Sistema formal - David Hilbert
Até aqui as disciplinas dedutivas atingiram um alto grau de perfeição lógica. Mas algumas dúvidas começaram a abalar a confiança dos matemáticos: o surgimento, por volta de 1900, de numerosos paradoxos ou antinomias, especialmente na teoria dos conjuntos. O surgimento de tais contradições mostrava que havia algum defeito nos métodos. Será que se poderia ter certeza de que em se usando os axiomas de um sistema rigidamente lógico - o grande sonho de tantos matemáticos do início do século XX de reduzir a matemática e o conhecimento à lógica -, nunca se chegaria a uma contradição, dentro dos axiomas do sistema? Este quadro estimulou a criatividade matemática. Na tentativa de se resolverem os paradoxos surgiram 3 grandes escolas da lógica : a Logicista , a Intuicionista e a Formalista (há um excelente trabalho para explicar essas escolas, em linguagem apropriada para o não-especialista, em).

Mas, retornando ao problema dos paradoxos acima citado, estava iminente, nos fins do século XIX, uma inevitável colisão entre matemática e filosofia. Alguns vagos conceitos metafísicos associados com o pensamento humano já tinham chamado a atenção de matemáticos das duas primeira décadas do século XX, que passaram a procurar a verdadeira natureza do raciocínio dentro da ciência matemática. O que é um procedimento correto?, qual a relação entre verdade e demonstração?, é possível fornecer uma prova para todos os enunciados matemáticos verdadeiros? E o problema das ambiguidades, já que a matemática sempre foi feita através de uma linguagem natural? Sem falar na crise dos paradoxos, subjacente a tudo isso!

A escola logicista rapidamente ficou exposta a fortes críticas. Frege, Peano e Russell , devido ao seu platonismo, acreditavam em um mundo objetivo, existente por si mesmo, de entes e relações matemáticas que o pesquisador deve descobrir e não inventar. Bertrand Russell tinha objetivos ainda maiores: utilizar o instrumental da lógica como ponto de partida do pensamento filosófico, através da geração de uma linguagem perfeita. Mas a matemática, enquanto perquirição pura, independe teoricamente dessas aplicações, bastando ver as pesquisas atuais. Deve-se no entanto destacar o grande mérito dessa escola de incrementar grandemente o progresso da logística e confirmar a união íntima entre matemática e lógica.

O programa intuicionista sofreu também fortes críticas, principalmente a de desfigurar a matemática, tornando-a algo subjetivo e praticamente impossível. O próprio modo de se provar a não-contradição de uma teoria matemática, buscando um 'modelo' dos axiomas desta teoria dentro de outra teoria já existente (e que era considerada coerente) mostrou-se pouco confiável: como dar a certeza da não-contraditoriedade dessa outra teoria? A maior parte dos matemáticos dos nossos dias afastou-se desta linha de pensamento. Positivamente falando, sua severa crítica à matemática tradicional obrigou os especialistas nos fundamentos a desenvolverem novos métodos para reabilitar a teoria clássica. A escola formalista progrediu bastante através das polêmicas com os intuicionistas

Para David Hilbert (1862-1943) e outros, o problema de estabelecer fundamentos rigorosos era o grande desafio ao empreendimento de tantos, que pretendiam reduzir todas as leis científicas a equações matemáticas, e que teve como ápice os anos da década de 1930. Através de dois relatórios, em 1922 e 1923, propôs o chamado Programa Hilbertiano, voltado para uma prova não mais 'relativa' (a outro sistema), mas direta e absoluta de um sistema axiomático. Era necessário colocar a matemática em bases rigorosamente sólidas, com axiomas e regras de procedimento que deveriam ser estabelecidos em caráter definitivo. Todos estes estudos denominaram-se Metamatemática ou Metalógica, pela conectividade das duas.

Hilbert propôs-se demonstrar a coerência da aritmética para depois estender tal coerência aos âmbitos dos demais sistemas. Ele apostou na possibilidade da criação de uma linguagem puramente sintática, sem significado, a partir da qual se poderia falar a respeito da verdade ou falsidade dos enunciados. Tal linguagem foi e é chamada de sistema formal, e está resumida abaixo. Isto era o centro da doutrina formalista, que mais tarde estimularia Turing a fazer descobertas importantes sobre as capacidades das máquinas. Lembre-se também que John von Neumann, a quem muitos atribuem a construção do primeiro computador, era um aluno de Hilbert e um dos principais teóricos da escola formalista.

Um problema fundamental neste processo de formalização da aritmética era perguntar se existe um procedimento finito pelo qual seja possível decidir a verdade ou falsidade de qualquer enunciado aritmético. Em 1900, no Segundo Congresso Internacional de Matemática, realizado em Paris, David Hilbert propôs uma lista de 23 problemas cuja solução "desafiará futuras gerações de matemáticos". Vários deles foram desde então resolvidos e alguns resistem até hoje, permanecendo ainda em aberto.

