ou ficaria preso a ela para sempre? Apesar de achar estranha essa possibilidade, ele não rejeitaria a oferta.
 
 

****************




Estava atrasada, suas irmãs já deviam estar amaldiçoando-a! Láquesis andava apressada, já deveria estar fora da visão de Kurama, mas por precaução se afastava cada vez mais. Quando parou, ajeitou a túnica para parecer mais decente aos olhos das irmãs, estendeu as mãos para o céu fechou os olhos. Uma nuvem formou-se em volta dela e alguns instantes depois, Láquesis reaparecia em sua forma original. Uma velha. A pele murchara, perdendo o brilho juvenil, os cabelos tomaram a cor cinza escurecido, os seios diminuíram juntamente com as demais voluptuosas curvas, em volta dos olhos algumas rugas, e nas mãos, algumas veias aparentes. Não gostava de sua verdadeira forma, mas sentia um certo alívio por ficar apenas na companhia de suas irmãs, que tinham um aspecto bem mais velho e senil que o dela.

Estendeu a mão horizontalmente abrindo a palma da mão. O ar que circundava seus dedos começou a se movimentar e uma passagem foi criada. Láquesis atravessou-a e chegando ao outro lado deparou-se com uma cena que sempre lhe dava prazer. Não poderia ser chamado de escritório, assim como seu trabalho não poderia ser chamado de trabalho. Láquesis sempre gostara de mexer com a vida das pessoas. Não saberia dizer se tinha orgulho do que fazia, mas que gostava, gostava.

Num ambiente completamente oposto ao Makai, um cheiro de alfazema alcançava todos os esconderijos daquele pátio. Sim, era um pátio interno. Estava num templo circular, com várias portas em seu perímetro que davam para o mesmo lugar. Grandes pilares sustentavam o teto, depois três degraus que produziam um leve desnível e por fim o pátio onde estavam suas irmãs Cloto e Atropo. A primeira vestida numa túnica branca, os cabelos curtos até os ombros, soltos, cobriam-lhe parcialmente o rosto calmo e tranqüilo. Estava sentada no último degrau onde, como sempre, era apoiado o algodão. Com movimentos calmos e delicados, puxava um fio grosso do amontoado de algodão. No outro extremo de um diâmetro, simetricamente posicionada a Cloto, estava Atropo. Com sua típica túnica negra, também sentada no último degrau, escondia o rosto de feição triste com um véu igualmente negro. As mãos eram lerdas e débeis, recebiam o fio de Cloto, que atravessava o pátio até chegar-lhe, e desfaziam-no para depois num emaranhado ser deixado ao seu lado.

Láquesis sabia que apesar das aparências, suas irmãs gostavam tanto quanto ela do serviço de "fazer" o destino dos mortais. Desculpando-se pelo atraso, foi tomar seu lugar. No centro do pátio, em pé, ela brincava com o fio. As mãos amassavam, afinavam, trançavam, embaraçavam, davam nós, enfim. Tudo a ela era permitido, menos produzir o fio ou desfazer o fio. O fio era único, as vidas eram várias.

- Pela sua demora pelo menos alguns milhares de mortais tiveram uma vida monótona. - Cloto a advertiu, sem ligar muito para as conseqüências disso.

- Eu não reclamo. - Atropo falou com a voz alegre mas com o rosto sempre triste - Nunca vi tanta gente feliz ao morrer!

As três riram alto, o riso ecoando pelos pilares. Claro, quando as mãos tocam no fio de um ser, imediatamente os sentimentos dele são percebidos pelas irmãs através desse contato. E como os sentimentos dos mortais são variados e se manifestam em diferentes níveis, as três tomaram um conhecimento profundo sobre a natureza mortal. Desde que foram escaladas para esse serviço, as três criaram uma intimidade com a mortalidade, especialmente humana e demoníaca, que agora, as prendem ao trabalho. Mas não reclamavam. Era estimulante e prazeroso, assim continuariam as três deusas pela sua total eternidade.
 
 

*****************




De novo, a noite. De novo, visitava o Makai, onde sempre encontrava seu youko. Mesmo sabendo que ele não estaria lá, todas as noites, desde que ele viajara, ela ía e olhava para as sombras das árvores no chão. Já se passaram dois meses. Talvez ele volte mais cedo. Se pudesse...se seu poder fosse algo maior para fazê-lo desistir e voltar! Mas suas mãos só poderiam lhe dar paixão, indiferença e nesse caso especial, tédio. Não podiam criar acontecimentos, mas sentimentos que criam acontecimentos. Seu corpo jovem penava pela saudade.

