Parábola dos Maus Vinhateiros

Cairbar Schutel

 

                A parábola dos maus vinhateiros é a prova da inigualável presciência do Filho de Deus, assim como é a magistral sentença que se havia de cumprir no nosso século contra os "rendeiros infiéis", que têm devastado a nossa seara.

Um proprietário plantou uma vinha, cercou-a com um tapume feito de ramos e troncos de árvores; assentou um lagar (local com todos os petrechos para a fabricação de vinho) e edificou uma "torre" (grande edifício com proteção contra os ataques inimigos).

De maneira que a fazenda estava completa, tudo preparado: terras de sobra, parreiras em grande quantidade, lagar, tanques, tonéis - tudo o que era preciso para a fabricação do vinho. Casa de moradia com toda a comodidade e conforto. Mas, tendo de ausentar-se o proprietário, arrendou a herdade a uns lavradores; no tempo da colheita dos frutos mandaria receber o produto do arrendamento, ou seja, os frutos que lhe tocavam.

O contrato foi passado e muito bem redigido: selado, registrado e com as competentes testemunhas.

Por ocasião da primeira colheita, o senhor da vinha mandou que seus empregados fossem receber os frutos que lhe tocavam.

Os rendeiros, em vez de darem conta do depósito que lhes fora confiado, agarraram os emissários, feriram um, apedrejaram outro e mataram o seguinte.

Na outra colheita, o proprietário da herdade tornou a mandar outros emissários, que tiveram a mesma sorte dos primeiros.

Vendo o dono da herdade o que acontecera com seus emissários, julgou mais acertado delegar poderes ao próprio filho, porque, com certeza, o respeitariam, e o enviou a ajustar contas com os arrendatários.

Mas os lavradores, em vendo este chegar à propriedade, combinaram entre si e deliberaram matá-lo, porque, diziam: "este é o herdeiro, vinde, matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança". E assim fizeram: tiraram-no fora da vinha e o mataram.

"Quando chegar o senhor da vinha, o que fará àqueles lavradores?" - perguntou Jesus ao propor a parábola.

E a resposta veio em seguida: "Fará perecer os malvados, os arrendatários dolosos, e entregará a vinha a outros, que lhe darão os frutos em tempo próprio".

* * *

Parábola é a exposição, ou a pintura de uma coisa em confronto com outra de relação remota, ou de sentido oculto ou invisível.

Jesus tinha por costume, para explicar aquilo que escapa à compreensão vulgar, usar das parábolas, a fim de se tornar mais compreendido.

Nesta parábola dos Lavradores Maus, rendeiros infiéis, quis Jesus explicar a soberania da ação divina que às vezes tarda, mas não falha; e quis ainda mostrar a seus discípulos quem são os lavradores que prejudicam a sua seara.

* * *

A seara é a Humanidade.

O proprietário é Deus.

A vinha que ele plantou é a religião.

O lagar são os meios de purificação espiritual que ele concede.

A casa que edificou é o mundo.

Os lavradores que arrendaram a lavoura são os sacerdotes de todos os tempos, desde os antigos que sacrificavam o sangue dos animais, até os nossos contemporâneos.

Os primeiros servos que foram feridos, apedrejados e sacrificados, são os profetas da Antigüidade, que passaram por duras provações: Elias, Eliseu, Daniel, que foi posto na cova dos leões; o próprio Moisés, que sofreu com os sacerdotes do Faraó e com os israelitas fanatizados que chegaram a fundir um bezerro de ouro para adorar, contra a lei do Senhor; depois veio João Batista, que foi degolado; e depois outros servos, que passaram pelos mesmos sofrimentos dos primeiros - apóstolos e profetas como Estevão, que foi lapidado; Paulo, Pedro, João, Tiago, que sofreram martírios, e todos os demais que não têm acompanhado as concepções sacerdotais.

O filho do proprietário, que foi morto pelos rendeiros que se apossaram da sua herança, é Jesus Cristo, Senhor Nosso, que sofreu o martírio ignominioso da cruz. E de acordo com as previsões da parábola, os tais sacerdotes se apossaram da herança com a qual se locupletam fartamente, deixando a seara abandonada e a vinha sem frutos para o proprietário.

Nas condições em que se acha a seara, poderá o senhor deixar a sua vinha entregue a essa gente, a esses rendeiros inescrupulosos e maus?

Estamos certos de que se cumprirá brevemente a última previsão da parábola: "O senhor tomará a vinha desses malvados e a arrendará a outros, que lhe darão os frutos no tempo próprio."

* * *

A confusão religiosa é a mais espessa escuridão que infelicita as almas.

A crença é como o fruto da videira que alimenta, encoraja e vivifica. Assim como este alimenta o corpo, aquele alimenta a alma.

A religião de Jesus Cristo não é o culto, as exterioridades, os sacramentos, a fé cega; também não é o fogo que aniquila e consome, o mal que vence o bem, o diabo que vence a Deus.

