Alguns Poemas...

"Bobo é aquele que ama sem esparadrapo" - Nelson Rodrigues

 

Soneto - Frei Antonio das Chagas

 

Deus pede estrita conta do meu tempo

e eu vou do meu tempo dar-lhe conta,

mas como dar, sem tempo, tanta conta,

eu que gastei, sem conta, tanto tempo?

 

Para ter minha conta feita a tempo,

o tempo me foi dado e não fiz conta

não quis, sobrando tempo, fazer conta,

hoje quero acertar conta e não há tempo.

 

Ó vós que tendes tempo sem ter conta,

não gasteis vosso tempo em passa-tempo.

Cuidai, enquanto é tempo, de vossa conta,

 

pois aqueles que sem conta gastam o tempo,

quando o tempo chegar de prestar contas,

chorarão, como eu, o não ter tempo.

Soneto de Amor - Pablo Neruda

Talvez não ser é ser sem que tu sejas, 
sem que vás cortando o meio-dia 
como uma flor azul, sem que caminhes 
mais tarde pela névoa e os ladrilhos, 

sem essa luz que levas na mão 
que talvez outros não verão dourada, 
que talvez ninguém soube que crescia 
como a origem rubra da rosa, 

sem que sejas, enfim, sem que viesses 
brusca, incitante, conhecer minha vida, 
aragem de roseira, trigo do vento, 

e desde então sou porque tu é, 
e desde então é, sou e somos 
e por amor serei, serás, seremos. 

Ismália - Alphonsus de Guimaraens

 

Quando Ismália enlouqueceu,

Pôs-se na torre a sonhar...

Viu uma lua no céu,

Viu outra lua no mar.

 

No sonho em que se perdeu,

Banhou-se toda em luar...

Queria subir ao céu,

Queria descer ao mar...

 

E, no desvario seu,

Na torre pôs-se a cantar...

Estava perto do céu,

Estava longe do mar...

 

E como um anjo pendeu

As asas para voar...

Queria a lua do céu,

Queria a lua do mar...

 

As asas que Deus lhe deu

Ruflaram de par em par...

Sua alma subiu ao céu,

Seu corpo desceu ao mar...

 

 

Namoro - Viriato da Cruz

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de novembro brincando de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas
Sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e doce - como o maboque...
Seus seios, laranjas - laranjas do Loge
seus dentes... - marfim
Mandei-lhe essa carta
e ela disse que não

Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou
"Por ti sofre meu coração"
Num canto - SIM, noutro canto NÃO
E ela no canto NÃO dobrou

Mandei-lhe um recado pela Zefa do sete
pedindo rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigênia
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não

Levei à avó Chica, quimbanda de fama,
a areia da marca que seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu
E o feitiço falhou

Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da missão,
ficamos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falhei-lhe de amor ... ela disse que não.

Andei barbado, sujo e descalço,
Como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
"- Não viu... (ai, não viu... ?) não viu Benjamin?"
E perdido me deram no morro do samba.

Para me distrair
levaram-me ao baile do sô Januário
mas ela lá estava num canto a rir
contando meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário

Tocaram uma rumba - dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Ai, Benjamim!"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.

Promessa de Amor - João Melo

 

Construirei para ti uma casa terrestre,
feita de pão e luz e música,
onde caibas apenas tu
e não haja espaço para os intrusos

E quando, à noite, nos amarmos,
como se amaram
o primeiro homem e a primeira mulher,
mandarei que repiquem os tambores

- para que saibam todos que voltaram ao muundo
o primeiro homem e a primeira mulher

Paula Tavares


Dessossaste-me
cuidadosamente
inscrevendo-me
no teu universo
como uma ferida
uma prótese perfeita
maldita necessária
conduziste todas as minhas veias
para que desaguassem
nas tuas
sem remédio
meio pulmão respira em ti
o outro, que me lembre
mal existe.

Quando - Augusto Frederico Schmidt

 

Quando repousarás em mim como a poesia 
nos grandes poetas 
Como a pureza na alma dos santos 
Como os pássaros nas torres das igrejas? 
Quando repousará o teu amor no meu amor? 
Quando penetrará tua luz nos meus olhos vazios, 
Como o sol nos pântanos 
Como o sorriso nos tristes 
Como o Cristo no mundo em pecado 


Carta de um Contratado - Viriato da Cruz


Eu queria escrever-te uma carta 
amor 
uma carta que dissesse 
deste anseio 
de te ver 
deste receio de te perder 
deste mais que bem querer que sinto 
deste mal indefinido que me persegue 
desta saudade a que vivo todo entregue... 
Eu queria escrever-te uma cara 
amor 
uma carta de confidências íntimas 
uma carta de lembranças de ti 
de ti 
dos teus lábios vermelhos como tacula 
dos teus cabelos negros como dilôa 
dos teus olhos doces como macongue 
dos teus seios duros como maboque 
do teu andar de onça 
e dos teus carinhos 
que maiores não encontrei por aí... 

Eu queria escrever-te uma carta 
amor 
que recordasse nossos dias na capôpa 
nossas noites perdidas no capim 
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos 
o luar que se coava das palmeiras sem fim 
que recordasse a loucura 
da nossa paixão 
e a amargura nossa separação... 

Eu queria escrever-te uma carta 
amor 
que a não lesses sem suspirar 
que a escondesses de papai Bombo 
que a sonegasses a mamãe Kieza 
que a relesses sem a frieza 
do esquecimento 
uma carta que em todo Kilombo 
outra a ela não tivesse merecimento... 

Eu queria escrever-te uma carta 
amor 
uma carta que te levasse o vento que passa 
uma carta que os cajus e cafeeiros 
que as hienas e palancas 
que os jacarés e bagres 
pudessem entender 
para que se o vento a perdesse no caminho 
os bichos e plantas 
compadecidos de nosso pungente sofrer 
de canto em canto 
de lamento em lamento 
de farfalhar em farfalhar 
te levasse puras e quentes 
as palavras ardentes 
as palavras magoadas da minha carta 
que eu queria escrever-te amor... 

Eu queria escrever-te uma carta... 
Mas ah meu amor, eu não sei compreender 
por que é, por que é, por que é, meu bem 
que tu não sabes ler 
e eu - Oh! Desespero - não sei escrever também!

 

Carpe Diem - Horácio

Não perguntes (é impiedade saber), ó Leucônoe, que fim para mim e para ti
Os deuses deram, nem vá consultar a sorte junto aos oráculos babilônicos.
O que tiver que acontecer suporta!
Seja muitos invernos, seja o último dado por Júpiter,
O qual agora agita o mar Tirrenum contra os rochedos da costa,
Sê sensata, purifica o vinho e deixa de ter grandes esperanças em um tempo tão breve.
Enquanto falamos, foge o invejoso tempo.
Colha os frutos do dia, acreditando muito pouco no amanhã.
(tradução de Anderson Sousa da Silva)

Pneumotórax – Manuel bandeira

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi,
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trintaa e três...
- Respire.

- O senhor tem uma escavação no pulmão esqquerdo
e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o ppneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um taango argentino.

 

Anterior

ou

Ver Mais alguns Poemas

Hosted by www.Geocities.ws

1