Um movimento chamou-lhe a atenção. Será ele? Láquesis levantou-se rapidamente e aproximou-se de uma árvore. Algo forte a empurrou para o chão, então. Em pé com as pernas abertas nas laterais de seu corpo jovem, uma silhueta negra apontava-lhe a katana.

- Não grite. - não era um aviso ou ameaça, era uma ordem. - Responda apenas o que lhe for perguntado.

- Quem é você? - sua voz saiu num sussurro.

O estranho aproximou a katana do pescoço fino e alvo de Láquesis, que prendeu a respiração e fechou os olhos firmemente. Depois de alguns segundos sem nada acontecer, ela abriu os olhos e não o encontrou mais. Sentando-se ela olhou para os lados procurando-o.

- Quanto tempo leva daqui até a cidade mais próxima?

Ignorando a pergunta que lhe foi feita, o estranho ser de vestes negras estava sentado apoiando as costas numa árvore, com as pernas cruzadas e a katana guardada. Tinha o cabelo curto e espetado adornado pelo contraste dos fios brancos, em forma estrelar, com os negros. Bonito.* Devia tê-la considerado tão inofensiva, pois mantinha os olhos fechados a maior parte do tempo. Láquesis teve que dar um tempo para seus pensamentos ficarem em ordem antes de falar.

- É... mais ou menos duas semanas. Ou menos, se você for rápido.

Ele abriu um olho e levantou uma sobrancelha, como se tivesse escutado algo absurdo.

- Não tente comparar a minha rapidez com a sua rapidez. São coisas distintas entre si.

Láquesis sorriu e fez um ar de superior.

- Não me baseio na minha rapidez. E sim na de um youko no mínimo... poderoso.

O estranho sumiu debaixo da árvore reaparecendo na sua frente, com uma leve irritação na face.

- De quem você está falando?

- Youko Kurama, o ladrão do leste. - Láquesis fez questão de reforçar o artigo "o" com uma entonação diferente de voz.

- Hn. Bobagem. Youko Kurama, o ladrão, não passa de lenda que os covardes do leste inventaram. Talvez para tentar convencer ao resto do Makai que nessa terra de inúteis tenha alguém que preste.

- E o que você veio fazer nessa terra de inúteis? - não houve resposta - Já sei! Você está perdido! Claro, a maior parte dessa floresta foi criada por Kurama e apenas ele e alguns afortunados, como eu, conseguem atraves...

- Não fale besteiras!!! O que eu vim fazer no leste não te interessa! - ele virou-lhe as costas - Não estou perdido. Eu...

O estranho parou ao sentir mãos delicadas abraçarem seu peito por trás. Elas percorreram cada uma um braço alcançando as mortais. Láquesis fez com que as palmas se encontrassem e... uma avalanche de sentimentos reprimidos, vingativos e determinados vibrou em sua mão. Ela soltou o estranho e deu a volta encarando-o de frente.

- Certo... já me lembrei de você Hiei... meu lindo koorime de fogo. - Láquesis se aproximou para um beijo mas a milímetros de concretizar seu intento foi bruscamente empurrada.

- Quem é você? Que negócio é esse de se lembrar de mim?

Láquesis ficou confusa. Nessa forma jovem poderia seduzir o mortal que quisesse! Como ele conseguiu escapar de seu beijo? Por que ele quis escapar? Seu poder nunca falhara! Talvez tivesse se desconcertado um pouco. Ao conseguir as informações de quem ele era, logo lhe surgiu a vontade de tê-lo para si enquanto Kurama não chegava. A satisfação de consolar um mortal tão sofrido, de ser a única coisa que ele buscaria sabendo ser a única coisa prazerosa em sua vida... Ser desejada dessa forma tornou-se algo interessante. Iria tentar de novo.

- Você não precisa saber quem eu sou. - ela se insinuou languidamente - Apenas deixe que eu seja!

Hiei teve seu pescoço envolto pelos braços finos e macios. Como ela é linda! Como é linda! Hiei sentia uma vontade enorme de abraçá-la também, de grudar-se a seus lábios, de perder os dedos em seu cabelo. Nunca se comportara assim antes! Sabia que não estava normal, não estava usando seus instintos, sabia disso. Sentia-se manipulado e detestava isso! Mais uma vez Hiei se afastou de Láquesis, antes dessa o beijar. E dessa vez a katana lhe protegeria. O olhar que ela lançava... queria, seu corpo pedia pelo corpo dela, mas sua mente dizia que era errado. Que tinha algo estranho nisso tudo, nessa vontade, nesse desejo.

