O Amor Nunca se Esquece

Hakura Kusanagi
 
 

Capítulo 05

"Já se passaram um ano e oito meses que não vejo aquela maldita raposa... Droga!! O pior de tudo é que continuo contando as horas, os dias, as semanas... os meses que passo sem ele... Como posso?? Por quê??? Eu ainda sinto algo por ele – se fosse fácil esquecer de seu cheiro e carinho, eu teria esquecido, é lógico! Mas não dá, não consigo!! Todas as noites sinto seu coração batendo ao meu lado, ouço sua voz me chamando... Não consigo mais dormir... Consigo até sentir os arrepios de quando ele me tocava.... MERDA!!! Isso é horrível!"

"E justo hoje resolvi voltar para o território onde fica aquele castelo: tive um sonho péssimo com Kurama... – algo do tipo "pesadelo de último nível" do Makai. Não sei porquê, mas não consigo tirar da cabeça que Kurama jamais agiria daquela forma normalmente... E estes malditos pesadelos estão quase a me enlouquecer!

"Estou preocupado com isto... Ele pode estar sofrendo com Nazago... Nazago, aquele filho-da-mãe tinha que ter um caso justamente com meu amante!?! Depois de nossa luta, eu o odeio mais do que tudo: não posso acreditar que aquele Kairui conseguiu conquistar uma raposa como o Youko... Não! Ele é um cretino, um mau-caráter, um assassino traidor: aquele desgraçado não presta, e isso não irá mudar!

"Mas tenho que me encontrar com aquele Youko, tenho que tirar essas coisas a limpo; me livrar desses pesadelos infernais para sempre! Quem sabe se, eu chegando de surpresa, poderei pega-lo sem Nazago, e ver com meus próprios olhos como está sendo tratado... Preciso fazer isso. Preciso fazer - Por mais que me doa, tenho que ir vê-lo... Pois, se eu não fizer isso, jamais terei paz."

*********

Hiei teria suas suspeitas confirmadas, caso tivesse chegado a ver os eventos ocorridos uma semana antes, no castelo de Nazago... mas, infelizmente, o destino quis que o Koorime chegasse atrasado.

***************

Castelo de Nazago – Três semanas antes da chegada de Hiei:

Kurama estava comendo, depois de ter feito toda a sua carga de serviço diário no castelo. Sozinho, isolado dos outros escravos que estavam no enorme salão, como sempre, comia calado, sem que ninguém pudesse conversar com ele, sob pena de ser torturado e morto pelos soldados, de acordo com as ordens de Nazago.

Era tão triste ver alguém como ele abatido, magoado... e sozinho daquela forma... As algemas, correntes e Coleira em seu corpo não só haviam prendido seu corpo na forma de Shuuichi, como também haviam aprisionado uma parte de sua alma; seus desejos e seus sonhos.

Aquele lugar tão fétido, estava repleto de míseros animais que rodeavam-no, quase que tocando seu prato. Como se tivesse percebido apenas naquele momento o quão ousadas se tornavam suas "companhias", ele afastou um pouco mais o prato, colocando-o longe deles, e tornou a mexer novamente em sua comida: Kurama ficava revirando-a para todos os lados, sem leva-la à boca. Já estava há longos minutos assim, perdido em seus próprios pensamentos, desiludo com sua vida. Se ele fingisse estar engolindo algo, pelo menos os guardas o deixariam ali, em paz.

Mas alguém também o percebera assim.

Na verdade, não só uma pessoa, mas sim, duas: Sayara e Sayaka.

Elas tinham notado o olhar vago e inexpressivo do Youko/Humano; aquela face voltada para o prato, porém sem nada ver, deixava transparecer um ar tão melancólico que as deixaram igualmente tristes. As duas haviam se tornado companheiras – e amigas – do kitsune, e se preocupavam com o que se passava com ele: mais de um ano, incitando-o a prosseguir sua luta sem fim. Observando-o daquele jeito, elas resolveram então trazer algo animador ao jovem humano – quem sabe ele não sorrisse??

"Shuuichi, está tudo bem?" – perguntou Sayaka, aproximando-se do kitsune, depois de enganar os guardas habilmente.

"O que houve? A comida não o agradou?" – Sayara, como sempre, preocupando-se com sua magreza.

"Não, eu estou bem, sim, Sayara: não foi a comida... Na verdade, eu nem a toquei." – ele respondeu, largando os talheres cuidadosamente na mesa, e apoiando o rosto com as mãos.

"Por que não? Tem que parar de fazer greve de fome, se não vai acabar passando mal... e morrendo!" – impacientou-se Sayaka.

"Alimente-se, Shuuichi... Por favor!" – pediu Sayara.

"Desculpem-me, amigas, mas eu não consigo colocar nada na boca... que dirá engolir."

"Faça um esforço. Está tão abatido assim?" – Sayaka, como mais velha, entendia mais as reações oriundas do kitsune.

"Não... ou melhor, estou..."

"Saudades?" – Novamente, Sayaka, bem mais perspicaz, colocara o dedo na ferida.

"Sim, muitas." – ele respondeu, sussurrando.

"De quê, tanto, Shuuichi-San?" – Sayara perguntou, uma vez que em sua mente, havia tantos bloqueios referentes às suas próprias memórias.

"Tudo; de toda minha vida fora daqui... Olhem só para mim: preso e acorrentado, sem poder ver ou sentir a beleza lá fora... quando saio, é apenas para caçar... Às vezes penso que minha humanidade se esvai cada vez mais, a cada dia que passa... Começo a esquecer de coisas tão... normais para mim: lembranças, nomes... as palavras já quase não saem de meus lábios, eu... já não sei mais o que é sentir o brilho, a beleza e o perfume de minhas plantas... meu ki já está quase todo drenado, eu... Nazago-Sama está conseguindo que..." – repentinamente ele pára, e fecha os punhos com força: -"Vejam isso: já não consigo mais sequer falar o nome dele sem colocar "Senhor", "Amo", ou outra coisa!!"- explode.

As duas irmãs calam-se, sábias. Sabem que, no fundo, seu Amo e Senhor está conseguindo, cada vez mais, "educar" seu escravo preferido... e que, por mais que Kurama estivesse a lutar, sua derrota era apenas questão de tempo, uma vez que o próprio Nazago jamais deixara de conseguir "domar" escravo nenhum seu.

Refeito do ataque de raiva, Kurama apenas pára de falar, abaixa a cabeça e fixa o olhar amargurado na pequena pedra presa na boca do Dragão.

"Oh, Shuuichi... Vamos, se anime! Trouxemos algo que vai gostar, veja!" – empolgou-se Sayara.

"Sim. Foi difícil, mas a tiramos do Jardim, e a trouxemos para você!" – Sayaka confirmou.

"O quê? Do que estão falando?"

Sayara retirou do meio de uns tecidos de sua roupa, uma rosa vermelha maravilhosa, levando-a à frente de Kurama, que a pegou, ainda assustado com tão esplendorosa beleza.

"Você gostou?" – Sayara, impaciente, perguntou. – "Afinal, você só fala delas, não é mesmo?"

"Por Inari, ela é linda! Há quanto tempo não toco ou vejo uma flor dessas?? Senti falta de seu perfume e beleza...!!"

"Realmente, ela é linda... assim como você." – Sayaka comentou, olhando fixamente o ruivo à sua frente. Notando seu embaraço, continuou: - "É uma das mais belas rosas que já vi nascendo no Jardim de nosso Amo."

"Mas tem que tomar cuidado: se algum dos guardas o pega com ela, provavelmente..." – Sayara não pôde continuar a frase: um dos guardas, notando a ausência de ambas, e desconfiando do fato de Kurama estar de costas, acabara de aparecer... e os flagrara no ato.

"O que é isto, escravos?"

"Nada, Senhor!" – tentou esconder Kurama.

"Este nada me parece com uma... rosa!!" – surgiu outro Guarda, por trás de Kurama, que o olhou assustado, tentando esconder a rosa em algum lugar – "Sabem muito bem o que acontece com quem pega flores do jardim do nosso Mestre... e as traz para o escravo de nosso Mestre Nazago: o castigo é o calabouço!!!" – O Youkai grita, ameaçando as irmãs.

"Não, Senhores... Por favor, lá não!!" – Sayara, apavorada, grita.

"Perdoem-nos!! Só queríamos ajuda-lo!" – Sayaka tenta controlar o pânico.

"Não devem falar com este escravo – sabem bem disso!! Nosso Amo tinha feito uma exceção para vocês... mas agora, uma vez que até roubaram de nosso Mestre em favor dele, ambas passaram dos limites!!"- a repentina aparição de Aiko apenas confirmou a suspeita de que ambas vinham sendo vigiadas pela guarda de Nazago.

"Mas Senhor, a culpa não foi delas!! É minha, eu pedi!!" – Kurama tentou protege-las, mas um repentino tapa na cara o levou ao chão, ao mesmo tempo em que teve a rosa arrancada de suas mãos à força.

"Isto aqui não pertence a este lugar!" – disse o agressor .

"Destrua-a, Naiuki!!" – incentivou Aiko, contente ao ver o cúmplice.

"Com prazer!"

"Não! Não! Por favor, senhores, não!" – Kurama implorou, erguendo as mãos na direção dos soldados, mas nada adiantou: Aiko o chutou, no estômago, jogando ao chão, enquanto Naiuki esmagava a rosa com um pé. Kurama olhou tristemente, mas esqueceu-se rapidamente da flor para proteger as amigas da sanha dos Guardas, e se colocou na frente delas.

