Jorge Rangel sobre os ataques à FJA e ao Instituto Internacional
de Macau
LAMENTÁVEL
In
Macau Hoje de 1/3/2000
Jorge
Rangel, presidente do Instituto Internacional de Macau, concedeu uma
entrevista ao HOJE, na qual esclarece os objectivos da instituição e a
sua importância para o futuro de Macau. Entre várias questões
abordou-se a informação mediática que recentemente tem atingido o seu
Instituto e a Fundação Jorge Álvares. A este propósito, Rangel
manifestou o seu repúdio pelo que tem sido adiantado em certa Imprensa e
afirmou ser "lamentável a forma feroz e persistente como algumas
pessoas procuraram atingir pessoalmente o general Rocha Vieira e a Fundação
Jorge Álvares".
Ataque
a Rocha Vieira
Lamentável a forma feroz
O
Instituto Internacional de Macau vai realizar em finais de Março a sua
Assembleia Geral, onde será apresentado o seu programa de actividades.
Atendendo ao grande interesse que algumas questões relacionadas com a sua
criação e funcionamento suscitaram, procurámos o seu presidente, Jorge
Rangel, com quem falámos sobre o assunto.
Macau Hoje - O que é o Instituto Internacional de Macau e quais os seus
principais objectivos?
Jorge Rangel - O Instituto Internacional de Macau é uma organização não
governamental, com a natureza de pessoa colectiva de direito privado, de
carácter associativo e sem fins lucrativos, que prossegue objectivos académicos,
científicos, sociais e culturais. Tem sede em Macau e pode estabelecer
protocolos de cooperação com serviços públicos e organismos académicos
e científicos e associar-se a outros organismos com objectivos afins.
Conforme os seus estatutos, o Instituto tem como vocação e objectivos
aprofundar e actualizar os factores culturais da identidade de Macau, na
superior consideração de que as sínteses geradas no diálogo das
culturas são a constante intemporal de Macau, incentivando o intercâmbio
entre as comunidades do Território, promovendo a harmonia, a
solidariedade e o modo de viver próprio das suas populações e
estimulando a elevação do nível cultural, cívico e profissional das
novas gerações com vista ao desenvolvimento sócio-económico e à
afirmação cultural, académica e científica de Macau, projectando-a
para o novo cenário da globalização como moderna metrópole de articulação
de saberes, tecnologias e humanismo.
M.H. - E que actividades desenvolve para atingir esses objectivos?
J.R. - Em grandes linhas, posso referir que as principais actividades
consentâneas com as finalidades do Instituto são a realização de
estudos e investigações em áreas de interesse para a modernização e
qualificação do território e para o aprofundamento e consciência dos
seus factores de identidade, a promoção de acções que contribuam para
a divulgação das raízes culturais das comunidades e dos valores
patrimoniais de Macau, a organização de colóquios, seminários, conferências
e cursos de curta duração, a edição ou co-edição de livros e outras
publicações, a promoção do intercâmbio e colaboração com organismos
internacionais e instituições similares do exterior e o fomento do
relacionamento com os organismos associativos da diáspora macaense.
Centros de Estudos Estratégicos e da Diáspora
M.H. - Os programas de actividades a apresentar em Assembleia Geral
reflectem, portanto, estas grandes linhas estatutárias?
J.R. - Sim. O Instituto teve um período de instalação, em que a sua
gestão foi confiada pelos associados fundadores a três membros, José Ângelo
Lobo do Amaral, Luís Sá Cunha e Rufino Ramos, tendo-lhes competido a
preparação das instalações e a criação de condições para o
arranque formal do Instituto, bem como a realização de eleições. De
acordo com os estatutos, as eleições realizaram-se no dia 16 de Dezembro
e delas saíram os actuais corpos directivos do Instituto. Foi ainda com a
comissão instaladora em funções que se fez a primeira grande actividade
do Instituto: a realização do Encontro da Organização Mundial de
Poetas em Macau, quando poetas de muitas partes do mundo quiseram
homenagear Camões, poeta universal, no último ano da Administração
Portuguesa. Foi um encontro de grande significado e que constituiu um
momento alto da vida daquela organização ligada à UNESCO e apoiada pela
União Europeia. Uma das resoluções do encontro foi a criação em
Macau, na dependência do Instituto, de um centro de tradução literária.
