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textos teóricos do neo-realismo 1

Razões que nos separam - Rui Monteiro

De 1870 para cá, sucederam-se duas notáveis gerações de intelectuais: a do grupo de Antero, Eça e seus companheiros e a que ficou conhecida pela geração de Orpheu e da "Presença".
A primeira, com tendências muito desencontradas, traduzia um estado de espírito provavelmente da crise nacional, um reflexo da cultura européia, das concepções que lá fora e principalmente em França, nortearam a criação artística.
Mas uma das suas principais características foi a falta de uma completa unidade de vistas entre os seus membros. Assim, foi uma geração que marcou mais pelas qualidades individuais, do que valeu como grupo.
As poucas - ainda que fossem de maior vulto - idéias que todos tinham e que foram defendidas em comum contra o convencionalismo do ultra-romantismo, conseguiram triunfar. E, contudo, o realismo que ela punha na primeira linha de combate não era um realismo total, era um estudo apenas parcelar de alguns fatos nacionais.
Depois das horas de luta em que estiveram unidos, separaram-se os caminhos de Oliveira Martins, Eça, Antero, Ramalho, Junqueiro... Um conhecimento mesmo imperfeito da obra destes homens deixa logo ver a diversidade das suas tendências.
Mais tarde, por volta da guerra de 14, reagindo contra o formalismo em que caíra a literatura portuguesa, surgiu a "geração de Orpheu" e da "Presença" que libertou a forma artística e procedeu a uma renovação de temas.
Agora era a análise interior de cada indivíduo o que mais interessava. Reflexo mais uma vez da literatura francesa, de Proust e Gide influenciada ainda pela Inglaterra (Fernando Pessoa) e pelo Futurismo de Marinetti e dos outros artistas das várias correntes futuristas, recebera a marca da filosofia bergsoniana e idealista (quanto mais não fosse a doutrina de Freud - um dos que mais temas forneceu à literatura a partir de 1900 - levá-los-ia a posições idealistas).
A geração que ora surge continua a de 70, aproveita muito da de "Orpheu", e sendo a sua herdeira cultural, opõe-se a ambas. Isto que pode parecer um paradoxo não o é, como veremos abaixo.
Vivendo num período de realidades duras, tão agitado e propício à recordação de fatos que poderiam facilmente ser esquecidos, como é o nosso, os jovens são presos duma grande inquietação. Em contato com a literatura moderna estrangeira (J. Amado, Aragon, Dos Passos, etc.) e com a filosofia materialista dialética tomaram consciência do destino das sociedades e do seu próprio destino. Essa inquietação concretizou-se.
Poder-se-ia dizer que é mais um movimento de inspiração estrangeira. Mas o que não se pode negar é que um movimento com a importância e a extensão que esse tem, desde já deve corresponder a uma base nacional de fatos concretos. A própria natureza da nova doutrina, embora tivesse sido importada, obriga-nos a estudar a nossa realidade.
Da geração de 70 separa-nos o conceito da realidade que é diferente. Para nós a realidade parcelar é deformadora A realidade total não pode deixar margem a enganos. Somos os continuadores da obra dos homens dessa geração em alguns aspectos da sua doutrina e do seu trabalho.
Da geração de Orpheu e da "Presença" separa-nos a substituição do individual pelo social, a consciência do condicionalismo da arte e do artista. Dela aproveitamos a libertação das formas, certos fatos da análise psicológica e a lição do grande movimento poético.
De ambas nos separa a filosofia que adotamos. Ao positivismo e outras correntes da geração de Antero e ao intuicionismo e idealismo dos companheiros de Gaspar Simões, substituímos o racionalismo concreto.
À altas cogitações metafísicas despidas de conteúdo, preferimos o estudo da realidade complexa e dinâmica de que só o materialismo explica a natureza e a dialética o movimento.
(Publicado na Revista Pensamento nº 148 - 1940)

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