"Saia da frente, Raposa idiota! Elas serão punidas por seu roubo ao nosso Mestre!!" – ameaçou Aiko.

"Não! Eu imploro, Senhores: façam comigo o que iriam fazer com elas! A culpa é minha! EU pedi a elas para trazerem uma rosa para cá!! Levem-me para o calabouço no lugar delas... Por favor!"

"Não: elas devem pagar pelo que fizeram!" – Naiuki reafirmou, agarrando Sayaka por um dos braços.

"Por favor, Shuuichi: não nos proteja! É a você que eles querem!!" – Sayaka gritou, entendendo tudo, finalmente.

"Cale-se, escrava!!" – Naiuki deu-lhe um violento tapa no rosto, furioso por ter tido sua vingança descoberta.

"SAYAKA!!" – gritou Sayara, aos prantos.

"A CULPA É MINHA: LEVEM-ME, JÁ DISSE!!" – Kurama gritou.

Todo aquele rebuliço foi escutado por uma determinada pessoa que passava por ali: seus ouvidos aguçados identificaram logo o que poderia estar acontecendo, e, rápido, adentrou no imenso Salão onde aos escravos eram permitidos fazerem suas refeições, sua voz trovejando em ordens para seus guardas:

"CALEM-SE!! O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI, SERVOS?? Aiko, Naiuki??"

"Na-Nazago-Sama?" – ambos olharam assustados para seu Senhor.

O tempo pareceu parar por um segundo - a repentina aparição de Nazago em pessoa no Salão pegara a todos de surpresa.

"Des-desculpe-nos, Amo!! Mas o problema aqui são estas escravas malditas! Elas quebraram as regras!!"

"Que regras, Naiuki?" – a voz agora gélida de Nazago cortaria até pedras.

"Senhor, as duas servas, Sayaka e Sayara, quebraram a regra de silêncio, em relação ao kitsune, além de invadirem seus jardins e roubarem uma rosa para trazer ao seu escravo, meu Amo... Agora, ambas estão se recusando a irem para o calabouço." – explicou Aiko.

"Isto mesmo, Mestre: elas estão se recusando... e Kurama quer ir seu lugar, senhor."

O olhar gélido de Nazago percorreu os guardas e as escravas, até se fixar, por último, na figura de Kurama.

"Por favor, meu senhor: eu lhe peço, deixe-me cumprir o castigo pertencente às duas... A culpa foi minha, eu assumo, senhor." – Kurama implorou, ajoelhando-se à frente de Nazago. Beijou-lhe então suas mãos, delicadamente, e tornou então, a olha-lo, com os olhos verdes.

Nazago-Sama reagiu, levantando, com uma das mãos, o kitsune, fazendo-o ficar de pé ao seu lado. Silencioso, observou seu rosto minuciosamente durante longos segundos, até que, com um dedo, ergueu sua face, e, satisfeito com o que viu, voltou sua fala, agora suave, a ele; seus olhos cinzentos procurando os verdes da Raposa, encarando-os firmemente.

"Então você quer mesmo pagar a punição das servas?"

"Sim, senhor."

"Senhor, ele vai engana-lo!" – gritou Naiuki.

"Cale-se, servo! Meu assunto é com ele."

"Sim, senhor, Nazago-Sama."

Todos olharam para os dois, tentando entender a reação do Kairui. Este, parecendo completamente indiferente aos demais, acariciou os cabelos ruivos e longos de Kurama, e tocou sua face. As irmãs se entreolharam, se preocupando com o poderia acontecer ainda.

"Você sabe, por acaso, escravo, qual é a punição delas?"

Armando-se da mais pura coragem, Kurama respondeu:

"Não, senhor."

"Será passar exatamente uma semana no calabouço, um lugar no fundo de todos os níveis deste Castelo: lá não tem luz, sendo mortalmente frio; é cercado de ratos, bichos e vermes... O infeliz que ficar preso ali terá que se alimentar a pão e água - isto se tiver comida; não terá visitas, só ouvirá os ruídos dos animais e youkais matando-se uns aos outros, não terá noção de quando será dia, ou de quando será noite, até que seja tirado de lá... Irá sofrer psicologicamente, Kurama. E ninguém irá ajuda-lo. Absolutamente ninguém. E então? Você ainda se propõe a isto?"

"Sim, meu Amo: eu quero."

"Não faça isso, Shuuichi, por favor!"- pede Sayara, em lágrimas.

"A decisão foi sua. Venha."

"Sim, Mestre."

"Escutem bem, guardas: vocês vão deixa-lo no calabouço. Ele ficará lá exatamente uma semana. Devem cumprir esta regra enquanto viajo. Voltarei dentro de três semanas e vou querer vê-lo. Ouviram?"

"Sim, Amo." – ambos sentiram-se atravessados pelo olhar implacável do Kairui.

"Agora, recolham-no: eu não quero mais falar no assunto! E quanto a vocês, servas, terão suas liberdades garantidas por esta raposa. Perdoarei suas transgressões."

"Obrigada, Mestre."

"Agradecemos, de coração, Amo, por sua piedade conosco e para com seu escravo..." – fala Sayaka.

"Piedade? Eu não sei o que essa palavra significa, escrava. Agora, vamos embora. Guardas... em frente! Venha, Kurama!."

Nazago-Sama foi com os guardas até o calabouço do castelo, levando Kurama pelas correntes, o qual ia de cabeça baixa e passos lentos. Seus passos eram ouvidos ao longe pelos corredores, porém nada tão desagradável quanto os clamores de agonia e desespero de outros youkais presos naquele buraco infernal, se matando uns aos outros.

Eles lhe apontaram o lugar: tinha uma enorme porta de ferro, e, escavado na pedra, o lugar era mínimo, sem luz e um ambiente viciado para respiração. Nazago voltou sua última palavra a ele:
 

"Você escolheu, raposa: agora, padecerá aí dentro. Espero que, quando eu voltar, ainda o encontre vivo. Adeus!"

Aiko e Naiuki lançaram o corpo de Kurama lá dentro e selaram a porta com ferros e presilhas. A escuridão do lugar fez Shuuichi se encolher, arrepiando-se de frio: aquele lugar era horrível; estava tão escuro que não podia ver nada, apenas os estalos de ossos de alguns dos hospedeiros anteriores que eram esmagados sob seus pés.

Ele ficou ali, parado, ouvindo as últimas palavras de Nazago aos guardas.

"Naiuki, Aiko, ouçam bem: eu vou viajar hoje, e só volto daqui a três semanas: quero este escravo vivo... e pronto para mim, quando chegar. Não tolerarei abusos da parte de ninguém. Entenderam?"

"Correto, Mestre."

"Não se preocupe, Senhor: haveremos de cuidar muito bem dele."

"Assim espero."
 
 

****************

"Aqui está a comida, escravo!"

Aiko lançou um prato sujo com alguma coisa ainda viva que absolutamente não podia ser definida como comida, dentro dele, para Kurama.

Há quatro dias não via comida... e agora, lhe mandavam aquilo.

Kurama olhou com desprezo para o prato e o lançou ao longe com um tapa, e sussurrou, com raiva:

"Não vou comer."

"Ah, quer passar fome, é? Pois bem, se quer fazer greve de fome, o problema é seu: não haverá nada mais de comida para alguém como você. ADEUS, servo!"

Ele foi deixado novamente com seus pensamentos; muitos a maioria, sobre Hiei e sua mãe, Shiori. Ele queria muito estar abraçado a eles, mas a única coisa que o abraçava, lentamente, era a morte.

A noite, - como ele aprendera - era sempre denunciada pelo frio extremo, que o maltratava; a escuridão o deixava sem ter noção do que estava acontecendo à sua volta; os gritos e uivos dos outros condenados o assustavam cada dia mais; a fome não era um problema tão grande assim, quando se têm o alimento da alma - a coragem – se esvaziando... perdendo lugar para um tipo de medo capaz de fazer seu coração parar, ao imaginar-se sendo atacado à traição em plenas sombras.

Kurama passava os dias e noites brincando com os ratos... e tentando manter seus sonhos vivos; falava sozinho para parecer que tinha alguém ao seu lado:

"Ah, eu queria vocês aqui... Hiei, mãe, amigos... as brincadeiras, conversas... seu carinho, colo, abraços... seu amor, mãe, seu cheiro... tão confortador e carinhoso... me digam, vocês ainda me amam? Não esqueceram de mim, não é mesmo?"

"Claro que não, Shuuichi: estamos aqui, lhe esperando... Nunca o esqueceremos. Filho, eu nunca vou abandona-lo! Pense na jóia negra, toque-a; nós estaremos mais próximos de você através dela"

"Sim, Kaasan..." - a mente de Kurama já começava a lhe fazer ter alucinações e visões: -"... eu vou me ater à jóia negra de Hiei: com ela, não vou perde-los; nem a senhora, nem a meus amigos, nem a ele.... ninguém!"

"Acredita mesmo, escravo?"

Aiko entra sorrateiramente na pequena prisão de Kurama, fazendo-o ter um sobressalto:

"Esqueça desta estúpida idéia, Kurama: você não vai voltar para o Mundo dos Homens, e nem para aqueles que ama. Ao contrário: você vai nos pagar por aquela humilhação com nosso Amo... e o preço será, se não sua vida, ao menos, seu sangue!"

"O que... Senhores, do que estão falando, eu..."

"Você aprenderá que não deve nos humilhar e contrariar na frente de ninguém, escravo... Muito menos na frente de Nazago-Sama!"