- Se afaste. Se você tentar tocar em mim de novo, eu... - Hiei calou-se, largou a katana e caiu desacordado no chão.

- Desculpe, meu koorime. Mas você desafiou a vontade de uma deusa. Você não deve ser um simples mortal... - Láquesis se aproximou do ouvido do inconsciente Hiei e falou como em segredo - ...eu vou descobrir quem você é. Qual dom Ártemis te deu... **
 
 

*****************





No dia seguinte, algo estranho foi percebido por Cloto e Atropo. Láquesis, ao invés de trabalhar sorridente e faladeira usava as mãos como escolhendo mortais num silêncio aterrador. As duas sabiam que isso não era boa coisa. Uma Moira cumpre o seu dever mexendo com o destino dos mortais sem se importar com qual mortal ou com qual destino vai usar. O destino não é feito beneficiando ou prejudicando propositadamente. O "passar de mãos" pelo fio deve ser natural, como sair saiu. Se for feliz, que bom, se for triste, que pena. Claro, elas podem mudar drasticamente e propositadamente o destino de um mortal. Podem fazê-lo voltar ao tempo e recomeçar tudo de novo, desde o nascimento ou do minuto anterior. Mas isso era apenas reservado a castigos ou privilégios dados especificamente por Zeus. Até hoje, ou seja, desde o início dos tempos, essa "remontagem" no destino de um mortal foi feita apenas duas vezes. As duas foram castigo.

Agora, Láquesis, do jeito que estava, concentrada, estava montando um destino de algum mortal.

- Esta quieta hoje, minha irmã. - Cloto começou como quem não quer nada.

Láquesis não respondeu. Estava tão entretida no fio que não escutou a irmã. Mas que coisa estranha! Esses destinos não se separam! Eles começam separados nas mãos de Cloto, mas depois vão se juntando, mesmo que eu tente impedir essa união ele se estende até Atropo. Talvez se eu usar de mais força... Láquesis, pressionou os dedos contra o fio, sem obter resultado.

- Está distraída de tudo ou concentradíssima no destino - Atropo fez uma acusação em tom de brincadeira, trazendo Láquesis de volta ao templo.

- Hã? É... desculpe. O que vocês disseram? - percebendo a desconfiança das duas, Láquesis se fez de desentendida.

- Você está usando um modo diferente de fazer destino? - Cloto preferiu não precipitar-se em acusações, até usando um tom de voz calmo e despreocupado.

- Você está escolhendo destino para mortais específicos, isso sim! - Atropo, que nunca foi de botar panos quentes, falou seriamente, sua voz mais rouca que de costume.

Láquesis prendeu a respiração enquanto encarava a irmã. As mãos automaticamente soltaram do fio e de punhos fechados se apoiaram no colo. Um olhar misto de medo e cumplicidade. Os dedos agarraram as dobras da túnica verde. Tomando fôlego, Láquesis respondeu:

- Não faço idéia do que estão falando. - as duas irmãs, nas extremidades do fio também pararam de trabalhar. - Como podem me acusar de algo tão horrendo!

Pela primeira vez na história, o fio do destino mortal estava "parado". Cloto fechou os olhos e abaixou a cabeça com pesar.

- Sabemos que está mentindo... Mas se não quer confessar seu erro, preferindo continuar a praticá-lo, eu... - Cloto lançou um olhar de ajuda para Atropo, não conseguia pensar em nada para resolver a situação! Não queria castigar a irmã, mesmo sabendo ser necessário.

Atropo, por sua vez, achava que Láquesis tinha ido longe demais. E não entendia essa complacência de Cloto diante de um erro tão grave. Ela tem e vai ser devidamente castigada. Em um movimento delicado, Atropo estendeu a palma da mão na direção da irmã, que ficou paralisada perante tal atitude.

"Atropo, minha irmã... ela não seria capaz!" Esse era um dos infinitos pensamentos que cortavam a mente de Láquesis em fúria, deixando-a visivelmente alterada. Hiei a rejeitara! Ela tinha que experimentar aquele corpo, experimentar esse prazer! Ser desejada, ansiada por um mortal como ele seria um privilégio tão grande como ter Youko Kurama fiel somente a si. Ela não poderia deixar que as irmãs estragassem seus desejos! Era uma deusa, tinha que impor seus desejos sobre os mortais, não importando como.

- Você não teria coragem, Atropo...

- Eu a amaldiçôo!!! – Láquesis era tal qual uma estátua grega, mas de feições horrorizadas pelo medo - Pelo poder a mim conferido, em nome das três Moiras que guardam o destino, eu amaldiçôo você, Láquesis! Por mudar o destino dos mortais visando a satisfação pessoal!

