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textos teóricos do neo-realismo 2

Maria Escada de Serviço, por Afonso Romeiro - Raul Gomes

O erro de certos críticos, quando apreciam o Neo-Realismo, reside essencialmente no fato de o suporem uma nova forma daquele realismo do século passado, que se limitava a fazer a cópia fotográfica da realidade. Tal realismo nada tem a ver com o Neo-Realismo: entre eles existem a diferença que vai de uma fotografia a um sistema de idéias.
O Realismo se limitava a fazer cópias parcelares da realidade, sem procurar referir esses aspectos particulares à estrutura global do conjunto. Isso que o Realismo não fez, fá-lo o Neo-Realismo, procurando, ao analisar os aspectos, nunca perder de vista o conjunto. E assim, enquanto o Realismo era analítico, o Neo-Realismo é sintético. Posto isto, é óbvio que se o exagero da análise podia levar aos exageros da pormenorização, não será de admirar que o exagero da síntese possa levar em certos casos à esquematização. Mas do mesmo modo como não se deve definir o Realismo como o culto do pormenor, não se deverá, por idênticas razões, definir o Neo-Realismo como o culto do esquemático.
O Realismo era um método, o Neo-Realismo é uma interpretação. O Realismo partia do pressuposto ingênuo de que a realidade era um dado imediato dos sentidos. O Neo-Realismo admite que a verdadeira realidade é uma interpretação racional imposta a esses mesmos dados.
Daqui facilmente se poderá concluir que a bitola de apreciação de uma obra realista não pode ser simultaneamente empregada na apreciação de uma obra neo-realista. Ora disso parecem esquecer-se, senão ignorar, outros críticos quando acusam os neo-realistas de não possuírem uma visão fiel (no sentido de fotográfica) da realidade.
O empirismo de tais críticos é tão grosseiro como o do labroste que se indigna em ouvir dizer que o sol é maior que a Terra (pois se os sentidos lhe dizem exatamente o contrário!).
Do que ficou dito se conclui que o Neo-Realismo é um sistema de idéias explicativo da realidade que, depurando-a da ganga das aparências particulares, a procura ver na trama geral de suas articulações.
A visão dessa realidade articulada e viva poderá resultar, porventura, da simples aplicação aos fatos de um esquema rígido ? Não. Neo-realista não é aquele que aplica esquemas, mas aquele que, tendo adquirido um conhecimento profundo da realidade, a consegue tornar inteligível. O esquema não pode ser o ponto de partida do neo-realista, mas, na melhor das hipóteses, o seu ponto de chegada, a trama articuladora, o resumo, a síntese, a visão do particular na sua relação com o todo. (...)
Por todas essas razões é que o Neo-Realismo é mais que um simples modismo literário: é um sistema de idéias e uma disciplina intelectual. Tal disciplina intelectual se evidencia no horror a todas as formas de anarquia mental, invariavelmente denunciadoras de confusionismo de idéias. (...)
O Neo-Realismo é, portanto, uma nova atitude do pensamento que se objetiva numa interpretação da realidade.
O esforço intelectual exigido para a estruturação dessa nova atitude e exercício dessa nova interpretação não é tão simples como a primeira vista se poderia julgar. Fatores internos e externos ao escritor se conjugam entre nós, para dificultar uma ampla consciência neo-realista. Isso explica, aliás, que ainda não tenhamos uma obra de ficção neo-realista que nos dê a sociedade portuguesa na articulação plena de seus vínculos. Até agora apenas foram tratados certos aspectos particulares relacionados com a gente do campo. E daí o supor-se, entre os menos informados, que o Neo-Realismo é toda a obra que trata da vida dos humildes.(...) 
O Herói de hoje não é o dos grandes, mas o dos pequenos feitos, das pequenas vitórias, do esforço paciente e metódico. (...)

(Publicado na revista Seara Nova nº 1087 - 1949)

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