"Isso mesmo: então, prepare-se, Kurama: vamos surra-lo por três semanas! HÁ! HÁ! HÁ! HÁ! HÁ!"

"Não! NÃO!!"

Naiuki e Aiko entram no calabouço com suas armas de tortura, trancam-se lá com Kurama, e começam a surra-lo, levando à frente uma vingança doentia.

Foram chicotes, paus, correntes, todos batendo em seu corpo inteiro, ou, às vezes, apenas se aproximando, assustando-o como forma de tortura. Os socos e chutes eram coisas mais propícias e que não machucavam tanto assim, dessa maneira, só haveriam de ser usados para a época na qual Nazago estivesse voltando, assim, seu mestre nunca notaria o ocorrido.

Bateram tanto nele que, quando saíram, seu corpo estava caído no chão; era sangue em por todo os lados, tão ferido e cheio de cortes e chagas abertas, que parecia um milagre que ainda estivesse vivo.

Kurama tentou pedir ajuda através de gritos, mas o calabouço era terrivelmente longe e profundo, tão imerso nos confins do castelo, que era impossível que alguém – qualquer um – ouvisse seus apelos, e era exatamente com isso que seus agressores contavam: eles tinham certeza que a voz do Humano/Youko se perderia na solidão do calabouço, ante diversos outros sons agonizantes de outros youkais. Resumindo: ninguém ouviria seus gritos... ninguém. Ele estaria sozinho, como o próprio Nazago dissera – e não poderia contar com ajuda alguma.

Isto prosseguiu durante as três semanas seguintes: mas os gritos de Kurama implorando por ajuda cessaram, assim como qualquer som de seus lábios - que não se abriam sequer para se alimentar; fechara o estômago para qualquer alimento – fosse-lhe oferecido por meio de torturas ou não – e abrira somente a mente, para seus sonhos e ilusão...

Não fazia a mínima noção do que era a realidade, agora.

Trancafiara a própria alma.

Não poderia suportar tudo aquilo vivendo na realidade; solidão e tristeza não combinavam com sobrevivência e loucura:

Kurama Youko – o antigo ladrão e mercenário mais forte do Makai mais uma vez se humilhara dentro de si mesmo.

*************

Três semanas depois – Horas antes da chegada de Hiei:

Neste momento, os dois guardas estavam entrando novamente em sua cela.

A visão que seus olhos tiveram – depois de uma semana na qual haviam abandonado o humano à própria sorte - foi a da raposa jogada no chão, inerte, como morto, praticamente da mesma maneira em que o haviam deixado, após a última sessão de tortura, encolhido em seus próprios braços tão machucados quanto o resto do seu corpo; os olhos fechados; os cabelos vermelhos espalhados por seus ombros e pelo chão ao redor. Ao seu lado, estavam espalhados os diversos pratos com os restos aos quais ninguém ousaria chamar de comida intactos – sendo comidos apenas pelos pequenos animais.

Completamente indiferentes, ambos se aproximaram, Aiko virando algo que rolou pelo chão.

"Acorde, escravo desgraçado: sua tortura acabou!"

"Ele agüentou muito, Naiuki; veja só: não tocou na sua comida durante todos esses dias! Realmente, devemos dar o braço à torcer para este humano estúpido: o surramos e humilhamos de todas as maneiras que conhecíamos, mas ele suportou, e ainda está vivo!"

"Sim, Aiko: vivo, mas desmaiado deste jeito não nos serve para nada. Agora, ACORDE!!"

Eles o sacudiram, porém em vão.

Kurama não acordou.

Estava em choque profundo.

Os dois pouco se importaram: levaram-no assim mesmo para um lugar no qual já haviam deixado algumas pessoas esperando-os. Ambos sabiam a seriedade da situação: haviam-no deixado sozinho durante toda aquela semana apenas para que a maioria das marcas dos contínuos espancamentos sumisse, ou, pelo menos, ficassem menos à vista, uma vez que Nazago não poderia descobrir o que acontecera em sua ausência... Assim, era de suma importância que aquele escravo inútil estivesse vivo, quando o mestre chegasse.

"Rá! Foda-se, imbecil: se não acordar aqui, acordará depois!"

Ambos saíram arrastando o kitsune do calabouço e o carregaram-no pelos corredores até o quarto especial onde ele ficava em quando Nazago-Sama demonstrava-se interessado em "cuidar" de seu escravo.

Aproximando-se do quarto, Aiko comentou, antes de entrarem:

"De um jeito ou de outro, quando nosso Amo chegar, o encontrará muito bem, e sua língua maldita não contará nada!"

Entraram então, no quarto o qual Nazago em pessoa reservara para seu escravo preferido, e que era usado apenas quando o mesmo se "excedia" em seus "divertimentos" para com o Humano. Duas youkais o esperavam, para ministrar-lhes cuidados.

Apesar de terem tentado se preparar para o que poderiam vir a ver, as duas se horrorizaram com o estado em que lhes foi entregue a raposa.

"Meu Deus!! Shuuichi!!" – exclamou Sayaka.

"O que os senhores fizeram com ele?"- Sayara enfrentou-os.

"O mesmo que faríamos com vocês! Agora, cuidem bem dele: nosso Amo Nazago-Sama chega hoje à noite, e vai quere-lo bem arrumado e pronto, para uma festa só deles."

"Que Inari os perdoe, pelo que estão fazendo com um dos seus filhos!"- Sayaka ainda os ameaçou.

"Coitado do Shuuichi... ele nunca mereceu isto..." – a voz de Sayara saiu embargada pelo choro.

"O quê? O que falaram, servas medíocres?"

"Nada, .. meu Senhor!" – respondeu, rápida, Sayaka – "Nós cuidaremos dele, senhor!"

"Isto. E bico calado, ouviram?"

"Exatamente: uma única palavra sobre isso para o Amo... e vocês duas morrem. Entenderam?" – terminou de ameaçar, Aiko.

Eles partiram, então, deixando o corpo desmaiado da raposa nas mãos das duas irmãs, que, assim que se viram a sós com ele, o levaram direto ao banheiro, tirando o restante dos trapos de suas roupas e o colocando dentro da banheira, esta repleta de espuma, ervas medicinais... e flores.

Uma alojou suas mãos, segurando cuidadosamente a cabeça de Kurama e pegando alguns remédios, para cuidar das cicatrizes abertas na sua face, enquanto a outra cuidava dos machucados espalhados pelo resto do corpo.

"Pelos Deuses, Sayaka! Como eles tiveram coragem?!..."

"Está na cara que eles o maltrataram muito: sem Nazago-Sama para detê-los, espancaram-no até cansarem... E agora estão sem saída, pois descumpriram as regras de nosso Amo: entende, o que digo, minha irmã? Eles desobedeceram-no, deixando-o lá por três semanas inteiras, ao invés de uma, como ele assim o ordenou. E tudo isso por vingança, por Shuuichi ter tentado nos salvar de suas maldades... Eles só o trouxeram de volta, por causa da volta de nosso Mestre... Provavelmente, Shuuichi-San já está inconsciente por dias!"

Correndo as mãos delicadamente pelo rosto delicado e tão barbaramente machucado, Sayaka continuou:

"Pelo pouco que o conhecemos, já se pode notar que ele fechou-se em si mesmo, para os ocorridos do lado de fora... Deve ter sido horrível ficar todas estas semanas sem ver ninguém, sozinho com suas próprias dores e medo... e seus pensamentos." – um brilho de ódio transparece em seus olhos: - "Nosso Amo não gostará nada de saber o que se passou aqui."

"Eu sei disto, Sayaka... Mas não poderemos falar, ou os dois nos matarão!"

"Sim, eles não hesitariam em nos matar em dois minutos, se desconfiassem de que acabamos falando alguma coisa... vamos, é melhor cuidar dos ferimentos de Shuuichi, e arruma-lo para Nazago-Sama... Só espero... Só espero que ele saia deste transe logo." – Sayaka disse.

As duas trataram de desaparecer com as piores marcas de socos e chutes espalhados pelos lugares mais visíveis do kitsune: a barriga e o estômago; as costas chegavam a estar roxas de tantas pancadas que haviam levado; as coxas e o tórax, estavam marcados de dezenas de cortes e marcas de queimaduras... As profundas olheiras foram amenizadas pelo contato de suaves carícias de plantas, e ervas curativas, passadas pelos dedos das dedicadas youkais, que foram, aos poucos, jogando pequenas quantidades de água por todo seu corpo, lavando-o com infusões medicinais, cicatrizando-o com todo cuidado, para não o machucarem mais ainda, tomando muito cuidado com os ferros de suas algemas, ainda presas em seus punhos.

******************

Kurama tinha suas mãos levemente acariciadas pela água morna...

A mesma que corria por seus cabelos ruivos tão longos, levando suas franjas para longe de sua testa; originando umas pequeninas gotas que percorriam sua face, até serem enxugadas por uma doce mão – a mesma que tocava levemente seus lábios até eles se moverem um pouco, acompanhados de um piscar de olhos, e um movimento respiratório mais forte, como um suspiro.

As duas irmãs abriram um sorriso, felizes em vê-lo acordar.

"Ah, que bom, Minamino-San: você está acordando!" – foi a exclamação alegre de Sayara.

"Como se sente?"

"Onde...onde estou?" – ele sussurra, tentando abrir os olhos, mas a claridade dificultava: doía muito, para quem não estava mais acostumado a ela.

"Não se preocupe, Shuuichi! Está fora daquele calabouço horrível..."