- Atropo! - Cloto gritara em vão, a maldição iniciada não poderia mais ser quebrada.
 
 

**************




- Hiei, só mais um pouquinho, vai! - Kurama fez uma voz melosa.

- Não mesmo! Eu não agüento mais! - Hiei soltou-se de Kurama e cruzou os braços com uma carranca - E tá todo mundo olhando! Fica você, eu vou embora!

Kurama segurou o braço de Hiei, que parou olhando em direção contrária dando um suspiro de impaciência.

- Hiei, todo mundo está olhando porque você está fazendo escândalo! - o koorime lançou um olhar fuzilante em direção ao ruivo que o soltou sorrindo - Me diz, qual o problema em tomarmos um sorvete juntos?

- Não seria problema nenhum se eu não tivesse enfrentado esses ningens a manhã inteira! - Hiei esbravejou mostrando o punho fechado para Kurama.

- Enfrentado??? - Kurama caiu na gargalhada, deixando o koorime mais nervoso. Está certo que era domingo e que tinha mais gente do que o normal nas ruas, mas... - Hiei, você apenas está convivendo com pessoas, não enfrentando-as! Alias, ninguém aqui é inimigo em potencial para você se preocupar...

- Eu sei disso, raposa! Eu simplesmente não suporto... - Hiei parou de falar, franziu o cenho e olhou para uma direção além de Kurama, que se virou para ver também.

- O que foi? - Kurama seguiu o olhar do koorime e parou numa mulher com um vestido verde e comprido, de cabelos negros e olhos cinza, que encarava os dois de volta. Kurama apertou os olhos em raiva, com a mão, obrigou Hiei a olhar de volta pra ele puxando-o pelo queixo - Que negócio é esse? Desde quando você se interessa por fêmeas ningens?

Em outras condições, Hiei se preocuparia em esconder o sorriso por causa da demonstração de ciúmes de Kurama, mas estava tão desconfiado da presença daquela estranha que sorrir foi deixado em segundo plano.

- Eu não gosto daquela mulher. - Hiei concluiu após pensar um instante - Ela não é humana. Acho que já a vi antes e não foi numa situação agradável. - Hiei passou os dedos pela faixa que cobria o Jagan.

Kurama deixou escapar um suspiro de alívio enquanto virava-se para estudar a mulher. Ela não escondia que olhava com interesse para os dois, logo Kurama também não fez cerimônia em ser discreto ao encará-la. Ela não sorria, mas tinha o semblante calmo.

- Não vejo nenhum traço de ki nela, me parece uma ningen normal.

- Eu já a vi antes, tenho certeza! E ela não me inspira confiança.

- Vamos sair por aí e ver se ela nos segue. -disse Kurama afastando-se.

- Certo. O... o que você está fazendo?

- Já estava pensando em comprar os sorvetes... e como vamos andar sob esse calor, achei melhor comprá-los agora. - Kurama sorria apontando para a tabela de sabores.
 
 

****************




Hiei abriu os olhos com dificuldade. Uma vontade de continuar dormindo crescia e pesava em suas pálpebras. Os olhos semi-cerrados identificaram uma densa copa, de folhas escuras em galhos altos. Sentando-se ainda tonto e com os sentidos lhe pedindo que deitasse de novo, custou a notar onde estava. Na base da árvore, as raízes aparentes e grossas, formavam uma espécie de cama, deixando um vão grande e forrado com grama macia, onde se deitara. Plantas arbustivas e vistosas adornavam o local em volta ao mesmo tempo que o protegia de olhares curiosos. A tontura ainda era muito grande, fazendo-o cambalear algumas vezes até conseguir se estabilizar andando para fora da "cama". Por instinto, levou a mão a cintura, mas bateu na própria roupa. Surpreso, levou a mão ao outro lado do corpo, mas também bateu na roupa. Olhou em volta e achou sua katana presa num cipó no alto da grande árvore.

- Hmpf! Quando eu fiz isso? - sua voz saiu entorpecida, enquanto andava para ficar bem abaixo da katana - Quem diabos fez isso comigo?

Hiei esbravejou fazendo um impulso com o corpo tentando pular, mas o ato de dobrar os joelhos fez o peso de seu corpo ir para frente. Hiei perdeu o equilíbrio e caiu de joelhos apoiando as mãos no chão. "Que droga é essa?" Hiei lembrou-se então do que lhe acometera. "Aquela vaca me envenenou!". De pé outra vez, Hiei olhou para cima.

- Quando eu pegar minha katana eu...

