Introdução
O traumatismo crânio encefálico (TCE) é importante causa de morte e de
deficiência física e mental, superado apenas pelo acidente vascular cerebral (AVC)
como patologia neurológica com maior impacto na qualidade de vida.
O traumatismo crânio encefálico é uma constante no mundo de hoje, mundo esse
cada vez mais industrializado e motorizado. Os números estatísticos dessa doença
são no mínimo desanimadores: 10 milhões de casos somente nos EUA anualmente dos
quais 20% são sérios o bastante para causar lesão cerebral. A incidência é três
a quatro vezes maior nos homens do que nas mulheres. Os acidentes de trânsito
são a principal causa de lesão cerebral vindo em seguida à violência pessoal.
Como não bastasse, grande parte dos acidentados estão no ápice de atividade
vital, sendo que dentre os homens abaixo de 35 anos, a maior causa de morte é o
acidente de trânsito dos quais 70% envolvem traumatismo craniano e medular.
As principais maneiras de diminuição da morbidade e mortalidade dessa doença têm
sido conseguidas através de programas nacionais de prevenção aos acidentes de
trânsito e pela maior capacitação de pessoal especializado no resgate de
acidentados, visando diminuir ao máximo as lesões devidas ao transporte
inapropriado o que muitas vezes é o responsável por transformar uma lesão
reversível em irreversível.
Vários são os mecanismos responsáveis pelos TCEs. Lesões corto-contusas,
perfurações, fraturas de crânio, movimentos bruscos de aceleração e
desaceleração e estiramento da massa encefálica, dos vasos intracranianos e das
meninges (membranas que revestem o cérebro). As lesões podem ser focais ou
generalizadas. As focais localizam-se próximas à área do trauma ou em áreas mais
distantes.
Classificação
Os TCEs podem ser classificados em três tipos, de acordo com a natureza do
ferimento do crânio: traumatismo craniano fechado, fratura com afundamento do
crânio, e fratura exposta do crânio. Esta classificação é importante, pois ajuda
a definir a necessidade de tratamento cirúrgico.
O traumatismo craniano fechado caracteriza-se por ausência de ferimentos no
crânio ou, quando muito, fratura linear. Quando não há lesão estrutural
macroscópica do encéfalo, o traumatismo craniano fechado é chamado de concussão.
Contusão, laceração, hemorragias, e edema (inchaço) podem acontecer nos
traumatismos cranianos fechados com lesão do parênquima cerebral.
Os traumatismos cranianos com fraturas com afundamento caracterizam-se pela
presença de fragmento ósseo fraturado afundado, comprimindo e lesando o tecido
cerebral adjacente. O prognóstico depende do grau da lesão provocada no tecido
encefálico.
Nos traumatismos cranianos abertos, com fratura exposta do crânio, ocorre
laceração dos tecidos pericranianos e comunicação direta do couro cabeludo com a
massa encefálica através de fragmentos ósseos afundados ou estilhaçados. Este
tipo de lesão é, em geral, grave e há grande possibilidade de complicações
infecciosas intracranianas.
Patologia
Lesões Cutâneas e Fraturas
Os TCEs podem acometer a pele da cabeça, o crânio, ou o cérebro em qualquer
combinação. As lesões cutâneas têm pouca morbidade por si só, mas em geral estão
associadas a lesões do crânio e do tecido cerebral, além de poderem ser causa
freqüente de hemorragia e infecção.
As fraturas do crânio podem ser da convexidade do crânio ou da base. As da
convexidade podem ser lineares, deprimidas, ou compostas. As fraturas lineares
são comuns e não requerem tratamento específico. Entretanto, são sinais de
alerta, podendo ser indicativas de que o TCE teve certa gravidade. Por isto, o
paciente com esse tipo de fratura deve ser cuidadosamente observado por 12 a 24
horas na fase aguda. Exames neurológicos devem ser feitos periodicamente neste
período, e deterioração do nível de consciência ou alterações ao exame físico
podem ser indicativos da presença de hematoma intracraniano.
Fraturas deprimidas do crânio são o resultado de lesões provocadas por objetos
de baixa velocidade. A tábua interna do crânio sofre maior dano do que a tábua
externa. Essas fraturas podem determinar laceração da membrana de revestimento
externa do cérebro ou do tecido cerebral. O tratamento cirúrgico deve ser
considerado, sobretudo se a depressão for maior que a espessura do osso do
crânio.
Fraturas compostas são caracterizadas pela laceração do osso. O tratamento é
essencialmente o mesmo das fraturas simples, lineares: tratamento adequado das
feridas cutâneas com fechamento da laceração. As fraturas da base do crânio são
as mais freqüentes e, como as fraturas lineares, são indicativas de que o TCE
foi intenso. Elas podem levar a fístulas liqüóricas, sendo fontes potenciais de
meningite, abscesso, e outras infecções intracranianas. As fraturas da base
também podem lesar os nervos cranianos, cujos forames estão aí localizados.