"Agora, você ficará bem: nós estamos cuidando de você; vai poder vestir uma roupa, comer e descansar."

"Sayaka... Sayara... é bom... ver vocês, de... novo..." – ele fala, abrindo os olhos – de repente, se arrepiou um pouco, encolhendo-se na banheira, agora cheia.

"O que foi?"

"Você está bem? A água deve estar ficando fria..."

"..."

"Tudo bem: nós já acabamos mesmo... Venha: vai ficar mais aquecido com isto."

Sayaka se levantou, e deixando sua irmã Sayara amparando-o, pegou um robe cor de vinho e o trouxe, preparando-o para vesti-lo em Kurama, quando este se levantou, indiferente à própria nudez, escorrendo água por todo o corpo – tão judiado, porém ainda capaz de faze-la perder a cabeça.

Controlando-se, a youkai o aconchegou rapidamente naquele calor e o ajudou, juntamente com Sayara, a leva-lo até a cama, onde o puseram sentado. Enxugaram então seus cabelos, e os pentearam, conforme Sayara, com sua vivacidade quase infantil, conversava com ele e Sayaka enfaixava-lhe os braços, peito e coxas.

"Como está se sentindo agora, Kurama?" – indagou Sayaka.

"Acho que... bem melhor. Estou longe daquele... inferno." – as mãos de Sayaka, acariciavam-no no rosto, tentando impedi-lo de baixar a cabeça, e, por conseguinte, de evitar-lhe o olhar feminino, capaz de enxergar tanto... e tão longe. –"... só... me sinto... cansado... muito..."

"Eu imagino: aqueles animais te machucaram muito... mas me diga: aonde estava com a mente, este tempo todo, Shuuichi?"

Incapaz de fugir de tal pergunta, Kurama voltou os olhos verde-esmeralda para Sayaka, fazendo-a se sentir mergulhando em um imenso mar verde, tal a intensidade do olhar abandonado e dolorido do Humano.

"Pensando, Sayaka... flutuando nos meus sonhos: lembrei de minha família, de Yusuke, de Kuwabara... de minha mãe... e de Hiei... Ele me fez sonhar..."- vendo a amiga balançar a cabeça, lentamente, como se estivesse com pena, Kurama continuou, a voz trêmula: "Ao lado dele... ao lado dele pude suportar..." – a voz quebrou-se, sem forças.

"... O que os guardas lhe fizeram, não?"

"Ele... ele é tudo o que importa para mim, Sayaka... Ele é... e continuará sendo: para sempre..." – Kurama abaixou um pouco a cabeça, ocultando os olhos, disfarçando sua angústia.

"Não quer mais falar? Tudo bem: já tínhamos terminado, mesmo..." – Sayaka fala, fechando seu robe com cuidado.

"Agora, vai comer!!" – Sayara fala toda empolgada, se levantando para buscar uma bandeja com a comida.

Mas Kurama reagiu estranhamente, erguendo a cabeça assustado, e colocando a mão na boca, como que se impedindo de comer – ou, então, dizer que não comeria nada.

"Não me venha com esta, você vai comer, sim!" – admoestou Sayara.

Kurama sacudiu a cabeça novamente.

"Como não? Precisa se alimentar: ficou três semanas sem comer nada... deve estar faminto!! Olhe só: a comida é maravilhosa!" – Sayaka não conseguia entender aquela reação.

"Exatamente seu prato preferido, Shuuichi!"- exclamou Sayara, ainda em sorrisos.

Ele fechou ainda mais a boca, e puxou a cabeça para trás, negando-se a comer.

"Você vai colocar isto na boca, sim, senhor! Não vamos permitir que morra de inanição, Shuuichi!" – Sayaka ergueu o prato e foi com um garfo na direção de sua boca, obrigando-o a abri-la e a engolir, forçosamente. A cara de Kurama não foi das mais animadoras: parecia que ele ia vomitar.

Ele bem que queria explicar, mas não dava: as dores no estômago estavam ficando fortes demais... Por não ter comido nada durante muito tempo, seu estômago não haveria de suportar coisa alguma, e se algo batesse nele, logo viriam dores, sinal de que o próprio organismo teria que ser preparado aos poucos...

As meninas notaram isto e desistiram da comida pesada, tentando então, faze-lo comer algo mais leve, como frutas.

"Vamos, experimente isso: não pode ficar sem colocar algo por tanto tempo no estômago, ou vai ficar ainda pior."

"Isso, Shuuichi-San: abra a boca e tente engolir devagar, desta vez..." – animou Sayara, que acompanhava o sofrimento de Kurama, preocupada.

Ele se recusou novamente, mas as duas não desistiram, e cortaram um pedaço de maçã, fazendo com que ele engolisse, devagarinho.

"Isto... pronto: não foi tão difícil assim, foi?" – Sayaka sorriu, aliviada.

"Parece que desta vez, foi, Sayaka."

Mas alguns segundos depois, a reação de Kurama começou, violentíssima: ele começou a gemer de dor, curvando-se sobre o estômago, encolhendo-se sobre si mesmo; seus olhos se fecharam, numa tentativa inútil de impedir que as lágrimas descessem-lhe pelo rosto, e a ânsia de vômito aumentou fortemente. Ele não estava suportando engolir nada.

Assustadas, elas tiveram que lhe dar um pouco de água para beber, a fim de diminuir as dores no estômago.

"Bebe, rápido!"

Alguns minutos depois, com o susto já controlado, Sayaka disse:

"Desculpe-nos, não esperávamos que a dor fosse tão grande; a comida deve ter caído como uma pedra no seu estômago."

"Tudo bem... agora, não o forçaremos a comer mais nada, está bem?" – elas o acariciavam no rosto e no corpo, deixando afinal a comida de lado, tratando de esperar mais um pouco, até que os tremores violentos em Kurama passassem de uma vez.

"Enquanto você descansa, vamos ter de cuidar de você, certo?"

Kurama fez que sim, deixando suas mãos soltas e o resto do corpo relaxado para que elas o acariciassem com cremes e óleos; sua face foi ficando mais calma e serena, seus músculos com os toques delicados de Sayaka em suas coxas, pernas, peito e braços; Sayara mexia em seus cabelos delicadamente, massageando-os e penteando-os ao mesmo tempo.

Toda aquela dedicação e carinho foram tornando os suspiros de Kurama cada vez mais profundos, sua respiração mais lenta, seus olhos foram pesando, até se fecharem totalmente e sua cabeça cair suavemente nos braços de Sayara.

"Hã? Shuuichi... você está bem?" – a Youkai o olhou, assustada, mas logo em seguida sua face se acalmou, ao perceber algo diferente na de Kurama: -"Que lindo... ele está sorrindo, um pequeno e leve sorriso! Veja, irmã: ele está descansando... dormindo profundamente..."

"Shhhhh... Sim, e deve estar sonhando com algo muito bonito, Sayara..."- Sayaka contemplou-o ainda por alguns segundos, depois disse, então: "Venha, vamos deixa-lo dormindo em paz: ele está exausto, e com esta fraqueza precisará restaurar suas forças... Vamos ajeitá-lo sobre o colchão, sair do quarto, para não acorda-lo...Afinal, nosso Amo só voltará do Norte à noite, então, mais tarde voltaremos e o arrumaremos, certo?"

"Claro, irmã!"

Silenciosamente as duas irmãs fecharam seu robe, arrumaram-no cuidadosamente sob os lençóis, cobrindo-o bem em seguida. Descansaram sua cabeça sobre os vários travesseiros que ali estavam e se deslocaram para fechar as cortinas da janela do quarto, deixando-o um pouco mais escuro, fazendo com que Kurama ficasse num ambiente bonito, tranqüilo e delicado, perfumado apenas com o doce aroma de suas rosas, trazido pelo vento que entrava através da janela aberta.

Um ambiente mágico.

Um ambiente de sonhos.

"Descanse com os Deuses... e tenha bons sonhos, Shuuichi-San...Você merece!" – orou Sayaka, antes de sair do quarto, com um belo sorriso.
 
 

****************

A Chegada de Hiei...

"Algo aconteceu neste maldito Castelo: não tem segurança?! Hn... Isso é ótimo: não preciso ficar procurando por inimigos, muito menos perdendo tempo matando youkais imbecis para entrar!

"Achei um caminho excelente: os jardins dão para alguns dos quartos – quem sabe eu não ache uma janela aberta para entrar direto no interior do Castelo?

"Pulo por todas as árvores até encontrar uma aberta – uma estranhamente decorada com rosas vermelhas. Essa visão me deu uma enorme vontade de fazer algo ilógico, mas... vou faze-lo assim mesmo!

"Arranquei uma rosa, uma bem grande e de um vermelho tão brilhante quanto o do cabelo de Kurama.

"Por que de repente a saudade dele aumentou mais ainda... Só que, dessa vez, junto com uma angústia esquisita?... Deve ser bobagem! Vou entrar aqui mesmo. Quem sabe... Quem sabe, se eu estiver certo, não o presenteio com ela, e retiro logo a Raposa daqui...?? Eu odeio este Castelo, odeio pensar que ele está aqui – seja por vontade própria... ou forçado!!"

Hiei pulou para dentro do quarto escolhido. E viu algo que quebrou suas esperanças de que Kurama estivesse ali forçado... e que, de alguma maneira, ainda retribuísse seus sentimentos...

"Hã? Que porra é esta? Kurama, aqui??? Neste quarto maravilhoso??? Não pode ser: eu... eu estou vendo coisas!"

