Poemas de William Shakespeare

 

"Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não" - Mário Quintana

 

 

1.

O espelho não me prova que envelheço
Enquanto andares par com a mocidade;
Mas se de rugas vir teu rosto impresso,
Já sei que a Morte a minha vida invade.

Pois toda esta beleza que te veste
Vem de meu coração, que é teu espelho;
O meu vive em teu peito, e o teu me deste:
Por isso como posso ser mais velho ?

Portanto, amor, tenhas de ti cuidado
Que eu, não por mim, antes por ti, terei;
Levar teu coração, tão desvelado
Qual ama guarda o doce infante, eu hei.

E nem penses em volta, morto o meu,
Pois para sempre é que me deste o teu.

 

2.

Nem mármore, nem áureos monumentos
De reis hão de durar mais que esta rima,
E sempre hás de brilhar nestes acentos
Do que na pedra, pois o tempo a lima.

Pode a estátua na guerra ser tombada
E a cantaria o vil motim destrua;
Nem fogo ou Marte apagará com a espada
Vivo registro da memória tua.

Há de seguir teu passo sobranceiro
Vencendo a Morte e as legiões do olvido,
E os pósteros, no juízo derradeiro,
Hão de a este louvor prestar ouvido.

Pois até a sentença que levantes,
Vives aqui e no lábio dos amantes.

 

3.

Não lamentes por mim quando eu morrer
Senão enquanto o surdo sino diz
Ao mundo vil que o deixo e vou viver
Em meio aos vermes que inda são mais vis.

Nem te recorde o verso comovido
A mão que o escreveu, pois te amo tanto
Que antes achar em tua mente olvido
Que ser lembrado e te causar o pranto.

Ah ! peço-te que ao leres esta queixa
Quando for minha carne consumida,
Não te refiras ao meu nome e deixa
Que morra o teu amor com minha vida.

Não veja o mundo e zombe desta dor
Por minha causa, quando morto eu for.

 

4.

Dos seres ímpares ansiamos prole
Para que a flor do belo não se estinga,
E se a rosa madura o tempo colhe,
Fresco botão sua memória vinga.

Mas tu, que só com os olhos teus contrais,
Nutres o ardor com as próprias energias
Causando fome onde a abundância jaz,
Cruel rival, que o próprio ser crucias.

Tu, que do mundo és hoje o galardão,
Arauto da festiva Natureza,
Matas o teu prazer inda em botão
E, sovina, esperdiças na avareza.

Piedade, senão ides, tu e o fundo
Do chão, comer o que é devido ao mundo.

 

5.

Quando no assedio de quarenta invernos
Se cavarem as linhas de teu rosto,
Da juventude os teus galões supernos
Pobres andrajos se tiverem posto,

Se então te perguntarem pelo fausto
De teus dias de glória e de beleza,
Dizer que tudo jaz no olhar exausto,
Opróbrio fora, encômio sem grandeza.

Mais mérito terias nessa usança
Se pudesses dizer: "Meu filho há de
Saldar-me a dívida, exculpar-me a idade",
Provando que a beleza é tua herança.

Fora tornar em novo as coisas velhas
E ver o sangue quente enquanto engelhas.

 

6.

Quando a hora dobra em triste e tardo toque
E em noite horrenda vejo escoar-me o dia,
Quando vejo esvair-se a violeta, ou que
A prata a preta têmpora assedia;

Quando vejo sem folha o tronco antigo
Que ao rebanho estendia sombra franca
E em feixe atado agora o verde trigo
Seguir o carro, a barba hirsuta e branca;

Sobre tua beleza então questiono
Que há de sofrer do Tempo a dura prova,
Pois as graças do mundo em abandono
Morrem ao ver nascendo a graça nova.

Contra a foice do Tempo é vão combate,
Salvo a prole, que o enfrenta se te abate.

 

7.

Quando observo que tudo quanto cresce
Desfruta a perfeição de um só momento,
Que neste palco imenso se obedece
A secreta influição do firmamento;

Quando percebo que ao homem, como a planta,
Esmaga o mesmo céu que lhe deu glória,
Que se ergue em seiva e, no ápice, aquebranta
E um dia enfim se apaga da memória:

Esse conceito da inconstante sina
Mais jovem faz-te ao meu olhar agora,
Quando o tempo se alia com a Ruína
Para tornar em noite a tua aurora.

E crua guerra contra o Tempo enfrento,
Pois tudo que te toma eu te acrescento.

 

Anterior

Hosted by www.Geocities.ws

1