CONSUMO
DO LEITE DE VACA: MITOS E
REALIDADES
Denise Madi Carreiro – CRN 2729 Atualmente, um dos produtos
mais presente no hábito alimentar do ocidental é o leite
e seus derivados. A aceitação do leite como alimento
completo existe desde a nossa primeira refeição.
Entretanto para podermos observar os efeitos do leite de vaca no nosso
organismo devemos dissociar a ação do leite materno e do
leite “não materno”, sendo esse o maior limitante para uma
análise racional. O leite
materno é o alimento mais perfeito que existe no mundo. Sua
composição é específica e sutilmente
modificada de acordo com a necessidade do lactente13. Em
todos os mamíferos, os nutrientes e, em especial, as
proteínas do leite produzido são para estimular, nesta
espécie, o melhor crescimento e desenvolvimento orgânico e
funcional. Quanto mais
evoluímos e a tecnologia nos oferece mais conhecimentos
específicos sobre a composição e as
funções do leite materno, mais esforço é
despendido em relação ao aleitamento materno pelo maior
tempo possível, onde já foram comprovados os
inúmeros benefícios que isto trará para o resto da
vida do bebê10, 11. O leite
materno é um líquido rico em gordura, proteína,
carboidratos, minerais, vitaminas, enzimas e imunoglobulinas que
protegem contra várias doenças. O leite materno é
composto por 87% de água, sendo que os 13% restantes são
uma poderosa combinação de elementos, fundamentais para o
crescimento e desenvolvimento da criança, além de
prepará-la adequadamente para aceitar e utilizar os alimentos
que serão introduzidos gradualmente, a partir de um mecanismo
imunológico perfeito, desenvolvido a partir das
substâncias presentes no leite materno14.
Tabela com os
principais mecanismos imunológicos do leite materno
O leite de
vaca também contém fatores imunológicos de
ótima qualidade, mas para o bezerro. Esses fatores só
funcionam para a mesma espécie. Mesmo que alguns destes fatores
possam funcionar, serão destruídos pela armazenagem e
fervura do leite14. É
importante analisarmos os nutrientes que constituem o leite materno e o
leite de vaca para entendermos alguns paradoxos que existem em
relação ao leite de vaca. O leite
materno é rico em ácidos graxos de cadeia longa,
importante para o desenvolvimento e mielinização do
cérebro. Ácido araquidônico e linoléico,
fundamentais na síntese de prostaglandinas, existem em maiores
concentrações no leite humano do que no leite de vaca14. O principal
açúcar do leite materno é a lactose porém,
mais de 30 açúcares já foram identificados no
leite humano, como a galactose, frutose e oligossacarídeos, com
ação bifidogênica comprovadamente muito maior do
que os do leite de vaca14. O
que mais diferencia o leite de vaca do humano, e por isso mesmo mais
transtornos pode causar ao ser humano, é a
composição de proteínas e o desequilíbrio
entre os minerais. As
proteínas do leite humano são estruturais e
qualitativamente diferentes das do leite de vaca. No leite humano, 80%
do conteúdo proteico é de lactoalbumina. No leite de vaca
esta mesma proporção é de caseína. A
relação proteína do soro/caseína do leite
humano é de 80/20, a do leite bovino é 20/8014. A baixa
concentração de caseína no leite humano resulta em
uma formação de coalho gástrico mais leve, com
flóculos de mais fácil digestão e com reduzido
tempo de esvaziamento gástrico14. Além disso,
o leite bovino contém a betalactoglobulina, uma
proteína que não existe em
leite humano e é comprovadamente a mais alergênica do
leite de vaca para o ser humano, principalmente por não termos
enzimas que digerem esta proteína. Diversos
estudos já demonstraram existir mais de 25 frações
proteicas alergenicas em leite de vaca. O leite
humano também contém maiores quantidades de
aminoácidos essenciais de alto valor biológico, como a
cistina, e aminoácidos como a taurina que não tem em
leite de vaca, e que são fundamentais para o crescimento e
desenvolvimento do sistema nervoso central. Isto é
