Meu Amor Próprio
Umi no Kitsune
 

Capítulo2

Ele resolveu ir a tal encontro. Mesmo de última hora, TK convidou-o a aparecer. Não custa nada jogar o orgulho para o alto e matar a curiosidade, não é?

Mas não é mesmo.

Primeiro a parte legal: deixaram ele entrar. Agora a parte chata: parecia que estava em um julgamento.

Se pudesse voltar no tempo... não teria que se sujeitar a isso, passar por todos esses olhares e, principalmente, se pudesse voltar no tempo, não abriria a sua boca grande de novo, Takeru não ficaria sabendo de nada, não estaria nessa situação. Talvez, se não tivesse sido tão impulsivo os olhares que receberia agora seriam apenas de apatia, não de ódio, raiva... tristeza.

Na verdade, o único olhar triste que existia naquela sala era do TK, mas isso também não conta... porque ele se recusava a olhar para Davis. Ou seja, apenas recebia dardos envenenados de raiva nos olhares dos outros, porque de TK... não recebia nada.

Parecia que o anjo da esperança perdera toda a esperança. E o pior é que ele não exibia isso, Davis teve que aproveitar uma oportunidade quando Matt saiu da frente do irmão, e então ele viu...

Ah, se pudesse voltar no tempo... Nada disso aconteceria, a tristeza palpável no rosto de TK e toda essa hostilidade desde que chegara ao apartamento.

Foi Tai quem o recebeu à porta. Nos primeiros dez segundos ficaram apenas se encarando, Tai com um olhar de...

"O que você está fazendo aqui?"

"TK... ele me convidou.", Davis respondeu sem perder a pose.

Tai arqueou uma sobrancelha, olhando-o desconfiado, mas depois deu espaço para que ele entrasse.

"Vê se não faz nenhuma besteira, então.", ele sussurrou enquanto Davis passava por ele.

Quando chegou na sala, alguns se calaram e olharam, coisa que fez os outros restantes também se calarem.

"Mas o que...", Matt se levantou bravo, muito bravo. Mas TK o segurou pelo braço e apenas um olhar dele fez com que se calasse.

O primeiro momento de grande tensão da noite. Todos, sem exceção estavam olhando para ele e, claro, não era nada confortável. Esquecer é tão difícil... Davis ficou parado na porta da sala, com Tai atrás de si, sem saber o que fazer. Ele avistou Matt, que o olhava ameaçador, identificando a figura encolhida atrás dele sendo TK.

"Ih, gente... que caras são essas?", Yolie disse, não entendendo nada, "É só o Davis, nada demais. Vamos voltar a conversar!"

Aos poucos todos voltaram ao que estavam fazendo. Quer dizer, quase todos.

Só por esse momento inicial, Davis já podia dizer que a maioria não sabia o que tinha acontecido. E que Tai, Matt e Kari sabiam perfeitamente o que havia acontecido. O olhar de Matt não o deixou um só segundo. Sentia-se um aluno baderneiro do qual os professores não desviam a atenção um só segundo temendo encrenca. Kari conversava com Mimi, mas sempre jogava um olhar desconfiado pra cima dele. E Tai...

Tai, a pessoa que mais admirava no mundo simplesmente passou por ele e se juntou a TK e Matt. Ignorado pelo ídolo, ignorado pela pessoa em quem pensava poder confiar e se apoiar. Era tudo o que precisava, desse ombro não-existente, dessa queda livre na humilhação e ressentimentos definitivos.

Davis queria ocupar sua mente, depressa. Não agüentava o pensamento de estar sendo vigiado, mas ao mesmo tempo, queria vigiar. Queria observar a causa de seus problemas, TK, que não era exatamente a causa mas a razão de tudo o que ele fez...

A razão de tudo... Por ele eu fui um idiota e por ele eu estou sofrendo...

O grande problema era vigiar e ser vigiado. Com um sorriso, Davis logo começou a conversar com Izzy, mesmo já sabendo que não iria entender muito da conversa dele. Não importava, de onde estava, conseguia avistar TK e fugir de alguns olhares.