O segundo problema da referida lista estava relacionado com a confiabilidade do raciocínio matemático, isto é, se ao seguir as regras de determinado raciocínio matemático não se chegaria a contradições. Relacionado com ele, o problema de número dez é especialmente interessante para a Computação. Era de enunciado bastante simples: descreva um algoritmo que determine se uma dada equação diofantina do tipo P(u1,u2,...,un) = 0, onde P é um polinômio com coeficientes inteiros, tem solução dentro do conjunto dos inteiros. É o famoso problema da decidibilidade, o Entscheidungsproblem. Este problema consistia em indagar se existe um procedimento mecânico efetivo para determinar se todos os enunciados matemáticos verdadeiros poderiam ser ou não provados, isto é, se eles poderiam ser deduzidos a partir de um dado conjunto de premissas.

Também a questão da consistência era decisiva para Hilbert, pois é uma condição necessária para o sistema axiomático do tipo que ele tinha em mente. Aristóteles já tinha mostrado que se um sistema é inconsistente, qualquer afirmação poderia ser provada como falsa ou verdadeira. Neste caso não seria possível ter um fundamento sólido para qualquer tipo de conhecimento, matemático ou não. Anos mais tarde, em 1928, no Congresso Internacional de Matemáticos, realizado em Bolonha, Itália, Hilbert lançou um novo desafio, que na verdade somente enfatizava aspectos do segundo e no décimo problema já descritos. Hilbert queria saber se é possível provar toda assertiva matemática verdadeira. Hilbert estava buscando algo como uma "máquina de gerar enunciados matemáticos verdadeiros": uma vez alimentada com um enunciado matemático, poderia dizer se o enunciado é falso ou verdadeiro . É um problema que está relacionado com o citado projeto hilbertiano da busca de um sistema formal completo (onde toda assertiva matemática verdadeira pode ser provada no sistema) e consistente (uma verdade matemática e sua negação não podem ambas ser provadas no sistema).

Ao mesmo tempo, em 1927, com 22 anos, von Neumann publicou 5 artigos que atingiram fortemente o mundo acadêmico. Três deles consistiam em críticas à física quântica, um outro estabelecia um novo campo de pesquisas chamado Teoria dos Jogos, e, finalmente, o que mais impatou o desenvolvimento da Computação: era o estudo do relacionamento entre sistemas formais lógicos e os limites da matemática. Von Neumann demonstrou a necessidade de se provar a consistência da matemática, um passo importante e crítico tendo em vista o estabelecimento das bases teóricas da Computação (embora ninguém tivesse esse horizonte por enquanto).

Já foi citado no capítulo sobre o Desenvolvimento da Lógica Matemática o desafio dos matemáticos do início do século de aritmetizar a análise. Eles estavam de acordo no que diz respeito às proposições geométricas e outros tipos de afirmações matemáticas: que poderiam ser reformuladas e reduzidas a afirmações sobre números. Logo, o problema da consistência da matemática estava reduzido à determinação da consistência da aritmética. Hilbert estava interessado em dar uma teoria da aritmética, isto é, um sistema formal que fosse finitisticamente descritível, consistente, completo e suficientemente poderoso para descrever todas as afirmações que possam ser feitas sobre números naturais. O que Hilbert queria em 1928 era que para uma determinada afirmação matemática, por exemplo, "a soma de dois números ímpares é sempre um número par", houvesse um procedimento que, após um número finito de passos, parasse e indicasse se aquela afirmação poderia ou não ser provada em determinado sistema formal, suficientemente poderoso para abranger a aritmética ordinária . Isto está diretamente relacionado com o trabalho de Gödel e Alan Turing.

Pode-se afirmar que em geral a lógica matemática prestou nestes tempos maior atenção à linguagem científica, já que seu projeto era o da elaboração de uma linguagem lógica de grande precisão, que fosse boa para tornar transparentes as estruturas lógicas de teorias científicas. Tal projeto encontrou seus limites, tanto na ordem sintática como na ordem semântica (por exemplo com os célebres teoremas de limitação formal). Este fenômeno levou a uma maior valorização da linguagem ordinária, que, apesar de suas flutuações e imprecisões, encerram uma riqueza lógica que os cálculos formais não conseguem recolher de todo. Dentro da própria matemática - como se verá mais adiante com Gödel - há verdades que não podem ser demonstradas mediante uma dedução formal, mas que podem ser demonstradas - o teorema da incompletude de Gödel é uma prova disso - mediante um raciocínio metamatemático informal. A partir desse propósito de construção de uma linguagem ideal surgiu a filosofia da linguagem (Moore, Wittgenstein, Geach em sua segunda etapa) colocando as questões lógicas sobre nova ótica.

Na verdade, tanto a lógica matemática em sentido estrito como os estudos de semântica e filosofia da linguagem depararam-se com problemas filosóficos que não se resolvem somente dentro de uma perspectiva lógica. Há questões de fundo da lógica matemática que pertencem já a uma filosofia da matemática.

Todos esses desafios abriram uma porta lateral para a Computação e deram origem a um novo e decisivo capítulo na sua História. Da tentativa de resolvê-los ocorreu uma profunda revolução conceitual na Matemática - o Teorema de Gödel - e surgiu o fundamento básico de todo o estudo e desenvolvimento da Computação posterior: a Máquina de Turing.