Vão ser criados dois outros centros, um de estudos da diáspora e da
identidade macaense e outro de estudos estratégicos da região Ásia/Pacífico,
para acompanhamento da problemática social, económica, política e
cultural da vasta região em que Macau se insere. Também teremos as
nossas publicações.
M.H. - Referiu há pouco a realização de seminários e cursos...
J.R. - Estão em preparação vários seminários e também os
"Encontros Internacionais de Macau", em que personalidades de
reconhecida competência técnica e científica debaterão, em Macau,
questões candentes da modernidade e do futuro. É esta uma vocação que
Macau deve prosseguir.
Entretanto, entrará em funcionamento a nossa biblioteca e um centro
multimédia, que ficará também à disposição de académicos,
investigadores e estudantes. Dentro de dias estará a funcionar a sala de
conferências do Instituto, com equipamento de tradução simultânea, além
de salas de formação que outras entidades poderão também utilizar.
M.H. - Já há protocolos assinados com entidades do exterior?
J.R. - Com entidades locais e do exterior, todos firmados ainda pelo
presidente da comissão instaladora do Instituto, já que eu só pude
assumir formalmente a presidência do Instituto quando deixei as minhas
funções no governo e, efectivamente, só após as férias que terminaram
no dia 10 de Fevereiro. Foram as férias mais longas dos últimos 20 anos
e as únicas queforam verdadeiramente férias neste dilatado período. De
entre os protocolos, saliento os que foram assinados com Casas de Macau e
com diversos organismos académicos e culturais. Outros avançarão a
curto prazo, para concretização de projectos, realizações e parcerias
ou visando simplesmente o intercâmbio. O Instituto é também membro da
Associação das Universidades de Língua Portuguesa.
Relações com a Fundação Jorge Álvares
M.H. - Quais as relações do Instituto com a Fundação Jorge Álvares?
J.R. - Não existem quaisquer relações protocolares ou funcionais. São
organismos completamente distintos, mas não está, obviamente, excluída
a hipótese de uma colaboração útil no futuro. Aceitei o convite para
integrar o Conselho de Curadores da Fundação Jorge Álvares, por
acreditar que ela poderia contribuir muito positivamente para o reforço
das relações entre Portugal e Macau. Pelos seus objectivos e até pelas
pessoas que a integram, não obstante a polémica que se tentou criar à
sua volta, continuo a acreditar que é importante para Macau que esses
objectivos sejam atingidos. Acho, por isso, que ela deve mesmo prosseguir.
Poderemos, se quiser, voltar a este tema em momento oportuno. Para já,
porém, gostaria de dizer que acho lamentável a forma feroz e persistente
como algumas pessoas procuraram atingir pessoalmente o general Rocha
Vieira e a Fundação Jorge Álvares, ainda em fase de instalação. Uma
das suas grandes preocupações foi criar condições para que muitas
instituições de Macau ou ligadas a Macau, úteis ao seu futuro e à
afirmação e consolidação da sua identidade, pudessem subsistir com
capacidade de intervenção positiva no seio da RAEM. Por isso, ele
contribuiu para que elas tivessem sedes próprias e meios para o efeito.
Foi neste contexto que apareceu também a Fundação Jorge Álvares, para
que, com o envolvimento activo de todos os antigos governadores e de
outras personalidades ligadas a Macau, os apoios a essas instituições e
às suas iniciativas pudessem continuar.