Quer dizer, conversando com uma das cabeças pensantes do grupo. Bah! Tão rápido se viu perdido entre as palavras e assuntos nada interessantes, para não dizer complexos, fingiu percorreu a sala com os olhos, pensando. Normalmente ele ficaria conversando com TK. Com ele conversava sobre tudo sem sentir-se perdido ou um completo bobo. E quando isso acontecia, TK explicava o assunto sem fazer dele o verdadeiro idiota que era.

Takeru.

Aquilo incomodava muito. Toda vez que olhava só via tristeza. Não tinha mais sorrisos, olhos azuis brilhantes e carisma contagiante. Era horrendo, a sensação de perda era horrenda. TK parecia um zumbi diante dos seus olhos... e ao invés disso o deixar feliz estava deixando-o louco!

Admitir? Admitir que sentia-se péssimo por ter deixado o guardião da esperança assim? Isso já foi feito! Ele admitiria isso ao grupo todo, se perguntassem. Se não fosse seu auto-controle, já teria gritado, ali mesmo, um pedido de desculpas. Já teria se aproximado, já teria abraçado...

Não era pra isso acontecer! Mas o que eu estou pensando? Finalmente o anjo está caído, triste, chorando... e eu vou me arrepender? Droga! Tenho que parar de pensar nele como um anjo... ele é apenas um idiota perfeito. Tão perfeito que parece um anjo, por isso que eu confundo. Não! Também não posso pensar assim. Droga! Droga! Droga! Por favor, TK, dá só um sorriso, por favor... isso está me deixando louco! Não precisa jogar desse jeito na minha cara que eu não presto...

Tudo o que estava acontecendo, os olhares, a indiferença, a raiva... Davis sabia que iria superar isso. O que realmente estava incomodando era outra coisa... com a qual sempre imaginou como prazerosa, mas agora se mostrava dolorosa: a tristeza no rosto de TK.

Se tivesse outra pessoa, como TK, com quem pudesse conversar, isso, com certeza, não o estaria incomodando tanto. Olhando francamente por alguém foi que Davis reparou que não tinha tanta gente assim na sala como ele imaginava. Alguns digiescolhidos estavam ausentes.

"Er... onde estão os outros?", ele perguntou, interrompendo Izzy em alguma coisa que ele nem sabia o que era.

"Oh... você não ficou sabendo?"

"Uh? Sabendo de quê?"

"Bem... aconteceu uma certa separação no grupo...", Izzy respondeu um pouco sem-graça

"Separação?"

"Sim... alguns digiescolhidos, exatamente os que não estão presentes aqui hoje...", enquanto Izzy falava, Davis olhou em volta, tentando se lembrar de todos que não estavam presentes. Joe, Cody, Sora e Ken. "... eles não aceitaram muito bem uma notícia..."

"O que aconteceu?", Davis perguntou um pouco mais interessado, não imaginava o que pudesse fazer Ken deixar o grupo depois do esforço que foi para incluí-lo.

"Er... bem...", Izzy abaixou o rosto, vermelho, e coçou a nuca, "Você já deve estar sabendo, espero... er... Tai e Matt... você sabe."

"Não, não sei.", ele perguntou sério, realmente interessado agora.

"Não sabe?", Izzy arregalou os olhos e gaguejou algumas vezes, "Bem, como eu posso colocar isso? Eles estão... juntos, entende?", ao olhar confuso de Davis ele acrescentou rapidamente, sussurrando, "Eles estão namorando."

"Tudo isso só pra dizer que eles são gays?", Yolie disse ao passar pelos dois, com um salgado na mão e um sorriso no rosto, assuntando Izzy que deu um pulo mas voltou a atenção para Davis e sua reação. Yolie voltou a comer e completou com a boca cheia, "Vocês, rapazes, são muito complicados..."

Gays? Não... não é uma palavra muito forte, não? O Tai... saindo com Matt. Beijando Matt! Que horror! A idiota da Yolie... ela só pode estar brincando. Tai não é gay! Ele não ficaria por aí beijando e abraçando homens. Ele é homem, caramba! Eles não podem estar juntos!

Davis ficou tão pasmo com a notícia que nem percebeu Izzy se afastar devagar, deixando-o sozinho. Este levou o olhar inconscientemente para Tai e Matt, reparando, como se uma venda tivesse sido tirada de seus olhos, os gestos dos dois.