O choque com a visão errônea de Kurama muito bem deitado na enorme cama, envolto em lençóis de cetim e num quarto perfumado de rosas abalou por completo Hiei: então... então... todas as suas esperanças eram... falsas?

Todo aquele tempo... noites maldormidas, visões... pesadelos em que a vida dele estava em perigo... e a realidade era aquela, que nunca mais haveria de sair de sua mente??

Será possível que...

Por todos os Deuses!! Ele entendera tudo errado... completamente errado??!

"Não, não é mentira: é mesmo aquela raposa vagabunda, dormindo tranqüilamente numa cama... Completamente bem cuidado, cheiroso e perfumado!!... esperando por seu amante?? Foi por isso então que não senti o Ki daquele desgraçado? Ele está fora do castelo, é isso?"

A dor de ter suas mais íntimas esperanças quebradas como um pedaço de vidro qualquer conseguiu jogar Hiei no fundo de um poço de dor, de amargura... e trouxe inesperadamente lágrimas aos olhos do pequeno Youkai.

Lágrimas que ele recusou-se a deixar cair... e que fizeram sua fúria subir aos limites.

******************

Os passos fortes de Hiei se aproximando da cama, acabaram acordando Kurama de seu sono. Ele se levantou, assustado, pensando se tratar de mais algum ataque traiçoeiro ou até mesmo de Nazago... mas seu sofrido coração quase parou de bater, ao ver quem estava à frente:

"Hiei! Hiei! Ele veio!! " Kurama, enlouquecendo de alegria por seu amor finalmente ali, pensava logo na possibilidade de sair daquele inferno, de finalmente poder ser libertado de sua prisão, de Nazago, de tudo!

"Hiei?? Hiei!! Koibito, você está aqui, não acredito! Se soubesse de minha felicidade em vê-lo...Oh, Inari: pensei tanto em você nestes últimos dois anos... Você veio me buscar! Finalmente vai me tirar de minha prisão!!"

A alegria de Kurama era tanta, mas tanta, que a voz saía trêmula, quase que encoberta por lágrimas – um estado emocional tão forte, que sua mente não registrou a estranha falta de reação de Hiei, o qual continuava parado a alguns passos da cama, apenas olhando-o, distante, frio como uma pedra.

"Hiei, eu te amo! Está... tão bonito, e essa rosa... há tanto tempo não as vejo ou toco... é para mim?" – um mar de esperança inundara os olhos verdes do jovem Humano.

Foi quando, repentinamente, Kurama notou que alguma coisa estava errada: um arrepio gelado, acompanhado por uma sensação horrível de fatalidade o envolveu:

"Hiei? O... o que foi, Hiei? Por que... por que está assim?"

"Maldito Kitsune!! Então é assim que ficou durante esses anos??" – a ira de Hiei explodiu, então.

"Por que está gritando comigo? O que eu fiz?"

"Sou mesmo um idiota, um imbecil!!, por acreditar que você poderia estar sendo usado - ou até mesmo preso... por Nazago!! Sabia que eu estava achando que você tinha sido forçado por ele, a fazer tudo aquilo naquela maldita festa, há dois anos atrás?? Sabia??! Mas não: na realidade, você está mesmo me traindo com aquele maldito Kairui!!" – a voz de Hiei explodia de fúria, aos gritos.

"Hiei, o que está falando? Eu não fiz nada... Pare de gritar!"

Hiei se aproximou de Kurama, encarando o maldito amante que tão friamente o traíra:

"Eu achava que você poderia estar machucado, sofrendo... que era prisioneiro neste castelo... Mas era tudo mentira! MENTIRA!! Olhe só para você: continua o mesmo Youko vagabundo e prostituto de sempre!! Aposto que já deu para todos neste castelo, ganhando tudo o que puder: está maravilhoso como sempre, perfumado, e num lugar que tem tudo para você! E o imbecil aqui vivendo num verdadeiro inferno, como um louco, pois, na minha cabeça, não saía a idéia de que tinha que ter uma razão, um motivo para você ter agido daquela forma... Mas agora tudo tem uma resposta, não é mesmo?? Você se vendeu para Nazago!! Afinal, ele pode lhe dar tudo o que você, como ladrão, quiser... Diferente de mim, não é? Eu, um Koorime mestiço, renegado até pelos da minha própria raça, o que poderia lhe dar?? NADA! Eu não poderia lhe dar nada, além de meu amor: já Nazago pode lhe dar poder, e isso sempre foi tudo o que o que sempre quis, não foi, Youko?"

"Hiei...?"

"Não estou te entendendo, por que me fala isso? Eu... te amo... também! Não sabe que eu não o trocaria por Nazago, ou qualquer outro, NUNCA? Por que está me magoando assim? Por que... por que minhas palavras não saem?"

"FALE!! DIGA ALGO!! Pelo menos NEGUE!!" – o desespero de Hiei frente ao silêncio de Kurama era latente. Vendo que o ex-amante não negava nada, baixou os olhos rapidamente para a rosa solitária que ainda segurava numa das mãos: - "Eu trouxe isto para você..." – disse Hiei, como se para si mesmo, ainda pasmo com o fato da rosa ainda estar inteira, depois que seu próprio coração fora quebrado... completamente, dessa vez. Fazia tanto tempo assim, desde que a pegara, pensando em dá-la para o único ser que amara na vida? Ou tudo fora... apenas uma ilusão, feita por seu coração teimoso e solitário? –"... mas agora sei que não precisava: agora, tem um jardim imenso, todo só para você, não é? FALE ALGO, imbecil... MALDIÇÃO!"

"Por que não consigo responde-lo? Por quê? As palavras parecem fugir de minha boca, presas como estas algemas no meu corpo... Oh, Inari: se ele entendesse!!"

"MERDA!! Pare de me olhar com esta cara e responda-me!!"

Hiei estava furioso, gritando e gesticulava suas mãos, descontrolado, até que ele ergueu a mão, jogando a rosa no rosto de Kurama, despetalando-a com toda a força da sua fúria.

"BAKA!! Eu te odeio, Kurama!! Entendeu? Eu te ODEIO!!! Não te amo mais!!"

Kurama olhou para aquelas pétalas esmigalhadas na sua frente, ao mesmo tempo em que uma gota de sangue escorria em sua face, resultante do corte de um espinho, e paralisou-se, sem reações: cessaram todos os gestos e falas... emudeceu. A rosa destruída no seu rosto; suas pétalas voando ao seu redor, caindo por sua causa... o fino fio de sangue que agora descia silenciosamente por sua face a imitar lágrimas – lágrimas que ele não conseguia chorar, mais...

"Por quê, Hiei? Eu te amo!! Você não pode me odiar... não tenho culpa!!"

"As pétalas caindo, tocando minhas mãos, a sombra negra em seus olhos, sua mão estraçalhando aquela pequena rosa, tão linda!... Ódio... Fúria... me destruindo, como fez com ela..."

"Não existo mais?"

"A voz... desaparecendo?! Quem é você?? Escuridão...! Memórias se fundindo e se perdendo..."

...desespero...

"Não faça isso comigo..."

...pânico...

"Não me tire o único meio de suportar a realidade..."

...agonia..."

"Não tire de mim, a minha única razão de viver..."

"Solidão!"

"Não me negue seu amor!!"

"Dor..."

"Você não é meu Hiei... Não é: ele jamais faria isso comigo... jamais me machucaria assim!!"

"Morte..."

"Pare, está me matando! Por favor, não me mate!... minha vida... sonhos... ilusões... correndo por um fio de realidade: escapando... sumindo..."

"Tousan? Kaasan?? Onde estão quando preciso de vocês? Amigos?? Youko? Por que me abandonaram?"

"Negro... as rosas vermelhas voando por minha mente..."

"Rejeitado... esquecido..."

"Esquecer!"

"Esquecer?"

"APAGAR!"

"DESTRUIR!!"

"Precisa parar de sofrer, Shuuichi: chega!! Ninguém merece ouvir e sentir isso! APAGUE... AMOR, deixe-o dormir... feche este botão de rosa... APAGUE-O ... ESQUEÇA-O dentro do coração... A alma precisa sobreviver!!... Negro..."

"Adeus, meu Hiei.. adeus...."

"Adeus, Kurama... eu.. Estúpido kitsune! FALE, justifique-se!! Não pode, não é mesmo? Sabe que eu estou certo, não é isto? FALE, SEU DESGRAÇADO!!"

De repente, alguém parece ter escutado os gritos de Hiei, abrindo súbita e repentinamente a porta do quarto:

"Mas... O que está acontecendo aqui? QUEM é você?" – uma voz feminina invadiu o quarto, soando alta e nervosa.

"Shuuichi, o que houve?" – uma outra, num tom mais jovem, soou quase junto à primeira.

Eram Sayaka e Sayara, que, ouvindo os gritos do corredor, invadiram o quarto... e se assustaram com a presença de um outro Youkai o qual nunca tinham visto antes, ali dentro; e com o olhar apagado e fora de realidade de Kurama: ele não esboçava reação nenhuma frente aos gestos do outro Youkai vestido de negro e de sua fúria desesperada.

Kurama permanecia estático, paralisado, sentado em meio aos lençóis na enorme cama, rodeado de dezenas de pétalas vermelhas, com a face em estado de choque.

Elas correram em sua direção, afastando o Koorime de perto dele.

"Shuuichi?" – os olhos da jovem Sayara encheram-se de lágrimas, ao notar-lhe o estado de choque, completamente desligado do que quer que estivesse ocorrendo naquele lugar. –"Shuuichi? Fale comigo, por favor!"