Saíram dinheiros de Macau para isso? Não é uma das responsabilidades da
Fundação para a Cooperação e Desenvolvimento de Macau viabilizar a
cooperação e apoiar especialmente as iniciativas de organizações da
sociedade civil, consentâneas com os seus propósitos, conforme foi
deliberado oportunamente pelo seu Conselho de Curadores? É da
responsabilidade exclusiva de entidades de Portugal o apoio financeiro
futuro às acções de cooperação com instituições de Macau ou cabe a
Macau assumir também a sua quota-parte? Não é bom para Macau que exista
em Portugal uma instituição, onde todos os antigos governadores têm
assento, para continuar a apoiar iniciativas ligadas a Macau? Espero que
as questões que foram suscitadas e que alguns órgãos de comunicação
social persistentemente trataram sejam correctamente clarificadas. Afinal,
quem tem medo da Fundação Jorge Álvares e medo porquê?
M.H. - Contudo, aguarda-se uma clarificação por parte da Comissão de
Inquérito nomeada pelo chefe do executivo e, entretanto, recebemos na
nossa redacção uma carta forjada a ofender os membros fundadores do
Instituto Internacional e coincidentemente um semanário local suscitou dúvidas
sobre o financiamento do Instituto...
Desrespeitar a memória de um macaense falecido
J.R. - Claro! Como pode ir suscitando dúvidas sobre o financiamento de
outras instituições, podendo até ferir a honorabilidade de pessoas
envolvidas.
O Instituto Internacional de Macau, como qualquer organização não
governamental, sem fins lucrativos e com a classificação oficial de
organismo de utilidade pública, pode e deve obter também apoios de
instituições oficiais. É assim em qualquer parte do mundo livre, onde
as fundações públicas existem para apoiar iniciativas privadas da
sociedade civil e actividades de organismos, públicos e privados (e
especialmente estes), que contribuam para a realização de objectivos
culturais, educativos e sociais.
Não sei se foi mera coincidência o facto de ter sido enviada uma carta
forjada, contendo insultos a pessoas ligadas ao Instituto Internacional de
Macau e pedindo-lhe que investigasse o financiamento do Instituto e as
suas "ligações perigosas" (perigosas para quem?) com a Fundação
Jorge Álvares e, logo dois dias depois, o PONTO FINAL me ter contactado
para perguntar como foi feito o financiamento do Instituto. Perguntei ao
senhor Severo Portela, que falou comigo ao telefone ao fim da tarde de
quinta-feira passada, em que qualidade e em que contexto me fazia essa
pergunta, se também se podia perguntar como era financiado o PONTO FINAL
e se essa pergunta tinha a ver com a tal carta, cuja cópia eu tinha em
cima da mesa, remetida por pessoa que se considerava próxima de quem a
forjou. Quem a forjou quis passar por macaense, sem o ser, e com a
colaboração de outrem utilizou abusivamente os nomes de três macaenses,
um dos quais já falecido, o José Basílio, grande amigo cuja memória
foi assim vilipendiada. Outro é de um conhecido karateca, o Mário do Rosário,
também meu amigo, por quem tenho especial consideração e estima e que
jamais subscreveria tal missiva.
O Instituto fez chegar cópias da dita carta a todos os seus associados,
para verem até onde se pode chegar na intriga, na pequenez e na perturbação
soez, intencional e cobarde das instituições. Vamos esperar pelos próximos
folhetins...
Há que consolidar as instituições que estão ao serviço de Macau
M.H. - Podemos saber quantos foram os fundadores do Instituto?
J.R. - De acordo com os seus estatutos, são membros fundadores os
subscritores da sua constituição e as primeiras vinte e cinco pessoas
singulares que a ele se associaram. Entre os fundadores estão muitas
personalidades ligadas a Macau e com serviços relevantes prestados a
Macau. Na Assembleia Geral, cujo presidente é Joaquim Morais Alves, têm
assento todos os associados e é com eles, com a sua participação
activa, com a sua dedicação, o seu saber e a sua experiência, que
iremos construindo o Instituto, que quer seguramente contribuir para a
afirmação da RAEM e para a consolidação do projecto subjacente à sua
criação.