Lesões Encefálicas
As lesões encefálicas podem ser classificadas em primárias e secundárias. As
lesões primárias são o resultado do impacto, e geralmente estão presentes já no
momento do acidente. As lesões secundárias são aquelas de curso progressivo,
ocorrendo como conseqüência de hematoma, edema, isquemia ou hipóxia, podendo
levar a lesões neurológicas tardias.
O tecido cerebral pode ser lesado diretamente no lugar do impacto (lesão por
‘golpe’), ou em pontos diametralmente opostos ao impacto (lesão por
‘contra-golpe’). As porções inferiores dos lobos frontais e temporais são as
áreas mais acometidas pelas lesões por ‘contra-golpe’, pois os ossos da base do
crânio, sobretudo nas fossas temporal e frontal, apresentam superfícies rugosas,
cheias de acidentes anatômicos.
Tipos de Lesões Cerebrais
Concussão é o traumatismo craniano fechado sem lesão estrutural macroscópica do
encéfalo. Há alteração temporária da função cerebral, mais evidente logo após o
traumatismo, tendendo a melhorar em 24 horas. Pode ser acompanhada por
bradicardia, hipotensão e sudorese. A concussão caracteriza-se pela perda de
consciência, freqüente, mas não invariável amnésia (esquecimento) do evento,
letargia temporária, irritabilidade, e disfunção de memória. Não tem curso
fatal. A perda de consciência deve ser breve, sendo definida arbitrariamente,
com duração inferior a 6 horas.
Lesão axonal difusa ocorre quando a perda de consciência é superior a 6 horas.
Caracteriza-se por estiramento dos neurônios em decorrência dos movimentos
súbitos de aceleração e desaceleração. Pode ser dividida de acordo com a duração
do coma e o prognóstico depende da sua duração. Os comas mais prolongados podem
estar associados a sinais focais ou edema, e têm prognóstico mais desfavorável.
As lesões são microscópicas, e, em geral, afetam o corpo caloso e o tronco
cerebral ou são difusas.
Tumefação cerebral pode ser devida a edema cerebral (aumento do teor de água
extravascular) ou por aumento da volemia do cérebro pela vasodilatação anormal.
A tumefação pode ser difusa ou focal.
Contusão cerebral caracteriza-se por lesão estrutural do tecido encefálico e
pode ser demonstrada pela tomografia computadorizada de crânio como pequenas
áreas de hemorragia. Não há lesão da pia-aracnóide (membranas mais internas de
revestimento do cérebro). Edema cerebral é comum. As contusões, em geral,
produzem alterações neurológicas que persistem por mais de 24 horas. As
manifestações clínicas são déficits neurológicos focais, como paralisias,
transtornos da linguagem, alterações da memória e do afeto e, mais raramente,
alterações visuais. Os déficits neurológicos podem persistir como seqüelas.
Lacerações do tecido cerebral, em geral, ocorrem quando há fraturas, apesar de
que movimentos bruscos de aceleração e desaceleração também podem levar a perda
de substância encefálica. Lacerações das meninges e dos vasos intracranianos
acompanham esse tipo de lesão e, geralmente, levam a hemorragia intracraniana.
Déficits neurológicos sempre estão presentes, e deixam seqüelas, apesar de
ocorrer certa melhora com o tempo.
Hematoma epidural (localizado entre a calota craniana e a membrana mais externa
de revestimento do cérebro) ocorre entre 1 a 3% dos TCEs. São lesões associadas
a fraturas que laceram uma das artérias ou veias meníngeas. A apresentação
clínica é variável. Em geral há perda da consciência logo após o trauma com
recuperação após alguns minutos ou horas. Entretanto, posteriormente, o paciente
começa a ficar letárgico e ocorre deterioração neurológica, podendo haver
herniação cerebral se não tratado.
Alterações pupilares e hemiparesia
(dificuldade de movimento em um lado do corpo) contralateral ao local da lesão,
associadas a alterações da consciência são os achados mais comuns ao exame
físico. Cirurgia para drenagem do hematoma é o tratamento de escolha.
Hematoma subdural agudo (localizado entre as membranas que revestem o cérebro) é
encontrado, freqüentemente, em pacientes que sofrem traumatismo decorrente de
aceleração e desaceleração em altas velocidades. Pode ser simples e tem bom
prognóstico quando não há lesão cerebral associada. Hematomas subdurais
complicados são acompanhados de laceração do parênquima e dos vasos. O quadro
clínico se caracteriza, geralmente, por coma e por diversos graus de alterações
focais. O tratamento pode ser cirúrgico ou não, dependendo do tipo e da extensão
das lesões.
Hematoma subdural crônico tem apresentação tardia, pelo menos 20 dias depois do
trauma. É mais comum em crianças e em idosos. Alcoolismo, epilepsia, uso de
anticoagulantes, diálise renal predispõem os pacientes a terem essa complicação.
O quadro clínico é insidioso, caracterizado por confusão, distúrbios de memória,
apatia e alteração de personalidade. Dor de cabeça é comum. O diagnóstico é
feito através da tomografia computadorizada de crânio. Em geral, o tratamento é
cirúrgico.