Num impulso, Hiei pulou. Seus dedos ficaram a milímetros da katana, sem conseguir pegá-la. Enquanto caía, o koorime foi perdendo os sentidos. Percebeu, no entanto, que antes de chegar ao chão, alguém o amparou.
 
 

***************




Não sabia o que estava sentindo. No começo era vontade de voltar a vê-la, mas não podia abandonar o grupo no meio do plano. Com o tempo, antes de dormir, não pensava mais nela e sim no que ela fizera. O tédio que sentiu durante a viagem era completamente ilógico. Roubar sempre fora algo prazeroso em sua vida. Era um dom que não podia negar. Assim como o magnetismo que Láquesis mantinha sobre ele, a distância o fez ver que virava obsessão. Não era natural recusar tantos prazeres assim...

Quando concluíram o roubo, o bando foi comemorar. Ele quis voltar mais cedo, sozinho, levando sua parte numa sacola de couro, presa às costas. Algo dentro dele mandava que voltasse, voltasse logo. Mas dessa vez, sentia que estava agindo naturalmente, não por maniqueísmos. Sabia que estava indo na direção dos braços de Láquesis, sua racionalidade lhe dizia isso. Mas seu coração dizia outra coisa: estava indo encontrar seu verdadeiro destino. Como se uma nova vida diferente de tudo o esperasse. A floresta que era dele, as árvores que avisavam a qualquer movimento diferente...

Kurama parou surpreso observando uma cena nova em sua floresta. Um youkai, baixinho, de cabelo espetado e bêbado, tentava pular para alcançar uma katana presa no alto da árvore. Árvore esta que Kurama fez como casa, já que não havia cavernas nos arredores. O youko não deixou de reparar no corpo do youkai, principalmente quando este caíra de quatro pela falta de equilíbrio. "O pequeno é bem dotado...muito bem dotado!" . Kurama também se surpreendeu com a força do baixinho. Mesmo bêbado, conseguiu dar um pulo muito alto, chegando quase a alcançar a katana. Percebendo que o youkai perdia os sentidos enquanto caía, Kurama correu para pegá-lo nos braços.

- Minha vida vai mudar mesmo. - disse sorrindo maliciosamente - Mas que tentação o destino jogou nos meus braços!

A partir de então, Láquesis não conseguiu mais irromper nos pensamentos dos dois.
 
 
 

Alguns minutos mais tarde, Hiei sentiu algo mexendo em seu cabelo. Ao mesmo tempo que abria os olhos, dirigia sua mão para o topo da cabeça até pegar e mirar algo.

- Quem é você? - Hiei segurava a mão de Kurama, que tinha parado de brincar com os fios brancos, e encarava os olhos dourados e sorriso provocante bem próximos de si.

- Youko Kurama.

Os olhos do koorime se arregalaram por um instante, mas logo tomaram a expressão desconfiada de antes. Percebendo que ainda mantinha a mão na de Kurama, Hiei sentou-se num pulo meio envergonhado, meio bravo. Kurama riu, sentando-se também. Estavam na "cama" da árvore, um de frente para o outro, Hiei sério e Kurama sorrindo. Este estava gostando da situação, gostando do baixinho.

- Qual é o seu nome, pequeno? - Hiei fez uma careta de raiva ao ser chamado de "pequeno".

- Não me chame assim! - levou a mão na direção da cintura.

- Está procurando isso?- Kurama esticou-se até uma reentrância de raízes e pegou a katana.

- Devolva. - Hiei mantinha-se sério o quanto podia, ao riso debochado de Kurama que ajeitava a katana na própria cintura.

- Vem pegar. - Kurama riu, mordendo o lábio inferior já recostado contra o tronco da árvore.

Hiei ficou sem ação. Apenas olhava extasiado o corpo em pose do youko. Não sentia medo, não sentia repulsa, não conseguia tirar os olhos daquele sorriso! "Será mesmo Youko Kurama? Mas que diabos! Ele consegue ser bem fiel à lenda. Um youko alto, prateado, sedutor...". Hiei balançou a cabeça espantando pensamentos novos e perigosos. Convencendo-se de aquele não era Youko Kurama, Hiei fechou os olhos e sorriu. "Vai ser muito fácil recuperar minha katana dele."

Usando de alta velocidade, Hiei aproximou-se de Kurama, estendendo os braços para a katana.

- Na-na-ni-na-não... - Kurama segurou o koorime pelos braços, aproveitando-se deles estendidos, enlaçou-se com eles pelo peito. Hiei caiu desequilibrado em cima do youko.

Na queda, Kurama estalou um beijo no pescoço de Hiei, que teve o corpo invadido por arrepios. Instintivamente ele encolheu os ombros, fazendo Kurama rir da inocência dele e querer brincar com isso.