particularmente fundamental para os prematuros que não possuem
enzimas necessárias para a formação da taurina14. O leite de
vaca ainda possue 3 vezes mais proteína que o leite humano,
sendo chamado por alguns estudiosos de “carne líquida” 14,
porém acidificando o pH sangüíneo e sobrecarregando
o rim, quando consumido em alta quantidade e, ao contrário do
que se imagina, aumentando a excreção urinária de
cálcio. Outro fator
de desequilíbrio no leite bovino é a quantidade de
cálcio que é 3 vezes maior que no leite materno,
porém com desequilíbrio entre os minerais
necessários para uma real utilização do
cálcio, prejudicando sua biodisponibilidade. Isto não
acontece no leite humano cuja quantidade e proporção de
cálcio e dos demais minerais como magnésio, boro,
manganês, facilitam a sinergia dos mesmos gerando uma
utilização adequada e evitando
microcalcificações15,17. A maior parte dos
alimentos vegetais, que são boas fontes
de cálcio, tem uma proporção parecida com a do
leite humano e uma sinergia com os demais nutrientes necessários
para sua biodisponibilidade15,17. Em um estudo
em Cambridge, Reino Unido, com 926 bebês que foram acompanhados
por 5 anos, foi demonstrado que quanto maior o tempo de consumo do
leite materno, maior o nível de mineralização
óssea aos 5 anos, com uma diferença de até 38% em
relação aos que receberam fórmulas infantis,
apesar das mesmas terem uma proporção maior de
cálcio12. Tabela de Comparação do leite materno com outros leites
De: OMS/CDR/93.6 LEITE
E DERIVADOS & ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES Inúmeros
estudos demonstram a relação de leite e derivados com
processos alérgicos por diversos mecanismos imunológicos3,
ou seja alergias mediadas por IgE, clássica e normalmente com
reações imediatas, porém essas são 1 a 2%
das alergias alimentares, sendo a maior porcentagem em crianças
até 3 anos. A maior
porcentagem das alergias alimentares são tardias e mediadas por
IgG, principalmente, podendo desencadear sintomas de 2 horas a 3 dias
após o contato com os alérgenos, sendo portanto de
dificil diagnóstico18. Entre os alimentos mais
alergênicos, o leite de vaca é o mais freqüente. Essa
relação até já é feita pela maior
parte dos profissionais da área da saúde atentos
às causas das doenças, porém costuma-se ligar mais
a intolerância à lactose. Sem dúvida esta
intolerância é comum e pode desencadear transtornos
funcionais gastrintestinais locais e por conseqüência
também sistêmicos. Porém, não é a
maior causa de doenças sistêmicas desencadeadas pelo leite
de vaca. A maior relação dos derivados de leite com as
alergias tardias se deve ao fato do organismo não digerir a
beta-lactoglobulina. A caseína (80%), alfa-lactoalbumina e
lactoglobulina são de dificuldade digestiva, principalmente a
caseína. As
proteínas alergênicas dos lácteos provocam uma
inflamação na mucosa intestinal causando
alteração na permeabilidade da mesma, facilitando a
passagem de macromoléculas e metais tóxicos, alé
de favorecer a má absorção de nutrientes, gerando
uma síndrome de má absorção. Como a mucosa
intestinal é produtora de substâncias como serotonina,
hormônios, enzimas digestivas, sua alteração
prejudicará as funções executadas por essas
substâncias que seriam produzidas e liberadas para a
circulação para uma ação no organismo. Além
disso, as macromoléculas que conseguiram atravessar esta mucosa
intestinal alterada, podem provocar uma reação do
organismo no sentido de combatê-las pois são entendidas
como antígenos (substâncias estranhas ao organismo),
necessitando ser eliminadas. Para isso, além da
ação dos fagócitos, poderá existir a
formação de anticorpos e estímulo do sistema do
complemento, havendo liberação de histaminas e de outros
autacóides (substâncias quimicamente ativas),
agregação plaquetária, além da
produção de outras substâncias
pró-inflamatórias como leucotrienos, citocinas etc18.