A religião de Jesus Cristo é o bálsamo que suaviza, é a caridade que consola, é o perdão que redime, é a luz que ilumina; não é o aniquilamento, mas a vida, não é o corpo, mas, sim, o Espírito.

O corpo é nada; o Espírito é tudo. O corpo existe porque o Espírito aciona, o vivifica e o movimenta. No dia em que o Espírito dele se separa, nenhuma vida mais resta a esse invólucro, a esse instrumento.

Que é o violino, sem o músico? Que é o relógio sem que se lhe dê corda? Que é a máquina sem maquinista?

O corpo sem o Espírito é morto e se desagrega, como uma casa que cai e se converte em escombros.

O corpo "pulvis est et in pulveris reverteris".

E se assim é, qual o efeito dos sacramentos e práticas sibilinas que não atingem o Espírito?

O princípio da religião é a imortalidade e os rendeiros da vinha têm por dever salientar e demonstrar este princípio, para que o templo da religião, assentado sobre esta base inamovível, abrigue com a verdade os corações que desejam a paz e a felicidade.

Os pastores e os sacerdotes, "arrendatários da vinha", "maus obreiros" que conspurcam os sentimentos cristãos, transformando a religião de Jesus em missas, imagens, procissões, aparatos, músicas, girândolas e sacramentos, serão chamados às contas e o látego da verdade desde já os vem expulsando da herdade, que será entregue a outros, para que os frutos da vinha sejam dados aos famintos de justiça, aos deserdados de consolação, aos que procuram a luz que encaminha e conduz à perfeição.

Desde tempos que vão longe, a religião tem sido causa de abjeta exploração. O sacerdócio, por várias vezes, tem feito periclitar o sentimento religioso. A desgraça da religião tem sido, em todas as épocas, o padre. O padre hebreu, o padre egípcio, o padre budista, o padre brâmane; sempre o padre, a corporação eclesiástica, os seus princípios rígidos, os seus cultos aparatosos, os seus sacramentos arcaicos.

O sacerdócio, tornando-se arrendatário da vinha, como tem acontecido, só conhece um "deus" a quem obedece cegamente; "deus" constituído eclesiasticamente, e tirado ou escolhido de um dos seus próprios membros. Todas as religiões têm tido e continuam a ter o seu papa, o seu maioral, o seu patriarca, o seu chefe, a quem todos prestam obediência, em detrimento do Supremo Senhor e Criador.

Daí a luta cruenta que o sacerdotalismo tem desenvolvido contra os profetas em todas as épocas.

Esta parábola é a comparação de todas as lutas que os gênios, os grandes missionários, os profetas que falam em nome da divindade e da religião, têm sustentado contra a clerezia.

Desde que o grande proprietário plantou na Terra a sua vinha; desde que fez brilhar no mundo o Sol vivificador da religião, cercando a vinha com uma sebe, aí estabelecendo um lagar e edificando uma torre; desde que os princípios religiosos foram estabelecidos e ficaram gravados nos códigos dos divinos preceitos, os lavradores maus dela se apoderaram como rendeiros relapsos, deixando perecer as videiras e massacrando os enviados que em nome do senhor lhes vinham pedir ou reclamar, como o fazemos hoje, os frutos da vinha!

Os servos do proprietário da lavoura eram presos, feridos e mortos. A pretexto de heresia e apostasia, queimaram corpos como quem queima lenha seca e verde; infligiram-lhe os mais duros suplícios, tisnando de sangues as páginas da História do nosso mundo. Nem o Filho de Deus, cuja parábola premonitória de morte acabamos de ler, nem ele foi poupado pela classe sacerdotal, que tinha por pontífices Anás e Caifás, em conluio com os governos da época.

A classe sacerdotal, que nada fez à Humanidade e ainda fascinou os homens com os seus cultos aparatosos e seus dogmas horripilantes, é precisamente o que constitui, em sua linha geral, os "lavradores maus" da parábola.

Estão eles muito bem representados nesses obreiros fraudulentos e mercenários que proliferam no mundo todo, vendendo a fé, a salvação, as graças.

Que fará o proprietário da vinha a tão maus obreiros? O resultado não pode ser outro: fá-los-á perecer, tirar-lhes-á o poder que lhes concedeu e a entregará a outros, que darão os frutos no tempo próprio".

Felizmente chegou também a época da realização da premonição do Cristo exarada nos Evangelhos.

Os Espíritos da Verdade baixam ao mundo, uns tomam um invólucro carnal, e outros, através do véu que separa as duas vidas, vêm se apossar da vinha, para que ela dê os resultados designados pelo Senhor de todas as coisas.

O sacerdócio cai, mas a religião prossegue; os dogmas são abatidos, mas a verdadeira fé aparece, robustecendo consciências, consolando corações, e, principalmente, fazendo raiar na Terra a aurora da imortalidade, para realçar o Deus Espírito, o Deus justo, o Deus poderoso e sábio que reina em todo Universo.

(Livro: Parábolas e Ensinos de Jesus, Casa Editora O Clarim, 2000, pág. 64 a 70)

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