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UM BANQUETE EM MACAU
in Público, 30/6/00

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Um Banquete em Macau
Por MIGUEL SOUSA TAVARES
Público, Sexta-feira, 30 de Junho de 2000

Em Dezembro passado, recebi um convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) para ir assistir às cerimónias da devolução de Macau à China. O convite especificava que era extensivo a duas pessoas e compreendia viagens, quatro noites de estadia, refeições, despesas e ainda uma ajuda de custo diária (para fazer compras, presumo). Não foi a primeira vez que o erário público me convidou para visitar Macau, sem nenhuma outra obrigação que não a de fazer turismo, e, tal como das anteriores, recusei. A possibilidade de uma recusa deveria estar de tal forma fora das previsões que um funcionário do MNE me procurou insistentemente para confirmar que eu não queria mesmo estar presente naquele "momento histórico".

Num jornal de Macau, li, na altura, aquilo de que já suspeitava: que as despesas com a cerimónia, incluindo as referentes às centenas de convidados idos de Lisboa, seriam cobertas pelo Governo de Macau. E, se bem que diplomaticamente, o jornal levantava a mesma questão que eu sempre levantei perante estes convites: por que razão haveriam os chineses de Macau de pagar aos portugueses viagens de turismo ao território? Imaginei um pobre macaense, com dificuldades para sustentar a família, receber a visita de um cobrador de impostos, que lhe diria: "O senhor fique sabendo que vai pagar cinco contos de imposto extraordinário para que um tal Miguel Sousa Tavares, de Lisboa, venha cá conhecer Macau." Eu, no lugar dele, sentir-me-ia roubado.

Li agora que as cerimónias oficiais da transição de Macau custaram ao território a quantia de 6,3 milhões de contos, o que, no orçamento de Macau, é uma quantia assombrosa: basta dizer que foi quase o dobro do que custaram as cerimónias da retirada da Inglaterra de Hong Kong. Só para "infra-estruturas de apoio à comunicação social" foram mais de dois milhões de contos e para um banquete 315 mil contos (se conseguirmos imaginar, entre todos os convidados locais, os representantes de Pequim e a embaixada ida de Lisboa, o total astronómico de mil pessoas no banquete, mesmo assim chegamos ao fabulosos preço de 315 contos por cabeça para um jantar - um banquete só ao alcance dos delírios do sultão do Brunei).

Por mais que envelheça, por mais que a repetição deste tipo de histórias as torne banais, por mais que as fraquezas humanas, para as quais eu tão abundantemente contribuo, devam ser compreendidas, não me consigo habituar à leviandade com que entre nós se gastam os dinheiros públicos. E poucas coisas, entre as coisas públicas, me parecem tão feias e tão inestéticas como a ostentação de riqueza com dinheiros alheios - os que gastam o dinheiro dos outros com uma largueza que jamais usam com o próprio dinheiro. Eu quero lá saber do fim do Império e do "momento histórico" da transição! O que eu gostaria de saber é quantos chineses de Macau comeriam com os 315 contos que cada português lá gastou num só banquete.

2 - Não sei se conhecem o Abano. Se não conhecem, imaginem uma paisagem que faz lembrar a Irlanda, um terreno inóspito, terminando nas arribas, a pique sobre o mar, com a vista do extenso areal do Guincho à esquerda, os pinheiros atrás e todo o mar em frente. Parque Natural - assim lhe chama a lei e o bom senso dos homens. Quer dizer que aquilo que a natureza fez e nos deu desta forma grandiosa não é lícito aos homens perturbar. É assim em qualquer país civilizado do mundo, é suposto ser assim também em Portugal. Mas, ó, quanta ingenuidade! Em Portugal não há nada que não esteja à mercê da cobiça dos especuladores, não há autoridade que não esteja aberta à compreensão, não há lei que não consinta excepção e, acima de tudo, não há paisagem ou património natural algum que não possa contribuir para o "desenvolvimento".

Com o alto patrocínio da direcção do chamado Parque Natural Sintra-Cascais, com o sempre entusiástico apoio da Câmara de Cascais a tudo o que é construção (neste caso empenhando-se até em prolongar a auto-estrada para servir o "desenvolvimento" que aí vem), o Abano viu aprovado um projecto de urbanização turística, compreendendo vivendas e hotéis, num total de 1200 camas, acompanhadas de outras e habituais "infra-estruturas de apoio", entre as quais o sempre inevitável campo de golfe - apesar de, doutro lado da estrada, na Quinta da Marinha, já existir um feito e outro aprovado e de existirem outros dois num raio de 20 quilómetros.

José Sócrates demitiu agora os responsáveis pelo parque, que autorizaram este acto de vandalismo, e suspendeu a aprovação de construção concedida. Mas não adianta ter ilusões: um razoável advogado e um compreensivo Tribunal do Trabalho julgarão os despedimentos sem justa causa e mandarão reintegrar as "vítimas", com direito a indemnização e a retroactivos, e um sempre compreensível Tribunal Administrativo, com o apoio de um "parecer" de um ilustre mestre de direito, julgará, caso o ministro persista em levantar dificuldades, a favor dos sagrados "direitos adquiridos" dos construtores. É assim que Portugal inteiro está a ser vandalizado, pedaço a pedaço, numa estratégia de aranha, minuciosa e implacável. Hoje é o Guincho, a ria Formosa e São Martinho do Porto, amanhã é a ria de Alvor e a ria de Aveiro. Mas engana-se quem pensar que toda a gente se indigna com este estado de coisas: se assim fosse, já se teriam mudado as leis e haveria muita gente na cadeia. Não há aqui sobra de inocência ou de distracção.

3 - Embrenhada no seu desporto favorito, a dança dos directores (saem uns, entram outros, todos mantendo ou acedendo aos correspondentes vencimentos e engrossando a lista das largas dezenas de directores daquela instituição), a administração da RTP não achou importante assegurar que as imagens dos jogos de Portugal no Europeu chegassem a Timor - nem aos timorenses nem aos muitos cooperantes e militares portugueses que lá estão em serviço. É nestas alturas que só apetece acabar de vez com este cadáver eternamente adiado.

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