Todas estas reações em conjunto, podem desencadear
sintomas em diversos órgãos alvo (órgão de
choque), podendo se manifestar por alterações
físicas, mentais e/ou emocionais. Diversos
estudos comprovaram a relação de alergia tardia3,18,
principalmente à leite de vaca com otite5, dermatite,
rinite6, sinusite, bronquite asmática6,
amigdalite, obesidade16, aumento da resistência
à insulina, aumento na formação de muco, gastrite,
enterocolite, esofagite, refluxo, obstipação intestinal2,
enurese, enxaqueca8, fadigas inexplicáveis, artrite
reumatóide7, falta de concentração4,
hiperatividade (ADHD)4, dislexia, ansiedade e até
mesmo depressão18. No processo
alérgico tardio, a histamina é liberada em pequena
quantidade, não desencadeando sintomas alérgicos
imediatos, porém, em quantidade pequena tem ação
de relaxante cerebral16, dando sensação de
conforto e relaxamento, ligando o alérgeno ingerido
primeiramente ao prazer, muitas vezes gerando vício, e
não aos problemas que ele trará depois de um tempo
variável. Os sintomas tardios são relacionados com a
necessidade de maior formação de imunocomplexos (em
pequena quantidade nem sempre provoca sintomas alterados), e uma queda
da serotonina16, levando à sensação de
ansiedade, vontade de comer carboidrato, falta de saciedade, etc. Outro
fator que pode gerar vício ao alimento sensibilizante é a
fermentação que a microbiota poderá fazer da
caseína, da beta-lactoglobulina (e também do
glúten), produzindo substâncias que ocupam o lugar de
aminas biológicas como serotonina, modificando o comportamento,
podendo levar a sintomas como hiperatividade, excitação,
e depois de um tempo variável à ansiedade e até
mesmo depressão, porém, mais uma vez levando ao
vício pelo fato de num primeiro momento gerar prazer. Estas
substâncias são chamadas de exorfinas, já que tem
origem externa ao organismo. É importante entender que o processo alérgico tardio não se manifesta pela presença da substância alergênica e sim pelo consumo regular da mesma, normalmente em detrimento de uma nutrição adequada, gerando processos somatórios que favorecem o desencadeamento dos sintomas alergicos.
BIODISPONIBILIDADE
DE NUTRIENTES O
desequilíbrio entre cálcio e magnésio
também favorece sintomas de carência de magnésio
como cãimbra, dores musculares, inchaço, dor de
cabeça, cólica, tensão muscular, taquicardia,
osteoporose, aumento da resistência à insulina entre
outros, principalmente quando se acha que ao tomar um iogurte ou uma
bebida láctea colorida, já comeu “também” a fruta,
ou seja, aumento do consumo de lácteos e baixo consumo de
frutas, legumes e verduras. Além
dos fatores já discutidos, a fermentação (por
más bactérias e comensais) de proteina e gordura mal
digerida, vai favorecer um pH alcalino no intestino que prejudica o
desenvolvimento e a manutenção das boas bactérias
e dimimue a absorção de minerais. Já no sangue, o
consumo de proteína, gordura, açúcar, leite e
derivados mantém um pH ácidificado, dificultando a
ação e utilização dos minerais, inclusive
do cálcio, ao mesmo tempo que aumenta sua excreção
renal. A
fermentação de legumes, verduras e frutas
(por boas bactérias e comensais) mantém um
pH ácido intestinal, prejudicando o desenvolvimento de
más bactérias e favorecendo a absorção do
cálcio e dos outros minerais necessários para um bom
funcionamento orgânico, inclusive manutenção da
massa óssea. No sangue, o
metabolismo de legumes, verduras e frutas mantém o pH levemente
alcalino, ideal para que as reações orgânicas
aconteçam, favorecendo a biodisponibilidade do cálcio e,
conseqüentemente, sua fixação no osso, já que
não precisa ser usado como tampão dos íons
ácidos vindos da dieta1. O maior
problema do consumo de alta quantidade de cálcio, sem o
equlíbrio com os demais nutrientes, principalmente o
magnésio, é a possibilidade de
microcalcificações a partir do cálcio circulante
que não conseguiu fixar-se no osso, causando artrite, bursite,
cálculos, nódulos, esporão,etc15,17. É bom
lembrar que para fazer o queijo, normalmente se concentra cerca de 10
vezes o leite, concentrando ainda mais as proteínas
alergênicas e o cálcio, em detrimento do magnésio. O pH normal
do sangue varia entre 7,3 e 7,4, sendo levemente alcalino. É
nesta faixa que as funções orgânicas podem ter um
“ótimo” desempenho. Pelo
processamento que os alimentos sofrem durante a digestão, podem
gerar substâncias alcalinizantes ou acidificantes. São
alcalinizantes as frutas, os legumes e as verduras, na sua maioria. São
acidificantes o leite, o açúcar, as carnes, a
cafeína, as gorduras, o álcool e aditivos químicos
contidos em alimentos industrializados. Se o pH
sangüíneo estiver ácido precisará ocorrer uma
adaptação do organismo para equilibrar o mesmo.