- Você é apressado demais! Me larga! - Kurama fez-se de vítima; não segurava mais os braços de Hiei.

- O quê??? - Hiei sentou na barriga do youko e apontou o dedo pra ele, estava com a face vermelha de vergonha e raiva - Foi você que me agarrou e me fez cair!

- Eeeeu???? Se fosse assim era pra ser o contrário: eu em cima e você embaixo! - Kurama esforçou-se para conter o riso - Mas pela presente situação...você se jogou em mim! Aliás, o que ainda faz em cima de mim? Já que você foi... forçado?

- Não distorça as coisas, youko maldito! - Hiei pulou de cima de Kurama, parando em pé ao seu lado. Seu rosto tão vermelho quanto seus olhos.

O corpo inteiro parecia acompanhar as batidas de seu coração. Hiei tremia levemente, mas não era de medo. "Foi tão rápido, mas...como ele fez isso?", pensou enquanto passava a mão no pescoço no lugar que ainda formigava pelo beijo. Hiei lembrou-se de como o corpo do youko era torneado, com os músculos definidos e... viril... Hiei arregalou os olhos assustado com o próprio pensamento. Mas tinha que admitir, que concordar com seu corpo, sua mente. Gostou. Uma curiosidade de descobrir o que teria vindo depois, se não tivesse reagido, começou a minar sua racionalidade. Sentando-se de frente para Kurama, Hiei ficou calado apenas encarando a grama, confuso, sem saber o que fazer.

Deitado de barriga para cima, com as mãos na nuca, Kurama deliciava-se ao observar como o baixinho, sem controle de si, transpassava todos os seus sentimentos. As sobrancelhas e os olhos se curvavam em raiva, se arregalavam em espanto, se acalmavam em reflexão... A boca, ora tornava-se um traço, ora abria "talvez pela constatação do óbvio!". Kurama ria-se por dentro. "Como é adorável o meu baixinho!". Achando que teria que parar de brincar e "esclarecer" os fatos, Kurama foi pego de surpresa quando Hiei sentou-se calmamente à sua frente. "Ele já é esclarecido?", foi a primeira coisa que pensou, mas reparando melhor, no silêncio e expressão confusa, como que buscando respostas; Kurama amou-o ainda mais.

Aproximando-se sorrateiramente do koorime, alcançando suas mãos que estavam em punho, envolvendo uma com os longos dedos e conseguindo, então, a atenção para si. Kurama abriu o punho, fortemente fechado contra a palma da mão, e beijou o dorso delicadamente. Depois, apoiou-a sobre o próprio peito.

- Qual é o seu nome? - a pergunta foi feita num sussurro no ouvido de Hiei, mas sem pretensão ou malícia.

- Hiei... - ao responder, Hiei virou o rosto fitando sua mão e deixando um espaço mínimo entre as bocas.

- Lindo nome. - Kurama encostou o seu nariz no de Hiei fazendo um carinho de leve.

- ...eu sou um koorime... - Hiei abaixou a cabeça apoiando a testa no queixo de Kurama.

- A-hã... - Kurama levantou o queixo de Hiei devagar.

-... de fogo... - as bocas abriram e...

- PAREM!!!
 
 

****************




- Kurama, não estou gostando disso.

- Mas você sempre gostou de morango! Deixa eu ver... - Kurama abaixou-se e deu uma lambida no sorvete de Hiei - Hummm... não está ruim... mesmo assim quer trocar de sabor?

- Quer parar de pensar na droga do sorvete! - Kurama fez cara de inocente dando uma lambida nada inocente no próprio sorvete. Hiei deu um sorriso de lado suspirando e rendendo-se.

- Eu sei, Hiei. Ela continua nos seguindo. - Kurama deu uma olhada rápida na mulher atrás deles - Mas, sinceramente, não estou preocupado.

- Isso é porque você virou um ningen besta que confia em qualquer um!

- Bom, tem alguém em quem eu não só confio, como já entreguei meu corpo e minha alma para ele fazer o que bem entender... você acha isso mau?

- Eu não acho mau. Acho estranho você não se preocupar com algo tão sério. - Apesar de ter o orgulho inflado pelas palavras de Kurama, Hiei continuou sério.

- Eu não sei... – aos poucos Kurama ia levando Hiei, e por conseqüência a ningen estranha, para um local isolado - Acho que vou seguir seu conselho e reconsiderar certas pessoas.

Hiei parou de andar de imediato, segurando o sorvete quase intacto.

- Explique-se. - o koorime estava com uma cara nada amistosa - Quais "certas pessoas"?