"Shuuichi? Fale comigo, ande!" – ordenou, levada pelo medo, Sayaka.

"Quem são vocês? Aposto que são empregadas dele, não? Ou são outras amantes, outros brinquedos, com as quais ele se diverte??"

"Meu Deus, quem é você?" – gritou Sayaka, revoltada, ao tocar nas mãos de Kurama e senti-las frias como a de um cadáver.

"Hiei?" – perguntou Sayara, sem nem saber o que lha dava tal certeza, ou o por quê de tal indagação lhe invadir a mente, chocando assim, tanto Sayaka quanto o próprio youkai. – "É você, não é?" – a jovem insistiu, diante a pequena platéia muda de espanto: - "Mas... você... você não pode ser ele, não pode!! O Koorime de quem Shuuichi fala jamais agiria assim!"

"Ah, então este maldito falou de mim para vocês... O que foi? Ele por acaso disse que eu era um estúpido, um imbecil, mais um idiota que acreditava ser amado por ele? Disse? Ou falou que eu era apenas mais um passatempo – um ‘brinquedo’ que ele não via a hora de jogar fora e trocar por outro? Que eu tinha caído direitinho em suas mentiras?"

"Cale-se!! Você está falando loucuras!!" – Sayaka se aproxima de Shuuichi, levando suas mãos aos seus ombros, sacudindo-o, tentando faze-lo acordar, mas ele não reagia: os belos olhos verdes da cor de esmeraldas estavam completamente apagados... mortos. Agora, era ela, que não conseguia controlar o pânico: -"Vamos, Shuuichi... Fale comigo, pelo amor de Deus! Acorde!!" – sentindo-se levar pelo pânico cada vez mais crescente, gritou, virando-se para o outro youkai : - "O que você fez a ele?? Por que ele está assim? Fale, desgraçado!!"

"O que eu fiz? HÁ!! Ele está assim porque não coragem de me enfrentar, nem às suas mentiras! Por que sabe que, se eu pudesse, eu o mataria, se isso me fizesse ter paz... EU TE ODEIO, Kurama!!"

"CALE A BOCA!! SAIA DAQUI!!! SAIAAA!!!!" – gritou Sayara, tomando a frente da irmã, que ainda lutava para trazer Kurama à realidade, e, desesperada para que aquele louco – ele não poderia ser aquele a quem o jovem ruivo tanto amava... não podia!! – saísse dali, começou a gritar, histericamente: -"GUARDAS!! GUARDAAAASS!!!!"

"INTRUSO! INTRUSO!!" – começou a gritar, também, Sayaka.

"Não precisam me expulsar – eu vou embora daqui agora mesmo: já falei o tudo o que tinha para falar para essa raposa amaldiçoada!!"

Num relance, Hiei desapareceu pela janela, no exato momento em que os guardas, liderados por Aiko e Naiuki apareceram, alertas:

"O que aconteceu aqui?" – Aiko trovejou, entrando no quarto.

"Um... um intruso, Senhores!! Ele perturbou o escravo de Nazago-Sama...!" – Sayara tentava falar, ainda com os nervos abalados.

"É um Koorime! Um Koorime!! Vocês permitiram que ele entrasse no castelo... Agora, achem-no!!" - ordenou Sayaka.

"Está nos dando ordens, Serva?" – os olhos de Naiuki brilharam, perigosos.

"Não, Senhor!" – rápida, Sayara respondeu, tomando a defesa da irmã.

"É bom, mesmo: nós vamos procurar esse intruso por todos os lugares... Nosso Amo não pode ficar sabendo disto, ouviram?"

"Sim,... Senhores..."

Os Guardas saíram de dentro do quarto dando o alerta para a caça de um Koorime dentro das muralhas do castelo.

Enquanto isso, as duas irmãs tentavam, desesperadas, acordar Kurama daquele transe:

"Por favor, Shuuichi, fale conosco!! Reaja, por nós!"

"Somos nós, querido: Sayaka e Sayara... fale alguma coisa!"

De repente, ele reagiu, como que acordando de um sono profundo, olhando-as de forma assustada, como se não entendesse o que estava se passando:

"Sayara? O que... O que houve? Por que estão tão desesperadas? Sayaka? Por que está chorando? O que aconteceu?"

"Você... Você está bem? Está legal?" – gaguejou Sayaka.

"H-Hai, eu..."

"Jura? Por mim, Shuuichi? Jura?" – insistiu a Youkai mais velha, quase sem acreditar que ele finalmente despertara daquele transe maligno.

"Sim, estou... Com um pouco de sono, mas... não estou entendendo vocês..."

"Pelos Deuses, Shuuichi: você não viu aquele Koorime que estava aqui?" – perguntou Sayaka, incrédula.

"Era Hiei, não era, Shuuichi?" – Sayara afirmou, mais que perguntou.

"Quem? Um Koorime??? Mas eu... eu não lembro de ter ninguém aqui."

"Como não? Shuuichi, tinha um rapaz Koorime aqui no quarto sim, gritando e xingando-o de todas as formas!" – se assustou Sayaka.

"Era Hiei, Shuuichi: seu Hiei, tenho quase certeza!" – os olhos de Sayara estavam arregalados de medo.

"Desculpem, meninas, mas... não sei do que estão falando: não conheço nenhum Hiei; e, tão pouco, lembro de um Koorime me xingando aqui no quarto." – Kurama disse, como se estivesse duvidando da sanidade mental de ambas. Um outro youkai, ali, no quarto? Impossível: ele não vira ninguém!

"Por favor... Não fale assim, você o amava!! Não se lembra?" – Sayara tinha os olhos cheios de lágrimas com o que estava vendo.

"Não lembra? Foi ele quem lhe deu a pulseira do Dragão... Você não pode ter esquecido de tudo assim, Shuuichi: não pode!!" – Sayaka tentava acabar com aquela loucura.

"Vocês estão se confundindo: não me lembro de nada do que estão falando." – agora era Kurama que não deixava de esconder um certo receio pelo que suas amigas estavam lhe dizendo – estavam enganadas, é claro: ele não conhecia nenhum Koorime, e muito menos uma pessoa fosse qual espécie fosse, chamada de ‘Hiei’. Só podia ser isso: um engano.

"Shuuichi, jure para mim: você está bem?" – Sayaka fazia mais uma tentativa de entender aquela loucura.

"Sim, eu disse; só estou com sono, mas, quanto a isso, eu posso resolver: só preciso mesmo dormir um pouco... Afinal, preciso estar preparado para meu Amo, Nazago-Sama, quando ele chegar, mais tarde." – disse, com a maior naturalidade do mundo.

As Youkais se entreolharam, sem entender o que acontecia com ele: Kurama, aceitando o fato de ter se ‘preparar’ para receber Nazago? Como se aquela coisa fosse a mais natural para ele? Impossível!! Pelos Deuses, o que acontecera dentro daquele quarto, durante aqueles poucos minutos?

Quase como que se tratando de cuidar de um doente, Sayaka pegou-lhe uma das mãos, e, delicadamente, o puxou para os travesseiros:

"Venha, querido: fique aí e durma, um pouco... Vamos, precisa dormir."

"Si-Sim, isso mesmo, irmã: ainda temos muito tempo, até Nazago-Sama voltar, Shuuichi-San, pode ficar tranqüilo." – Sayara tratou de tranqüilizar o Humano.

"Sim..." – Kurama fechou os olhos e dormiu tranqüilamente, quase que de imediato, enquanto as duas irmãs puxavam as cobertas até seu queixo, cobrindo-o, para, depois, vendo-o finalmente adormecido, voltarem-se uma para a outra, horrorizadas com o que tinham visto... e ouvido.

"Você... Você ouviu aquilo, Sayaka? Ele disse que..."

"Sim, Sayara... Acho que ele finalmente se esqueceu." – a compreensão pela imensidão da dor que devia estar dentro do frágil ruivo era tanta, que Sayaka sentia uma vontade quase incontrolável de chorar, uma vez que tinha testemunhado a morte de todos os sonhos... e esperanças de salvação, de Kurama.

"Acho que foi por causa daquele pequenino, eu..."

"Pois eu não tenho dúvidas, irmã: provavelmente aquele Koorime era Hiei, sim... e, com as terríveis palavras que ele falou, acabou matando, sem saber, a última chance de salvação do Kitsune que ele tanto luta para deixar de amar..."

"Ele... ele estava tão furioso, Sayaka! Dava até para sentir medo, dele. Será que..."

"Imagino o porquê: ele deve ter vindo aqui com o intuito de ver como Shuuichi-San estava, ou, até mesmo, salva-lo... Mas aí, viu Kurama bem desta maneira – vivo, bem cuidado, instalado num quarto de sonhos – e, logo, pensou que ele realmente o traía... Mas... ele entendeu tudo errado, percebe? Tudo errado!! Kurama o ama com loucura - tanto que, se até hoje se submete ao nosso Mestre, é por que quer salvar-lhe a vida, não importando com o que terá que fazer ou se submeter, para isso - e deve ter ouvido algo que o abalou a tal ponto, que o fez entrar em choque!!"

"... e acabou se esquecendo, apagando de sua mente seu amor... Se isto realmente ocorreu, eu não imagino o que possa vir depois, irmã: ele pode começar a esquecer de sua família, amigos, e até dele mesmo! Oh, Sayaka: eu tinha tantas esperanças que ele não sofresse o mesmo que nós, que não acabasse perdendo todas suas lembranças, todas suas memórias... sua humanidade!! Que ele haveria de conseguir lutar até o fim!!" – Sayara terminou, entre lágrimas.