Estavam sentados, um do lado do outro, bem próximos, Tai com uma mão na cintura de Matt e este... Davis não conseguiu ver direito de onde estava, mas tinha quase certeza que uma mão estava na perna de Tai e a outra... no joelho de TK.

Sem se importar com o olhar nada amistoso de Matt, Davis passou a encarar abertamente TK. Este percebeu o olhar intenso sobre si e também olhou, ficando com uma expressão mais triste e um pouco envergonhado. Tai também percebeu e passou uma mão sobre o cabelo loiro de TK, sorrindo sem graça ao falar alguma coisa.

Sentimentos e interpretações visuais em momentos de tensão nunca foram uma coisa muito boa. Davis já devia saber isso, mas mesmo assim não poderíamos culpar um adolescente em plena fase de estabilização hormonal se adultos aparentemente calmos também perdem o controle em situações parecidas.

Nojento. Como... como é possível? O Takeru não faria, o Takeru que eu conheço não faria... Como eu pude me enganar tanto assim? Esse tempo todo idolatrando e imitando o Tai. E ele... fazendo isso?! Com o Takeru? Podia ser qualquer um, mas... e o Matt concordando com... com... com essa argh!

"O que você tá olhando, ô pirralho?", o loiro perguntou se levantando, chamando a atenção de todos.

Algo estourou dentro de Davis, da mesma forma que antes, no vestiário. Davis sabia que iria falar, iria comprar briga dessa vez, quem sabe até sairia machucado. Mas ele não estava nem aí. Sabia que o que estava prestes a fazer não iria ser nada bom, mas dane-se a bondade.

"Cala a boca, seu puto!"

Davis mordeu a língua assim que viu a expressão do loiro, obrigando-se a ficar quieto mesmo querendo gritar mais.

Matt avançou para cima de Davis, mas ficou preso pelo braço por TK, que tinha, pela primeira vez na noite, uma expressão diferente do que tristeza no rosto. TK segurava o braço de Matt com força e com medo.

Mas Davis não reparou nisso. Estava muito ocupado tentando segurar toda a sua raiva, tentando não falar mais.

"Você devia ter ido embora enquanto era tempo, moleque!", Matt disse bravo, tentando se soltar de TK, "Não precisamos de um covarde como você aqui!"

Não vou deixar assim... não vou deixar barato desse jeito! Eu tenho coragem e tenho suficiente para tirar o TK desses dois...

"Não mesmo! Eu tenho coragem, Matt, mais do que você imagina. Não iria perder a chance de ver a expressão idiota de vocês! Dois irmãos perfeitos e bonitinhos... Será que é só com o Tai ou você também divide o seu irmão com mais alguém?"

Davis arrependeu-se no mesmo instante em que disse aquilo. Pois a frase já o fez passar mal. Mas não era algo nauseante ou grosseiro como acreditava que seria... era doloroso. Pensar em TK nos braços de Matt, de qualquer outra pessoa era doloroso, não exatamente doloroso... era errado, por isso doloroso. Não queria pensar nisso.

Eu não disse isso... tenho que sair daqui! Sair daqui agora!

A mão de TK se afrouxou no braço do irmão e este tentou se soltar, avançando mais na direção de Davis. Saindo do transe, ele abraçou o irmão com força, colocando-se na sua frente, impedindo que a mão em punho de Matt alcançasse o queixo de Davis. A campainha tocou mas ninguém se deu conta disso.

"Me solta, TK! Você não ouviu o que esse maldito disse?", o loiro rosnou com raiva

"Matt, por favor, não ligue pra isso!", TK quase gritou sentindo que não conseguiria segurar o irmão por muito tempo, "Matt, não...", ele se virou para Davis, que continuava olhando-o como que hipnotizado, "Davis, vai embora! Vá embora!"

Piscando algumas vezes, Davis reparou no olhar de desespero de TK, com os olhos brilhando...

Ele vai chorar... eu o fiz chorar de novo...

"Vá embora, Davis!"

Tudo por minha culpa. Eu nunca quis que ele chorasse, só queria saber porque ele me trata diferente...

"Por favor... Dais..."

... porque ele me faz sentir especial quando ele é quem é especial. Tão especial...

"TK, me solta!", Matt advertiu o irmão

Batidas na porta foram ignoradas por todos.