Kurama olhou em volta e, constatando que só a mulher estranha presenciaria, puxou Hiei pelo braço rindo da cara séria dele.

- Vem cá! - Hiei então viu-se preso num abraço sensual - Você não gostou do sabor, né? - Kurama tirou o sorvete de morango da mão de Hiei e jogou-o fora - Experimente esse sabor...

Hiei não teve tempo nem de respirar, foi capturado pelos lábios ávidos e dominadores de Kurama, que apertava mais o abraço conforme o beijo intensificava. Perdendo toda a razão, Hiei respondeu ao beijo com mais fúria e paixão. Não demorou muito tempo para suas mãos abrirem a blusa de Kurama em busca de mais calor. O youko afastou-se com dificuldade e ofegante, tirando as mãos apressadas de seu peito, mas sem desgrudar os corpos. Hiei, apesar de tentar disfarçar, tinha a respiração bastante alterada também, e encarava Kurama, que leu em seus olhos um "por que parou?"

- Calma, koibito! - Kurama deu um grande suspiro - Gostou do sabor?

- Hn. Foi inesperado e muito rápido...não posso dar minha opinião desse jeito.

Kurama riu "ele está certo...". Então, olhando por cima da cabeça de Hiei, notou que a estranha escondia o rosto num véu verde e caminhava na direção dos dois.

- Hiei, olha quem está vindo falar conosco.

Hiei virou-se e contraiu a mandíbula em raiva pela ousadia da ningen. Mas para a surpresa dos dois, ela passou reto, sem parar nem olhar. Não havia mais calma em sua face, estava triste. Uns poucos metros depois, de costas, ela parou e fez um movimento com o braço, que para espanto dos dois, estava envelhecido e com os ossos e veias da mão bem aparentes. Um portal foi formado, ela entrou nele e sumiu.

- Ela...desapareceu! E não foi por um portal comum! Aquele não era um portal para o Makai, Hiei!

- Vamos achá-la. - Hiei desatou a faixa da testa e abriu o Jagan - Se tivesse me escutado antes, raposa! Agora ela poderá nos atacar de onde quiser...

- O que foi?

- Eu...não a encontro. - o Jagan brilhou ainda mais - Ela não está em parte alguma!
 
 

***************




- Qual é o seu problema, Láquesis? - Youko Kurama foi interrompido em um momento muito precioso, queria continuar o quanto antes.

Láquesis estava parada, em pé, a uns cinco metros dos dois. Seu corpo todo movimentava-se conforme a respiração ofegante. O cabelo completamente desarrumado pelo vento forte.

Hiei não sabia o que fazer. Por um instante deixara-se entregar a um completo estranho que dizia ser Youko Kurama! Como explicar essa súbita baixa de guarda? E essa sensação de vazio que estava dominando seu corpo, essa solidão? Seus lábios que estavam tremendo de frio? Não era por perda do calor e sim pelo fato de não tê-lo recebido!

- Kurama... me escute. - Láquesis se aproximou dos dois sorrindo - O que você pensava em fazer com ele?

- Não te interessa. Agora, se nos dá licença... - Kurama virou-se para Hiei, mas ele não estava mais lá.

Hiei estava em pé, fora da "cama-de-árvore". Láquesis aproveitou esse momento de distração do Youko e se jogou nos braços dele beijando-o.

- Kurama, não me entende? Você é meu! – Láquesis passou a mão pelo rosto e peito do youko, deixando um rastro dourado no caminho que desapareceu depois.

- O que você fez? - Kurama empurrou-a para longe, mas mesmo machucada ela ainda sorria.

- Você é meu!!! – Láquesis soltou uma gargalhada – Minha irmã pôs em mim uma maldição terrível... - a deusa deu uma entonação de escárnio em suas palavras. - ...querendo me parar, imagine! Se eu tocasse em um, não poderia tocar no outro ou morreria. - uma nova gargalhada explodiu - Mas, em contrapartida, o que foi tocado também não poderia tocar no que não foi ou os dois morreriam!!! Ela achou que eu iria ter pena, que não agüentaria vê-los morrer... – sua expressão sorridente mudou para cólera. "Não posso contar a segunda maldição! Dada por Cloto...", pensou antes de gritar - Mas vocês não têm coragem! Um não seria capaz de matar o outro! Eu terei seu corpo...

Láquesis foi atingida nas costelas pela katana de Hiei, que estava sério.

- Quem disse? - Hiei aproximou-se do youko e olhando em seus olhos agachou-se.

- Koorime... não faça isso. - Kurama afastou-se - Você é jovem... Eu não quero que você morra.