 - A concepção formalista da Matemática
Hilbert, diferentemente dos logicistas, não tinha pretensões de reduzir a matemática à lógica, mas fundamentar conjuntamente ambas. Ele e os outros seguidores da escola formalista viam na matemática a ciência da estrutura dos objetos. Os números são as propriedades estruturais mais simples destes objetos e por sua vez constituem-se também em objetos, com novas propriedades. O matemático pode estudar as propriedades dos objetos somente por meio de um sistema apropriado de símbolos, reconhecendo e relevando os aspectos destituídos de importância dos sinais que utiliza. Uma vez que se possua um sistema de sinais adequados, não é mais necessário se preocupar com seus significados: os próprios símbolos possuem as propriedades estruturais que interessam. Aqui devemos atentar para o fato de que a formalização não deve ser confundida com este aspecto não esssencial que é a simbolização. O matemático deve apenas investigar, segundo os formalistas, as propriedades estruturais dos símbolos, e portanto dos objetos, independentemente de seus significados. Assim como na geometria ou na álgebra, para simplificar e uniformizar determinadas questões, são introduzidos conceitos não reais – ponto do infinito, números ideais, etc. – que são apenas convenções lingüísticas, também se justifica a introdução na matemática de conceitos e princípios sem conteúdo intuitivo. Deste modo as leis da lógica clássica permanecem válidas.

Ponto chave na metamatemática de Hilbert é que o sistema estudado não encerre contradição, isto é que não se possa provar uma proposição e ao mesmo tempo a sua negação. Ele procurou estabelecer um método para se construir provas absolutas de consistência (ausência de contradição) dos sistemas, sem dar por suposta a consistência de algum outro sistema.

O primeiro passo é a completa formalização de um sistema dedutivo. Isto implica a extração de todo significado das expressões existentes dentro do sistema: devem ser consideradas puros sinais ‘vazios’. Expressão é o nome que se dá às ‘palavras’ do sistema, que por sua vez são compostas de símbolos abstratos, também chamados ‘alfabeto’ do sistema. A forma como se devem combinar estas expressões deve estar plasmada em um conjunto de regras de formação e regras de inferência enunciadas com toda precisão, que especificam com uma expressão pode ser formada ou transformada em outra. A finalidade deste procedimento é contruir um ‘calculo’ que não oculte nada e que somente contenha o expressamente se tenha colocado nele. Em um sistema formal um número finito de expressões é tomado como sendo o conjunto de axiomas do sistema. A idéia de prova num sistema formal consiste em começar com um dos axiomas e aplicar uma seqüência finita de transformações, convertendo o axioma em uma sucessão de novas expressões, onde cada uma delas ou é um dos axiomas do sistema ou é derivada deles pela aplicação das regras de formação. A totalidade dos teoremas constitui o que pode ser provado no sistema. Os axiomas e os teoremas de um sistema completamente formalizado são portanto sucessões de comprimento finito de símbolos sem significado.

Uma axiomática formalizada converte-se, em resumo, em uma espécie de jogo grafo-mecânico, efetuado com símbolos destituídos de significação e regulado por meio de regras determinadas. E isto tem uma valiosa finalidade: revelar com clareza a estrutura e a função, similarmente ao manual esquemático e de funcionamento de uma máquina. Quando um sistema está formalizado, tornam-se visíveis as relações lógicas existentes entre as proposições matemáticas, como se combinam, como permanecem unidas, etc.

Uma página inteira preenchida com os sinais ‘vazios de significado’ não afirma nada: é simplesmente um desenho abstrato de um mosaico que possui determinada estrutura. No entanto é perfeitamente possível descrever as configurações de um sistema assim especificado e formular declarações acerca das configurações e das suas diversas relações mútuas. Hilbert observou que tais declarações pertencem à metamatemática, isto é, declarações a respeito dos símbolos e expressões existentes dentro de um sistema matemático formalizado.

Para cada sistema formalizado procura-se provar sua consistência, evidenciando-se que jamais se poderá chegar a arranjos simbólicos contraditórios. Os métodos utilizados foram denominados por Hilbert de métodos finitísticos: procedimentos elementares e intuitivos de tipo combinatório, utilizados para manipular um número finito de objetos e funções bem determinadas. A quantidade de axiomas e regras do sistema tinha de ser construtível com um número finito de passos e que os enunciados passíveis de prova tinham de ser provados com um número finito de passos.

Examinemos agora como um sistema formal sintático se relaciona com um mundo de objetos matemáticos aos quais estão associados significados. Esta relação se dá através da noção de interpretação. Desta forma todos os teoremas do sistema formal podem ser interpretados como enunciados verdadeiros acerca desses objetos matemáticos. O sonho de Hilbert era encontrar um sistema formal no qual todas as verdades matemáticas fossem traduzíveis, mediante algum tipo de interpretação, para teoremas e vice-versa. Tal sistema é denominado completo. O teorema de Gödel veio a destruir este sonho.

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