Além de gerar um estresse, ocorrerá uma maior
excreção urinária de cálcio1. Para a
prevenção e mesmo tratamento da osteoporose, tão
importante quanto a ingetão de boas fontes de cálcio e de
todos os nutrientes que agem em conjunto com o mesmo, é a
não ingestão ou o baixo consumo do que diminue a
absorção do cálcio ou que aumentem a sua
excreção urinária e fecal, como cafeína,
álcool, aditivos químicos e excesso de: sal,
açúcar, proteína, gordura, fitatos e oxalatos17. Se
analisarmos todas estas questões em conjunto, iremos percerber
que o maior problema não está no consumo de leite e sim
no alto consumo (consciente ou não) do mesmo e de seus
derivados, em detrimento de alimentos fontes dos outros minerais
necessários para o equlíbrio orgânico. Esse
desequilíbrio facilita as reações
alérgicas, intoxicação e transtornos funcionais,
inclusive osteoporose. Há
poucas décadas atrás o consumo do leite fazia parte da
alimentação das pessoas em pequena quantidade
(aproximadamente 1 copo por dia). Não existiam essa enormidade
de produtos industrializados e a alimentação era mais
natural e rica em nutrientes, além de ser valorizada e
priorizada, com muito menos estresse físico, mental e emocional,
havendo um equilíbrio orgânico muito maior que
possibilitava o organismo se defender de substâncias estranhas
à ele. A
própria qualidade do leite sofreu modificações com
a necessidade de utilizar recursos pró-produtividade como
hormônios (hormônio de crescimento bovino),
antibióticos (tratamento de mastites),
pasteurização, manutenção de
bactérias resistentes aos antibióticos, bactérias
mortas, metabólitos dos medicamentos, etc. A discussão
desses fatores, por si só, é assunto de um outro artigo,
mostrando as possíveis interferências dos mesmos, que
poderiam passar para o organismo humano pelo leite de vaca, aumentando
os riscos de interferência na saúde e do potencial
imunoestimilante que poderão desencadear. Hoje em dia
existe um consumo direto até menor do leite, porém
extremamente aumentado dos seus derivados. Pior ainda é o
consumo do leite utilizado nos produtos industrializados sem, na maior
parte das vezes, sabermos que os mesmos estão presentes. O leite
é uma fonte de proteína e gordura barata, por isso serve
de insumo em quase todas as áreas da indústria
alimentícia. Teoricamente
a manteiga não causaria os mesmos problemas dos outros derivados
do leite por ser composta basicamente de gordura, tendo na sua
composição ácido butírico que ajuda a
previnir crescimento de fungos e cândida. Ainda na sua
composição tem o CLA que, entre outras
funções ainda em estudo, ajuda a manter a saciedade. É
importante observar que não é por acaso que os
países onde o consumo de laticínios per capita é
alto, também são altos os índices de obesidade,
câncer e osteoporose. O inverso é verdadeiro.
Países com baixo consumo per capita de laticínios como
Japão, China e outras regiões asiáticas, tem os
menores índices de obesidade, câncer e osteoporose. Depois desta
análise, fica claro que existe sim uma
radicalização: a do consumo polarizado de leite e
derivados em detrimento de alimentos naturalmente mais saudáveis
e equilibrados nutricionalmente. Talvez a
resposta para a longevidade com qualidade de vida esteja em
hábitos alimentares com menos produtos industrializados e
aditivos químicos e o retorno ao consumo de alimentos mais
saudáveis dados de presente pela “mãe” natureza,
incluindo o consumo de leite de vaca, porém em quantidades
equilibradas para cada um, respeitando a nossa capacidade de defesa e
uma individualidade bioquímica, na qual as pessoas lidam de
maneira diferente com os mesmos alimentos. Referência
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