Hiei ignorou o pedido dele e, sob os gritos e olhar desesperado de Láquesis, agarrou os lábios do youko num beijo bruto e voraz. Onde as mãos do koorime passavam era deixado um rastro dourado, o mesmo acontecia com as mãos do youko que abraçavam, apertavam e arranhavam o pequeno corpo. A segunda maldição fora iniciada. Um vento forte e quente envolvia os dois, que se agarravam com mais e mais vontade. Uma luz cegou-os e separou os corpos, que apesar da resistência, tentavam se manter juntos. Quando abriram os olhos, não estavam mais na floresta, Láquesis não estava mais presente. Estavam em um templo antigo, circular, com duas velhas tecendo um fio grosso e longo. Elas se levantaram, estavam com uma expressão abatida e triste.

- Quem são vocês? - Kurama perguntou desconfiado.

- Somos deusas do destino. Eu sou Cloto e ela é minha irmã Atropo. Láquesis é nossa irmã.

- Deusas... do destino?

- Sim. Queremos nos desculpar pela intervenção de nossa irmã em suas vidas. Tentamos pará-la, mas a ambição dela foi mais forte. - Atropo tomou a palavra. - Ficamos felizes em saber que escolheram morrer. São os primeiros mortais a escolherem seus próprios destinos, se bem que, de qualquer forma, vocês sempre ficarão juntos.

- O que isso quer dizer?

- Que os fios de destino dos dois sempre irão se encontrar. Mesmo nós, não conseguimos separá-los.

- Como foi uma de nós que interferiu em seus destinos, eu amaldiçoei vocês. – Cloto sorriu, como se tivesse tirado um peso da costas - Vocês não morrerão, apenas terão um novo "começo". Isso porque escolheram morrer e, principalmente, beijaram-se antes de tocarem-se com as mãos.

- Uma deusa do destino usa somente as mãos para trabalhar. - disse Atropo - O mesmo vale para maldições. Se tivessem usado as mãos antes de se beijarem não poderíamos fazer nada. Vocês morreriam e duas novas vidas seriam iniciadas, dois novos fios.

- Esquecerão de tudo, de nós, de Láquesis, que se conheceram.- Cloto falava enquanto estendia as mãos na direção de Hiei e Kurama - Suas vidas recomeçarão no ponto antes de Kurama Youko conhecer Láquesis.

- Que? O que vai acontecer? Você não disse que íamos ficar juntos? - Hiei perguntou.

- E vão. - Atropo respondeu - Vocês sempre vão ficar juntos, em alguma parte do tempo.

Antes que pudessem falar ou pensar em alguma coisa, os dois foram cobertos por uma nova luz que desapareceu do templo levando-os junto. Cloto encarou a irmã, que apenas sentou-se e voltou a trabalhar dando um suspiro. Cloto sorriu e também sentou-se trazendo a grande massa de algodão ao colo tecendo o fio.
 
 

***************



O ar condensou em uma das várias entradas do templo, e de dentro do redemoinho formado, Láquesis saiu. Tirou o manto que cobria seu rosto e tomou seu lugar no fio do destino.

- E aí? - Atropo foi a primeira a perguntar.

- Eles estão juntos? - Cloto também perguntou.

- Estão. - Láquesis respondeu séria. - E parecem felizes.

- Eu não te disse? - Atropo falou como quem tem anos de experiência. - E não foi porque eu quis.

- Que bom! Voltou tudo ao normal e nenhuma de nós foi punida.

- Eu não sei... - Láquesis sorriu de lado. - Não esqueci Youko Kurama, aquele pequeno koorime continua tentador e... Shuuichi Minamino também tem um corpo que faz qualquer deus grego remoer-se de inveja.

Láquesis aproximou o rosto do fio até ficar com ele na altura dos olhos. Olhando atentamente, levantou o dedo indicador e deu um pequeno toque, que fez o fio todo vibrar. Depois endireitou-se e gargalhou, com a risada ecoando por todo o templo.

- Ai, ai... Eu adoro o meu trabalho!!!
 
 

~ Fim ~


* Na época principal da fic, ou seja, no Passado, Hiei ainda não tinha implantado o Jagan. Note que nos trechos que tratam o Presente, o Jagan já aparece.

** Ártemis foi, na mitologia grega, a deusa da caça. Ela fez o juramento de que não perderia nunca a virgindade. Sabe-se também que ela ajudava e protegia os virgens, tanto homens quanto mulheres, dando-lhes graças e "colaborando" na conservação da "pureza". Sei..



Umi no Kitsune
 
 
Hosted by www.Geocities.ws

1