Veneno - Um milh�o e seiscentos mil quil�metros |
Cruzar o Peru, passar pelo Equador e entrar nas selvas Colombianas. D� pra imaginar? Voc� tem peito? Voc� ag�enta? Pois � tigr�o. Viramos gatinhos, pois perante um cabra macho como o sr. Ernesto, que hoje est� perto de completar 89 anos, e que topou essa e outras paradas j� com mais de 60 anos nas costas s� nos resta miar. Miau! O sr. Ernesto, austr�aco de nascimento, agr�nomo da ind�stria Basf de Defensivos Agr�colas, � um especialista em doen�as de plantas tropicais. Rodou a Am�rica do Sul inteira ao longo das d�cadas de 50, 60, 70 e 80. Mais de trinta anos por tudo quanto � estrada de terra que havia. Quando comecei a percorrer o Brasil, na d�cada de 50, o asfalto acabava em Campinas, dal� pra frente era estrada de terra e estrada boiadeira, ou sen�o n�o tinha estrada mesmo, nos conta sr. Ernesto. Carros em suas m�os n�o duravam um ano. Fusca, Jeep, Rural, Kombi, todos se liquefaziam. Motores a ar da Volks n�o chegavam a durar 80 000 km e j� fundiam. N�o tem problema, pega um carro novo e toca pro Cear�, Par�, Acre, Maranh�o, Mato Grosso... tudo por terra. Coisa de macho. Coisa de gente determinada. Em 1970, seu filho lhe disse que estavam fazendo carros de pl�stico l� em Rio Claro. Seu Ernesto, j� cheio desses carrinhos descart�veis, resolve investigar e visita a rec�m-inaugurada f�brica da Gurgel para conhecer os tais jeep de fibra de vidro e com motor da Volks. Quando o entusiasta sr. Jo�o Gurgel propriet�rio da f�brica ficou sabendo do uso que eu pretendia dar ao seu carro, logo veio falar comigo e fizemos um acordo onde eu seria uma esp�cie de piloto de testes para relatar todos os problemas que surgissem, conta Ernesto; em compensa��o eu teria todas as modifica��es que pedisse, sem �nus. O maior problema constatado foi o superaquecimento do motor. Esse motor foi idealizado para evitar os problemas do congelamento da �gua do radiador. Naquele tempo, d�cada de trinta quando foi projetado, ainda n�o havia produtos que evitassem o congelamento da �gua, ent�o, ou guardava-se o carro na garagem ou �ramos obrigados a esvaziar o radiador para que n�o estourasse, diz Ernesto, o Fusca, carro do povo, era para ser um autom�vel destinado ao consumidor que n�o tivesse poder aquisitivo para possuir garagem. O Fusca era pra dormir na rua mesmo, humilde. Primeira provid�ncia que tomamos foi a coloca��o de rel�gios de temperatura e press�o de �leo. Constatamos que a temperatura ideal para funcionamento desse motor girava em torno de 95 graus. Acima disso, o �leo perdia a viscosidade e o atrito decorrente desgastava o motor. Solu��o: adaptamos mais um radiador de �leo dentro da ventoinha, agora, em vez de um s�, t�nhamos dois em seq�encia. Al�m disso, para aumentar o fluxo de bombeamento do �leo, trocamos a bomba original pela do SP2, que bombeia 35% mais volume, d� a dica. Quando eu ia para o frio Argentina, Uruguai, Rio Grande do Sul eu punha �leo 20 ou 40. Quando ia pro Norte e Nordeste, trocava o �leo para o Aero-Shell, que era de avia��o e podia atingir maiores temperaturas sem perda de viscosidade, orienta Ernesto. Com isso, conseguiram baixar a temperatura
dos 110 para os 90 a 95 graus. Resultado: o motor assim adaptado, um VW 1 500, rodou
incr�veis 470 mil quil�metros sem problemas. D� pra acreditar? Pois � verdade. E n�o
rodou folgadinho n�o. Foi s� pauleira, extremos de calor amazonense ao frio andino. Problemas com atoleiros? Solu��o f�cil e muito pr�tica tirada dos freios de tratores: freio de m�o duplo. Al�m da alavanca normal do freio de m�o, o X12 tinha dois comandos de freio de m�o um para cada roda traseira assim, quando o carro atolava, empurrava-se os dois comandos com uma s� m�o, engatava-se a marcha e soltava-se a embreagem. O comando que vibrasse seria o da roda que estava com patina��o, ent�o, travava-se este e soltava-se o outro. O carro tracionava a roda que estava no terreno mais firme e sa�a. Hoje, computadores fazem isso para n�s e colocam no sistema um putz dum nome complicado fly by idiotiscransen por exemplo, mas que no fundo funciona do mesmo jeit�o mesmo. Problemas de agricultura de clima temperado? (mais frio que por aqui em SP, aqui � agricultura tropical). Problemas na Argentina? Manda o sr. Ernesto, o homem resolve. E toca ele montar no Gurgel e mirar o bichinho pro sul... Paran�, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Uruguai t� esfriando Pampas argentinos, vento minuano cruzando a estrada e a cabine aberta do Gurgel, at� chegar � Patag�nia. Vento que jogava o Gurgelzinho de l� pra c�, feito um barquinho numa tempestade. Na Argentina, d�cada de 70, eram tantas as
tradicionais corridas de carreteras foi assim que Fangio come�ou a carreira nos
idos de 40 por aquelas estradas de terra, que Ernesto adaptou uma grade � frente
do vidro p�ra-brisa. Era muita pedra que voava daqueles malucos que passavam a 170, 180
por hora, naquelas intermin�veis retas cascalhadas argentinas... seu Ernesto, de
Gurgelzinho azul, a uns oitentinha, carregado de caixas de plantas para estudos, engolindo
tanto p� que se cuspisse sairiam tijolos, e carr�es de tudo quanto � tipo, sem
p�ra-lamas, motores V8 preparados com mais de trezentos cavalos... rroooaaammm... e seu
Ernesto l�... tchic, tchic, tchic... coff, coff, coff. Uma planta, por exemplo, um tomateiro, cria diferentes caracter�sticas de folhas e frutos dependendo do clima. Mais quente, mais frio, mais seco, mais �mido. Num clima mais seco seus poros s�o mais fechados para evitar transpira��o, da� que, por essas e muitas outras as plantas reagem de modo diferente aos defensivos aplicados, dependendo do ambiente onde est�. Era isso que eu tinha que descobrir. explica sr. Ernesto. Portanto, meus amigos, tiremos nossos
chap�us ou bon�s para essa valente dupla. Muitos cultivos na Am�rica do Sul foram
poss�veis devido ao esfor�o desse homem e seu insepar�vel Gurgel. P.S.
Quando fui entrevistar o sr. Ernesto, o seu Gurgel X12 estava numa garagem que tinha uma
rampa logo � sua entrada. Ele estava sem bateria e com dois pneus murchos. Se n�s o
empurr�ssemos para fora, para as fotos, ter�amos muita dificuldade em recoloc�-lo no
seu devido lugar. N�o quis incomodar nosso amigo Ernesto. Achei melhor ouvir o que ele
tinha para contar de suas aventuras e narrar uma parte delas pra voc�s... tigr�es
felpudos de almofada. Miau!!
Por Arnaldo Keller
Material original do Site do Jornal PRIMEIRA M�O
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First on air on 13OCT2002