"Ah, irmã: vai ser horrível!! Sem a proteção de seu amor por Hiei no coração, ele não tem mais nada na vida que o prenda à realidade... Nada. Ele estará pronto para se tornar um escravo perfeito, para nosso Mestre., uma vez que perdeu todo seu contato com sua parte humana: agora, só restará a animal, que haverá de lutar pela sobrevivência... de todas as maneiras possíveis - e, se a única maneira de sobreviver for se transformando em um escravo completo, totalmente domesticado em todos os sentidos, para nosso Mestre, ele será, com certeza." – Sayaka fechou os olhos, enquanto embalava a irmã soluçante nos braços, e, dentro de seu coração, começava a orar pelo que se tornaria o inferno em vida do jovem que dormia placidamente, na cama ao lado de ambas.
 
 

**********************
 
 

Nazago-Sama chegara de sua viagem, e estava a esperar, sentado à mesa do enorme Salão principal, para jantar, junto com ele, seu convidado especial: Kurama

Este acabava de entrar no salão acompanhado de duas youkais, e os guardas que protegiam o Mestre, o encararam friamente, enquanto Nazago observava o kitsune se sentar numa das cadeiras daquela enorme mesa, repleta de comida para todos os gostos.

O Kairui estava arrumado como sempre, com suas vestimentas negras de seda e ouro, a dar-lhe a aparência de um verdadeiro Rei ou Imperador. As servas os serviam, enquanto o Amo conversava com Kurama.

"Você está extremamente bonito hoje, meu escravo. Meus parabéns, Sayaka e Sayara: vocês cuidaram muito bem dessa raposa."

"Obrigada, Senhor: Fizemos o possível para deixa-lo ainda mais lindo do que já é."

"Isto é bom. Sirvam-nos."

As irmãs o serviram, indo servir, então, o jovem humano. Nazago comia observando as mexidas dos talheres no que Kurama dava no prato, sem comer absolutamente nada que estava nele.

"O que foi? Não está com fome, raposa? Ou não é do seu agrado?" – a voz estava com um interesse frio.

"Nada disto, meu Senhor... Eu... gosto desta comida."

"Se é assim, por que não a come? Alimente-se. Não devia recusar minha boa-vontade, quando eu tão... raramente a demonstro, escravo. Os dias passados no calabouço devem ter sido duros para você, não? Não é mesmo, soldados?"

"Claro, Senhor Nazago-Sama!" – concordou Naiuki.

"Este escravo suportou muito bem o castigo de passar de uma semana preso e isolado, no calabouço, Amo." – explicou Aiko.

"Isto é bom... então, ele é realmente muito forte: meu escravo preferido consegue suportar uma semana trancafiado num cubículo perdido em escuridão e frio, sem falar com ninguém! Você é ótimo, escravo: por isto, o amo tanto. Agora, para seu bem, alimente-se, Kurama. É uma ordem."

"Sim, eu... vou comer, senhor..."

O Humano/Youko começou a colocar algo na boca, então, mastigando e engolindo obedientemente como seu Amo mandara, uma parte da comida. As irmãs ficaram tensas com aquilo, esperando, a qualquer momento, alguma reação por parte do organismo do kitsune.

Mas os minutos foram se passando, e nada aconteceu.

Tal atitude – de servidão imediata – agradou Nazago, tão acostumado a ver aquela raposa resistir até o fim a tudo, mas, ao mesmo tempo, deixou-o intrigado com aquilo.

"Como está obediente, escravo: comeu tudo direitinho!" – seus olhos cinzentos não escondiam um brilho mordaz, e sua voz, estava carregada de ironia e sarcasmo: - "Boa raposa. O que andou fazendo durante essas duas últimas semanas sem ninguém para lhe forçar a nada?"

A resposta do kitsune não veio.

Sua face empalideceu subitamente, e seus olhos fecharam-se, num esgar de dor; as mãos que estavam apoiadas na mesa repentinamente empurraram prato, talheres, louças e tudo o mais próximo a ele para o chão.

O barulho da louça se quebrando no solo, seguido de um grito agudo de dor vindo de Kurama, assustou a todos.

"O que está acontecendo?" – Nazago se levantou, perguntando aos gritos, ao ver Kurama perder os sentidos e escorregar de cima da mesa, indo em direção ao chão.

Nazago levantou-se e foi parar rapidamente ao lado de Kurama, segurando seu corpo antes que caísse no chão.

Ele o segurou nos braços, deixando sua cabeça cair em seu peito, os olhos verdes definitivamente já selados, a face completamente branca, os lábios soltando longos gemidos, as mãos se contraindo por sobre o estômago, o corpo todo tremendo e suando frio, sem parar.

"Kurama!! Escravo, o que houve? O que está sentindo?" – Nazago perguntou. Kurama só gemia, em resposta. – " O que aconteceu aqui, servas?! ME RESPONDAM!! O que está acontecendo com ele?? Por que ele está assim??"- O Kairui reagiu, aos gritos.

As duas irmãs se calaram, abaixando a cabeça, apavoradas, sabendo-se vítimas do olhar assassino dos dois guardas.

"Respondam-me... ou MORREM!!" – foi a ameaça final.

"É porque... Senhor, porque ele... ele está sem comer por três semanas." – Sayaka corajosamente decidiu revelar tudo: jamais deixaria Shuuichi sofrer por suas faltas mais do já sofrera.

"O quê?? Por quê?"

"Porque..."

"... não permitiram que ele comesse, Senhor!" – Sayara completou, seguindo o exemplo da irmã mais velha.

"COMO NÃO? O castigo foi de apenas uma semana! E mesmo assim, eu dei ordens para que ele fosse alimentado!!" – Subitamente Kurama teve uma séria convulsão causada pela dor fortíssima em seu estômago, e seu corpo passou a tremer de tal maneira que o pano de suas roupas acabou caindo dos seus ombros pálidos, deixando aparecer, à vista de todos, as faixas e ferimentos roxos de seus ombros, peito e braços. – "O que é isto?? Por que ele está ferido?? O QUE ANDARAM FAZENDO COM MEU ESCRAVO NA MINHA AUSÊNCIA??? DIGAM O QUE ESTÃO ME ESCONDENDO!!"

"Senhor, ..." – elas olharam para os guardas e prosseguiram: -"... seu escravo ficou três semanas no calabouço: sem comer, e..." – sussurrou Sayara, sendo completada por Sayaka:

"... e sendo açoitado e espancado por seus guardas pessoais, Senhor."

"COMO?! Aiko, Naiuki!!!! QUEM LHES DEU ESTE DIREITO??" – Enfurecido, Nazago voltou-se para seus guardas, que recuaram, apavorados.

"Não, Senhor!! É MENTIRA!! Elas... Elas estão mentindo!!" – Naiuki gritou, tremendo.

"Isto mesmo: o Senhor não pode estar acreditando nelas!! Nós nunca o trairíamos, Nazago-Sama!!" – Aiko tentava defender a ele e a cúmplice.

"OLHEM COMO FALAM COMIGO!!! EU SOU O SENHOR DE VOCÊS!! RESPEITEM-ME!!"- Trovejou o Kairui, aproximando-se rapidamente dos dois, completamente enfurecido, incontrolável: -"COMO me pedem para não acreditar no que meus próprios olhos vêem?? COMO me pedem para não enxergar as provas que tenho em frente aos meus próprios olhos?? COMO me pedem para não ver as marcas que deixaram em meu escravo preferido?? ME DIGAM: COMO?"

"Senhor: é a nossa palavra contra a delas! Nós..."

"CALEM-SE!! A palavra delas é mais confiável que a de vocês, traidores!!"

"Isso nunca!! Elas são serviçais estúpidas!! Não mais que meras escravas!"

"CALEM-SE!! EU as coloquei tomando conta de meu melhor escravo unicamente porque confio nelas! Nunca me desapontaram: elas cuidam e tratam dele como ele merece... e de acordo como MINHAS ordens!!"

"Mas senhor, nós somos seus chefes de guarda!!"

"E nós... nós sempre obedecemos suas ordens, Senhor!! SEMPRE!!" – Aiko gritou, reconhecendo o prazer de matar no fundo dos olhos do seu Mestre.

"Sempre, Aiko? É mesmo?? Tem certeza disso?" – a voz de Nazago era carregada veneno: -"Qual foi a Ordem que lhes dei, antes de sair daqui? Consegue lembrar-se?"

"Eu... Era... Que nós..."

"Era a de que vocês o colocassem no calabouço... e o deixassem lá por uma semana. Apenas uma, foi a minha ordem! E o que fizeram?? Deixaram-no lá por três semanas inteiras, sem comida ou água; divertiram-se espancando-o e torturando-o como se vocês tivessem esse direito; enganaram-me, e ainda se deixaram levar pela reles ilusão de que eu não haveria de descobrir o que fizeram?"

"Na-Nazago-Sama, nós..." – Naiuki tentou falar alguma coisa.

"O que esperavam?" – a voz do Kairui trovejou pelo salão: -"Que eu não fosse capaz de ver... de perceber o que aconteceu?? Ou que eu haveria de lhes dar os parabéns pelo o que fizeram?"

"N-Não, Nazago-Sama..." – Aiko lutava desesperadamente contra o medo da morte.

"É isso? Esperavam que eu os parabenizasse por terem quase matado meu escravo preferido?"- a ironia cortante na voz do Kairui cortava o ar como uma faca. – "O escravo o qual eu proibi a qualquer um de tocar... a não ser eu mesmo?"

