ESTADO
PORTUGUÊS PODE SER CONDENADO
in
Macau Hoje, 26/5/00
Ilegalidades
no julgamento de Wan Kuok Koi
O
Estado português poderá vir a ser condenado pelo Comité dos Direitos
Humanos da Organização das Nações Unidas em face de uma queixa
apresentada pelo advogado do empresário Wan Kuok Koi, condenado a vários
anos de prisão por um juiz mobilizado exclusivamente para o efeito
durante a administração portuguesa. Num encontro com os jornalistas,
Pedro Redinha sublinhou que a queixa apresentada às Nações Unidas teve
como fundamento o facto de o julgamento se ter verificado em flagrante
violação do artº 14º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos,
e que a mesma foi aceite pelo Comité da ONU, tendo o Estado português
sido já notificado da queixa a fim de contestar a matéria em causa. Uma
matéria grave e violadora de vários direitos cívicos e políticos que
levou Pedro Redinha a colocar como testemunhas os mais altos dignatários
do Estado português, nomeadamente o Presidente da República, o
presidente da Assembleia da República e o provedor de
Justiça de Portugal. Um caso que ainda irá dar muito que falar e do qual
o Estado português dificilmente poderá evitar a sua condenação
internacional.
ONU aceitou queixa
A Comissão de Direitos
do Homem das Nações Unidas (CDHNU) aceitou uma queixa contra o Estado
Português sobre alegadas violações de direitos civis no julgamento em
Macau do líder da organização criminosa "14 Quilates", Wan
Kuok Koi, anunciou ontem o advogado do queixoso.
Pedro Redinha disse que a aceitação da queixa foi decidida pela CDHNU no
início de Maio e comunicada ao queixoso na segunda-feira, tendo agora o
Estado Português um prazo de seis meses para apresentar contestação
sobre a admissibilidade e a substância da queixa, que alega violações
do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ratificado por
Portugal e estendido a Macau em finais de 1998.
A queixa diz respeito a
violações do processo de justiça referentes à recusa pelo Tribunal
Superior de Justiça (TSJ) de Macau de três pedidos de substituição do
juiz-presidente do colectivo que julgou Wan Kuok Koi, referiu o advogado.
O TSJ deixou entretanto de existir na sequência da transferência da
administração de Macau de Portugal para a China em 19 de Dezembro de
1999.
Pedro Redinha considerou "absolutamente inadmissíveis" as três
decisões do TSJ e aponta como violações que estão no fundamento da
queixa o facto de não ser sido ordenada a suspensão do julgamento de Wan
Kuok Koi após cada pedido de substituição do juiz Fernando Estrela e de
o TSJ não ter ordenado a produção da prova em justificação dos
pedidos de substituição.
Wan Kuok Koi foi condenado a 15 anos de prisão em Novembro de 1999 e
encontra-se preso em instalações de alta segurança do Estabelecimento
Prisional de Coloane, tendo Pedro Redinha apresentado recurso contra a
sentença.
O advogado disse que na queixa que apresentou em nome de Wan Kuok Koi
tornou testemunhas das violações cometidas no processo o Presidente da
República Portuguesa, o presidente da Assembleia da República, o
Provedor de Justiça, o Procurador Geral da República, o presidente do
Tribunal Constitucional, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o
bastonário da Ordem dos Advogados e os dirigentes de todos os partidos
com assento parlamentar, tendo enviado a todos "documentos de
prova" sobre a matéria da queixa.
"O Estado português dificilmente poderá evitar ser condenado
internacionalmente, tão gritantes foram as violações de processo
praticadas no julgamento", disse Pedro Redinha. "O Estado
Português construiu em Macau um sistema de justiça evoluído, mas
permitiu que direitos fundamentais dos cidadãos de Macau fossem
violados".
O advogado de Wan Kuok Koi acusou o último governador de Macau, Rocha
Vieira, de "grande culpa" em "violações sistemáticas dos
direitos civis em Macau nos últimos 18 meses de administração
portuguesa, graças a uma convicção de absoluta impunidade, de que não
havia localmente nenhuma instância de fiscalização dos actos do
governo".
De acordo com Pedro Redinha, a queixa foi recebida e registada na CDHNU
com o número 925/2000 para ser apreciada ao abrigo do Protocolo Adicional
ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que prevê a
possibilidade de apresentação de queixas ao orgão internacional por
pessoas individuais.
Pedro Redinha referiu que a apresentação da queixa tem a "razão
moral de ver restaurado o mal feito ao sistema de justiça", mas também
uma "razão material", na forma da exigência de uma
"compensação avultada", para a qual "não foram ainda
considerados valores". A queixa foi enviada à Comissão de Direitos
Humanos "no último dia da administração portuguesa de Macau,
minutos antes da meia-noite do dia 19 de Dezembro de 1999
e da transferência de poderes de Portugal para a China", disse Pedro
Redinha.