M.H. - Para quando uma revista do Instituto? Também aqui se insinuaram
procedimentos eventualmente incorrectos...
J.R. - Sairá uma em breve, dedicada integralmente à cerimónia de
transferência e a outras actividades com ela relacionadas. Foi aquele um
momento importantíssimo da História de Macau, que se pretende agora
registar numa publicação de qualidade. O Gabinete Coordenador da Cerimónia
de Transferência recorreu à colaboração de dezenas de entidades, públicas
e privadas, para o bom cumprimento da sua importante missão,
responsabilizando-se integralmente pelo financiamento dessa colaboração.
Despachei favoralmente dezenas de propostas, todas estudadas e devidamente
fundamentadas, que o Gabinete me apresentou, para obras, eventos, serviços
e consultadorias. Foi neste contexto que se inseriu também o envolvimento
do Instituto Internacional de Macau, assumindo a publicação de uma
revista de qualidade, comemorativa do acontecimento e que terá
continuidade. Pensei inicialmente que a LUSA poderia fazê-lo, mas foi-me
trazida a informação de que tal não era possível. Foi entendido
que a responsabilidade da edição não devia ser confiada a uma entidade
comercial, mas sim a um organismo de fins não lucrativos, com objectivos
culturais e académicos .
Formalizada a proposta, após reuniões de trabalho de responsáveis das
duas instituições, ela mereceu, naturalmente, a minha concordância .
O Instituto tem idoneidade e capacidade
para
assumir esta responsabilidade, além de ser um organismo de utilidade pública
e de fins não lucrativos. Até por isso, não podia negar a sua melhor
colaboração e creio ser nesta perspectiva que o seu envolvimento deve
ser apreciado. Oxalá o produto final corresponda às expectativas, agora reforçadas .
M.H. - Uma coisa é a notícia de certos financiamentos, alguns de
interesse duvidoso, a instituições locais e outra é a acção
persistentemente demolidora e denunciadora dos apoios concedidos a
instituições portuguesas que
pretendem continuar ao serviço de Macau. Como interpreta essa forma
de perseguição ?
J.R. - Em vez de interpretar, prefiro alertar para a necessidade de se
desenvolver um clima de harmonia e diálogo entre instituições,
especialmente nesta fase da vida da RAEM.
Quando terminei as minhas funções no governo de Macau, fiz a opção de
aqui continuar, retomando uma actividade associativa e cívica, em larga
medida interrompida devido ao exercício de funções governativas. Claro
que é mais cómodo não estar ligado a nada, mas não é esta a minha
postura. Muitas pessoas, até ligadas à nova administração, também
acharam que podia ser positiva a minha permanência, embora eu tivesse
feito saber que o fim da administração portuguesa representaria sempre
para mim o tempo de saída de funções oficiais, mas, obviamente, não o
fim de uma colaboração e de uma participação interventora ou até crítica,
se necessário.
Tive responsabilidades, ao longo de mais de duas décadas, na criação e
desenvolvimento de numerosas organizações cívicas, culturais e
associativas. Fui ou voltei a ser dirigente de várias delas e nenhuma
delas prosseguiu objectivos comerciais. Não faço as coisas por dinheiro.
Quanto ao combate feroz ao último governador de Macau, à Fundação
Jorge Álvares e a instituições que poderão contribuir para o sucesso
de Macau, não posso aceitar, mas já não me surpreende.
Não me canso de dizer que o chefe do executivo representou para mim a
liderança de um projecto político de futuro que tem a ver com Macau, com
a sua autonomia, com a sua singularidade, com a maneira de viver própria
das suas gentes e com os valores que resultam do prolongado encontro de
culturas que a presença de Portugal viabilizou. Todas as instituições
da sociedade civil de Macau são necessárias para que ele possa cumprir a
relevantíssima missão que aceitou. Será que todos desejam isto?
João
Severino
In Macau
Hoje de 1/3/2000