"Senhor, nós..." – ambos os youkais sentiam o frio da morte envolvê-los, aterrador... e asfixiante.

"Não me interessam suas desculpas vazias: a punição de vocês dois pela desobediência será... a MORTE!!"

"Nazago-Sama, não!! Deixe-nos explicar!!" – ambos os Youkais gritam, desesperados, sentindo um súbito aumento de energia ao redor, enquanto o corpo de ambos eram tomados pelo mais puro terror.

"Ninguém desobedece minhas ordens... MORRAM!!" – Implacável, Nazago manifesta então o poder de seu Youki, e, com uma simples, porém devastadora rajada de energia, extermina os dois youkais, destruindo seus corpos, estraçalhando-os em milhões de pedaços, que se espalharam para todos os lados.

Impassível, como se nada tivesse acontecido, ele volta-se calmamente para as irmãs e fala:

"Que isso sirva de lição para todos que tentarem me enganar. Acho que vou precisar de novos guardas." – e, abaixando-se para pegar no colo a carga preciosa que as duas irmãs tinham em suas mãos, continuou: -"Eu vou levá-lo para o quarto, e cuidarei dele. Sozinho. Não quero que me incomodem... durante três dias." – Voltando um pouco a cabeça para trás, dirigiu-lhes seu mais gélido olhar: -"Fui claro?"

"Si-Sim, Amo..." – conseguiu murmurar Sayara, ainda chocada com o que vira acontecer ali, nos últimos minutos.

"Não se preocupe, Mestre." – garantiu Sayaka, engolindo em seco.

******************

"Hã? Onde... estou??" – Kurama murmurou, abrindo aos poucos os olhos, movendo as mãos nos lençóis. Ainda com a visão turva, ele olhou à sua volta e percebeu que estava novamente no quarto de antes; e seu corpo, coberto apenas por um kimono. Vagarosamente, o jovem ruivo vira o rosto, movendo-se na cama, e surpreso, avista Nazago, dormindo profundamente

Levado pelo susto de ver o poderoso Kairui tão próximo, Kurama prende a respiração, temendo acordá-lo e ser vítima de mais abusos. Porém, de acordo com que os segundos passam, o humano sente-se um pouco mais seguro. Sua mente parece estar estranhamente envolta em brumas, como se estivesse acordando de um longo sono... Notando estar livre da eterna Coleira de Contenção no pescoço, pensou:

"Estou livre... parece que meu Mestre me soltou hoje, enquanto dorme. Por que me sinto tão leve, tão... estranho? " – voltando um pouco em direção a um lado do quarto, Kurama vê a beleza do dia que acabara de nascer. –"Esta manhã está tão bela, e... o que é aquilo?" – Kurama avista na janela as trepadeiras de rosas vermelhas, que logo chamam sua atenção, fazendo-o levantar da cama sem ao menos sentir.

Parecia que o brilho dos raios de sol batendo nas pétalas das rosas o haviam hipnotizado, fazendo a raposa ficar completamente estático frente à janela durante longos minutos, para, então, subitamente, mover-se, como ainda que em transe, tentando alcançar aquelas rosas tão lindas, que pareciam estar mais próximas, mas que, na realidade, estavam perigosamente distantes.

Impossibilitado de ir mais em frente, Kurama sentiu o peito apertar-se de angústia: trêmulas, as mãos começaram a estender-se desesperadamente para pegar pelo menos uma das rosas; isto o fez manifestar inconscientemente seu You-ki, aumentando o crescimento dos galhos.

Era uma louca vontade de tocar aquelas rosas: uma necessidade que nem ao menos ele sabia dizer de onde vinha... Talvez, porque lhe houvessem tirado aquele presente duas vezes, ou quem sabe, porque aquela pequena planta significasse um passado, seu amor; sua realidade agora perdida... poderia ser isto e muito mais; mas não importava qual era a resposta: Kurama queria unicamente pegá-la, nem que para isto tivesse que gastar todo o seu Ki, inconsciente, se esforçando ao máximo para que este saísse de seu corpo e obedecesse ao seu comando.

Nazago acabou acordando com a energia do kitsune, que se espalhara pelo quarto, trazendo uma aura energética ao lugar:

"O que pensa que está fazendo? Não! Não, escravo!!" – ele gritou, se levantando rapidamente da cama e correu em direção ao Humano, prendendo-o pelos braços, começando a conter seu You-ki o mais rápido possível: Kurama começa a ficar enfraquecido pelo gasto excessivo de You-ki, e, angustiado, tenta libertar-se:

"Não! Por favor, meu senhor: eu preciso delas, deixe-me... tenho... tenho que tocá-las! Preciso fazer isto, por favor, eu..."

"Não!!" – o Kairui aumenta ainda mais a força, dominando-o, impedindo-o de reagir mais rapidamente: -"Pare de gastar seu You-ki, Youko: você não está preparado para isto, pode ficar... pode morrer!! Pare com isto agora, escravo: É uma ordem!" – comandou o Kairui.

"Mas Senhor... eu... eu ... quero...pegá-las, eu... quero... por favor... por favor..." – Kurama não suporta o esforço, e suas pernas cedem, fazendo-o cair de joelhos no chão, de fraqueza. Nazago o segura entre os braços e o consola:

"Por que isto? É apenas uma rosa: por que fazer todo este esforço por ela? O que ela tem de tão importante, escravo? O quê?"

"Eu a quero, eu... ela me lembra..." – ele começa a chorar, as lágrimas descendo-lhe, rápidas, pelo rosto, a voz alquebrada por soluços, revelando um sofrimento que o estava matando por dentro: -"... alguém... alguma coisa... antiga!" – a voz de Kurama revelava uma vulnerabilidade igual à de pessoas que tem suas mentes e vidas apagadas por meio choques terríveis: - "... tanto tempo sem senti-las... tocá-las... tiraram de mim... não faça isto de novo, Senhor... eu lhe imploro..."

"Pare de chorar. De quem quer lembrar? De seu amante, por acaso?" – as palavras ferinas de Nazago invadiram a consciência de Kurama, desnorteando-o mais ainda.

"Quem? Amante...?? Não sei do que o senhor está falando..." – a voz mostrava o espanto pela acusação do youkai.

Cínico, Nazago levanta-se, dizendo:

"Eu vou lhe trazer uma das rosas que você tanto quer... e você não falará isto, com certeza."

O Kairui trouxe então uma rosa vermelha com sua energia, entregando-a em suas mãos. O Humano/Youko a segurou entre seus dedos e aspirou profundamente o perfume, deixando as lágrimas descerem por sua face.

"O que me diz? Está feliz agora?? Não vai falar de seu amor, de tudo o que era bom entre vocês?"

Kurama ergueu o rosto e encarou o imponente youkai à sua frente com a face ainda molhada de lágrimas, num retrato fiel de inocência:

"Eu... estou muito feliz, meu senhor... Muito obrigado! Mas... não sei de quem o senhor está falando: que amor?"

"Ah, não sabe? Estou falando do mestiço Koorime que você sempre amou, e pelo qual só aceitou se submeter a mim para salvar-lhe a vida: Hiei."

"Hiei?" – Kurama estranhou o uso novamente daquele nome. –"Por que falam tanto dessa pessoa? Eu... nem sei quem ele é, meu senhor."

"Não se lembra dele?" – Nazago estreita os olhos cinzentos, astuto: -"Me diga: quem... ou o quê essa rosa lhe faz lembrar?"

Sem entender o que está acontecendo em seu próprio coração, Kurama sente-se perdido e, vulnerável, responde:

"Não sei... eu.... ela me faz bem à alma... e... perdoe-me, Nazago-Sama, mas eu... eu estou me sentindo estranho... com sono... cansado..." – Kurama começa a falar frases soltas, desconexas, enquanto parece estar perdendo os sentidos: -"... eu a tenho...! ... é tudo o que eu queria... há muito tempo. Não quero que a tirem... de mim, novamente... por favor, meu Senhor... não... me..." – Kurama apaga, então, inconsciente, nos braços de Nazago, sem soltar a pequena rosa vermelha.

"Então... você se esqueceu de Hiei, não é?" – o ar de vitória no rosto do Kairui era algo sinistro: -"Eu lhe disse que isto aconteceria, um dia, não importava o quanto você lutasse: eu – e apenas eu, Kairui Nazago, haveria de ser o dono de sua alma... E consegui!! Infelizmente, o mérito não foi meu: alguma coisa aconteceu, e você mesmo se encarregou de apagá-lo de sua mente..." – Com um sorriso de vitória nos lábios, o youkai passa levemente os dedos pela face adormecida e suavemente desprotegida do kitsune, continuando: -"Mas isso não me importa: Hiei agora lhe perdeu para sempre! De hoje em diante, só eu vou ter seu amor, Kurama... Você será meu eternamente!! E não admitirei ninguém mais em meu caminho... Ninguém!!" – Vendo o jovem se mover inconscientemente nos seus braços ao escutá-lo, o Kairui sente um frêmito de êxtase percorrer-lhe a espinha: -"Sim, meu doce e querido escravo: durma... e descanse bem. Pois agora você não ficará mais sozinho: eu trarei seus companheiros para você... HÁ! HÁ! HÁ! HÁ! HÁ! HÁ! HÁ! HÁ!"
 
 

**********************

Fim do Capítulo 05

Continua ; ___ ;



Capítulo 6
O Amor Nunca se Esquece
Fanfics Yu yu
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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