ESCUTAS TELEFÓNICAS 

CARTA AOS GRUPOS PARLAMENTARES
António Passeira, 6/7/00 

 

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Carta aos Grupos Parlamentares

Segue o texto da carta que hoje enderecei a todos os grupos parlamentares da AR:

Senhores Deputados,


Esta carta é dirigida a todos os grupos parlamentares da Assembleia da República.
Há pouco mais de seis meses tiveram lugar em Macau as cerimónias de entrega da administração do Território à República Popular da China. Tanto de Portugal como da grande pátria chinesa vieram as mais altas individualidades, com o sentido de emprestar à cerimónia toda a dignidade que merecia.
Aparentemente tudo correu bem. Discursos de amizade, propósitos de cooperação, apertos de mão, abraços.
Às primeiras horas da madrugada deixou Macau, de avião, com destino a Lisboa, o último governador general Rocha Vieira. Ia acompanhado dos seus colaboradores mais chegados. A maioria dos portugueses, funcionários públicos quase todos, tinham já debandado em busca dos seus lugares na administração pública portuguesa, já que um processo de integração todo ele conduzido numa optica colonialista que não de cooperação, outra saida lhes não deixava. Muitos viviam em Macau há muitos anos, amavam esta terra e tinham sido o verdadeiro suporte dos últimos anos de administração portuguesa. Sentiam-se escorraçados. Contra a vontade da RPC, contra a vontade dos futuros governantes, contra os propósitos tantas vezes afirmados no discurso oficial e politicamente correcto do senhor general, onde nunca faltava a singularidade de Macau. Como se fosse possível a singularidade de Macau sem uma forte comunidade portuguesa.
Horas antes o general Rocha Vieira tinha, num gesto garboso que correu o mundo e comoveu o País, recolhido a bandeira nacional que durante muitos anos flutuara no Palácio da Praia Grande, apertando-a junto ao coração. A imagem abriu telejornais em Macau, na China, em Portugal e em Hong Kong e fez as primeiras páginas dos jornais no dia seguinte. Só vi essa imagem na televisão já que, do local onde me encontrava, não tinha ângulo para a ver ao vivo. Mas o que vi foram lágrimas nos olhos de muitos macaenses e chineses que se encontravam junto de mim.
Ao tempo já se falava à boca pequena de muitos milhões de patacas pagos a certos jornais, pseudo-jornalistas associações de duvidosa representatividade e credibilidade. Ao tempo já se falava de muito roubo ao erário público, de muita corrupção. Mas havia como que um acordo tácito de silêncio para não manchar um processo e uma cerimónia que todos queríamos dignos e prestigiantes para os dois estados envolvidos, para Macau e para a comunidade portuguesa aqui nascida ou radicada.
Um amigo meu dizia, nos dias que antecederam o dia 20/12, mais ou menos o seguinte: logo a seguir ao handover o governador devia ser enclausurado em Coloane. Eu a princípio não concordava, mas só os burros é que não mudam de opinião.
Não foi preciso muito tempo para que viesse a lume a história deplorável da chamada Fundação Jorge Álvares. Digam o que disserem os defensores (cada vez menos) do general, esse triste episódio é, afinal, a síntese da postura de Rocha Vieira e seus apaniguados perante Macau, perante os portugueses e os chineses de Macau. Uma postura colonialista estilo século passado, uma postura de saque, de desmentido na prática diária do discurso politicamente correcto da singularidade, da amizade, da cooperação. O senhor Rocha Vieira tratou Macau como se fosse uma fazenda sua, as gentes de Macau como se fossem os seus contratados (no sentido mais colonialista do termo).
Da Fundação já muito se falou (honra para o Macau Hoje e o Ponto Final e desonra para o Expresso), mas não tanto como era necessário. Certo é que tudo ficará na mesma. O senhor Presidente da República basta-se com a não condecoração do general Vieira no passado 10 de Junho, como se isso devolvesse a Portugal e, sobretudo aos portugueses que teimam em permanecer em Macau, a honra perdida; o senhor primeiro-ministro parece andar mais preocupado com o perigo que vem da Áustria do que com as vergonhas de altos responsáveis portugueses; o senhor Jaime Gama deve considerar que se trata de um fait-divers. Mas - pergunto eu - e a Assembleia da República? Não criou mesmo, a dada altura, uma comissão especializada para o acompanhamento da questão de Macau? Parece não ter nada a dizer.
Os vários artigos publicados em jornais, sobretudo a infeliz carta do general ao seu "Expresso" intitulada A minha verdade sobre Macau e, em especial, os numerosos comentários de leitores indignados tiveram um mérito: o aparecimento de um forum na internet onde a questão dos últimos tempos da administração portuguesa de Macau se vai discutindo. Para que Vossas Excelências possam aceder-lhe aqui fica, desde já, o endereço:

http://www.geocities.com/forum_macau

Ora nesse forum começaram a aparecer, há alguns dias, denúncias vigorosas de crimes gravíssimos cometidos pelo senhor general Rocha Vieira e seus colaboradores mais chegados, designadamente um obscuro delegado do Ministério Público que, por ligações familiares, o general fez director da Polícia Judiciária, António Francisco Marques Baptista de seu nome. Trata-se, nem mais nem menos, de escutas telefónicas ilegais, de perseguições a pessoas e de violação da privacidade dos cidadãos.
Homem de moral duvidosa, Marques Baptista cedo começou a revelar os seus maus instintos. Sempre usou o seu cargo como arma e nele se comportou como um vulgar criminoso. Nesse forum encontra-se um depoimento assinado por mim que relata sumariamente um caso passado com a minha filha. Mas não é isso que me move.
A verdade é que estão chegando ao forum mensagens de antigos colaboradores de Marques Baptista sobre o tema das escutas e extensas listas de cidadãos escutados. Desde a Presidente da Assembleia Legislativa, Anabela Ritchie até um antigo secretário-adjunto para a Segurança de Rocha Vieira, Lages Ribeiro, passando pelo actual comandante da PSP de Macau, Proença Branco, o extenso rol inclui deputados, advogados, magistrados, jornalistas, militares e cidadãos comuns. O argumento de que as mensagens são anónimas não colhe pois, na sua maioria, denotam um conhecimento minucioso da matéria, indo ao pormenor de revelar os números de telefone de cada uma das vítimas. Já lá mora um apelo meu, exactamente com o título APELO, em que exorto todos os que têm conhecimento do assunto a despirem a capa do anonimato e virem a terreiro mostrar o jogo. A verdade é que a comunidade portuguesa de Macau está ainda muito traumatizada por anos de ditadura vieirista e tem medo. Aqueles que, tendo conhecimento da matéria, se encontram em Portugal, têm medo também. É que, segundo julgo saber, o Marques Baptista está no SIS, onde pode fazer vida negra a muita gente.

Senhores Deputados,

Vossas Excelências são os representantes legítimos do Povo Português. Vossas Excelências representam também, para o bem e para o mal, os portugueses que viveram em Macau e os que ainda aqui vivem e querem continuar com honra e dignidade, a prestigiar o nome de Portugal. A Vossas Excelências cumpre averiguar até à exaustão os crimes de Rocha Vieira, Marques Baptista e quejandos.

Saudações democráticas.


Macau, 6 de Julho de 2000

António Passeira, 6/7/00
in Forum Macau

 

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