UM TESTEMUNHO ORIGINAL
in comentários ao artigo "Rocha Vieira continua na Fundação",
Expresso, 3/6/00
Sou natural de Macau e por decisão em conjunto com a minha esposa para bem
do futuro dos nossos filhos, optei por integrar os quadros da República há
três anos, passando residir em Cacém-Sintra com casa própria comprada
em 1991.
Com idêntica situação vivem algumas centenas de macaenses.
Nenhum de nós gostávamos de deixar a nossa querida terra, onde não há
comparação possível no Mundo, mas como disse, foi pela geração futura
que tomamos essa decisão difícil e esperamos que sejamos recompensados.
Em Portugal todas as famílias macaenses estão bem instaladas, do que me
foi possível saber, praticamente não têm problemas com a integração
nem com o modo de vida porque foram atempadamente planeadas. No fundo
somos pessoas humildes, trabalhadoras e pacificas.
Também há que reconhecer que em Portugal, para além do sol excelente,
vive muito boa gente. Excepções quando estão a conduzir nas estradas são
pessoas completamente diferentes para maus. É também significativo a
diferença entre os portugueses que estiveram em Macau e os de cá, que
nunca lá foram. Os que tiveram sorte trabalhar em Macau, além de
voltarem com mais posse, são pessoas do seu nariz, quando aqui os meus
amigos srs drs andam comigo no metro ou na carris para fugir aos
congestionamento de conduzir.
Macau devia ter sido um bom lugar para viver, trabalhar e melhorar as suas
experiências de vida, mas para muitos foram para tornar-se senhores de
si, sem o mínimo respeito pelos outros.
Tudo isto passou com a pessoa do sr. Rocha Vieira.
Trabalhei no funcionalismo público de Macau muito anos e sei como a sua
vontade prevalecia sobre tudo, basta uma ordem verbal senão por
decreto-lei para colocar em marcha os seus desejos. Não há nada que o
demove, querer é poder. Não atrevo comparar a uma autocracia, mas não
vai muito longe.
Quando gosta do director de um determinado departamento, esse terá vida fácil,
os orçamentos facilitados e os benefícios seguem, até periodicamente
vai jantar à Santa Sancha, o contrário ou acaba o dirigente ou todo os
serviços fica prejudicado a pagar a factura desse desencontro.
Era comum no meu departamento falar de lobies para conseguir um despacho
favorável junto do governador, se o nosso director não conseguir, vai
ter de solicitar o auxílio de interposta pessoa de outro departamento.
Quem não for conotado com o Governador tem os dias contados, mesmo que
seja muito competente e trabalhador árduo.
Prevalece sempre a lealdade e amizade, do que competência e honestidade.
Um determinado serviço público que dá nas vistas em Macau é porque tem
alguém ali abençoado do Governador. Caso contrário por mais importante
ou ncessário que seja não passa de segundo plano.
Dou dois exemplos extremos – A Direcção de Turismo foi um departamento
muito querido e apoiado pelo Governador. O Comando da P.S.P. foi um mau
amado, estagnado e bloqueado.
O sr.Rocha Vieira nunca se identificou como um funcionário público
contratado pelo Estado de Macau como eu, mas com outras funções e
maiores responsabilidades. Julga-se dono da quinta de Macau e lhe ter saído
a sorte grande, sem precisar prestar responsabilidades a quem quer que
seja. Aqui o Presidente da República tem a sua culpa, porque deixou
sempre relegado esta terra de pouca importância estratégica para
Portugal, apesar nunca constituir encargo financeiro, pelo contrário
serviu de fonte a muitos financiamentos politicos partidárias e sociais.
Mas tudo isso ficou para a história.
Macau deixou de ser português e agora o futuro é com os chineses e está
bem entregue.
Só que fico triste e perturbado quando chega noticias do insaciável
apetite do sr. Rocha Vieira e outros continuarem intrometer nos destinos
de Macau.
Nove anos foram muito tempo, é momento de mudanças.
Peço ao bom senso do Presidente de República Jorge Sampaio e Primeiro
Ministro António Guterres, os quais nutro muito admiração, para pôr
cobro a mais abusos e prepotências.
Respeitem a intenção do povo de Macau.
Tenho sérios receios dos macaenses estamos a ser usados e num futuro próximo
colocados entre o fogo aberto, um lado os tais curadores que dizem
defender os nossos interesses e outro, o lado chinês de Macau também
representante da maioria que lá residem.
António
S.B.C.