Davis não pensou. Ele não pensou quando decidiu sair correndo, ele nem sabe ao certo se ele decidiu ou não o que estava fazendo, apenas fez. Suas pernas tomaram velocidade e ele contornou os móveis e as pessoas na sala com a mesma habilidade que faz uso quando dribla seus adversários.

Ele não entendia o por quê do barulho de cadeiras caindo e de pessoas gritando... não tinha esbarrado em nada. Mas Davis não olhou pra trás para saber o que estava acontecendo; ele abriu a porta do apartamento com força e ficou parado diante da pessoa que apareceu do outro lado.

Ken!

Davis sentiu alguém esbarrando nele. Ele olhou pra trás e viu Takeru apoiado nele, um pouco ofegante. Sem entender, seu olhar desceu pelo braço do loiro e só então ele percebeu que estava segurando a mão de Takeru com força, apertando os dedos pálidos entre os seus morenos.

Sua mão começou a afrouxar o aperto quando um som atrás dos dois chamou sua atenção. Matt, que provavelmente tinha caído na correria, estava se levantando e indo na direção dos dois com os olhos faiscando de raiva e as mãos já em punho para brigar.

Davis dessa vez pensou, mesmo que não fosse duas vezes, apertou a mão de TK com força e saiu em disparada de novo, afastando Ken para o lado não muito educadamente.

Enquanto descia as escadas, não estava disposto a arriscar e esperar pelo elevador, Davis e TK não puderam ver Ken voltando a ocupar o espaço da porta, impedindo que Matt fosse atrás deles. A porta de vidro da portaria do prédio se fechou e as mãos se soltaram, os dois garotos logo ficaram encharcados com a tempestade que caía sem trégua.

No mesmo instante que Davis levantou o olhar para encarar TK, uma mão voou de encontro com seu rosto, obrigando-o a ceder um passo para trás. Algo dentro de Davis quebrou, ou pelo menos foi o que ele sentiu... era a primeira vez que Takeru levantava a mão para ele. [1]

"Idiota!", Takeru gritou, "Seu grande idiota!", a mão vermelha, pelo aperto de mãos forçado, levantou-se trêmula e um dedo apontou acusadoramente para Davis, "Você... você não..."

Davis não se mexia. Não pretendia também, mesmo que pudesse. Ele observava confuso e admirado ao mesmo tempo a transformações do rosto de TK conforme vários sentimentos passavam pelo loiro, que gritou, finalmente, em frustração por não ter conseguido expressar-se.

Virando-se de costas e suspirando profundamente, TK conseguiu fazer ouvir-se no meio da chuva, "Por que disse aquilo? Porque acusou o meu irmão e o Tai... e a mim! Por que?"

"Eu pensei..."

"Você não pensa, Davis! Você imagina e faz como real o que sua cabeça doente imaginou!", o loiro se voltou novamente, "Eu amo o meu irmão e o respeito muito. E o Tai é uma pessoa tão importante somente por ser quem o meu irmão escolheu para viver! Para amar, Davis! Mas você! Você com sua ignorância infinita conseguiu distorcer tudo!", ele continuou a gritar, gesticulando nervosamente, alguns soluços de choro atrapalhando a sua fala, "Entenda de uma vez, porque eu não serei mais explícito!", ele tomou o rosto de Davis entre suas mãos e o olhou seriamente, gritando cada palavra em cada sentença, "Eu! Te! Amo!", ele inclinou o rosto e parou, inclinou mais uma vez e parou de novo, incerto. Por fim, TK suspirou e murmurou, "Entenda isso e não me machuque mais, por favor..."

Davis foi deixado para trás, na chuva, mudo e paralisado. O frio rapidamente tomando o lugar em sua face onde o calor das mãos de Takeru estavam segundos atrás.

Ele... me ama?
 
 
 

Continua...



[1] Na verdade, eu não sei se isso está certo. Na série foram tantos tapas, distribuídos gratuitamente pelas personagens, que eu nem me lembro mais se, no meio de toda aquela agressão "amigável e necessária", o TK acabou ou não tendo a sua vez com o Davis... ^^;; O que eu sei é que a Yolie é a que mais esbofeteou no anime! Mão pesada a da garota; coitadinho do Ken... O_o

Capítulo 3
Digimon
Fanfic
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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