Políticos
chocados
Macau
Hoje, 29/5/00
Francisco Letria
Macau
voltou este fim-de-semana ao reboliço político português. Infelizmente,
pela negativa. A classe política portuguesa está chocada e envergonhada.
O último governador de Macau, general Rocha Vieira, veio tarde e a más
horas esclarecer o que todos já sabiam. Que a inexistente Fundação
Jorge Álvares (FJA) não tem pernas para andar. Nos mais diversos
quadrantes políticos, especialmente de fontes próximas do governo e da
Presidência da República, o comentário unânime aponta as farpas a
Rocha Vieira, ao salientar-se que se tratou de um gesto "feio e
gratuito que poderá prejudicar a situação da comunidade portuguesa de
Macau".
Num artigo assinado no semanário EXPRESSO, Rocha Vieira dispara um
violentíssimo e pouco diplomático ataque ao chefe do executivo da Região
Administrativa Especial de Macau, podendo inclusivamente por em causa as
futuras relações entre Portugal e a China e Portugal-Macau. O
ex-governador atacou o poder chinês ao referir a dado passo do seu artigo
que a dignidade do Estado português "foi posta em causa pelo modo
como foi tratado e julgado, pelo poder da Região Administrativa Especial
de Macau". Um "poder" que todos sabemos ser hoje controlado
pela China.
SAMPAIO TEME PERDA DE VOTOS
O artigo de Rocha Vieira provocou de imediato as mais diversas reacções.
Em círculos próximos da Presidência da República tudo aponta para o
distanciamento relativamente ao ex-governador. Jorge Sampaio pretenderá
candidatar-se de novo a mais um mandato em Belém e longe de si a ideia de
ser criticado pela opinião pública por ter pactuado com a transferência
ilegal e imoral de dinheiros de uma fundação pública de Macau para uma
fundação a criar e a ser presidida por Rocha Vieira em Portugal. Com a
agravante de ser do domínio público que o ex-governador era também
presidente do Conselho de Curadores da fundação macaense que enviou o
dinheiro para Lisboa. Os mesmos círculos junto do Presidente Sampaio têm
a noção exacta de que nas próximas eleições presidenciais muitos
votospodem dispersar-se por outros candidatos se os seus potenciais
adversários pegarem neste assunto em termos de culpabilidade solidária
do Presidente Sampaio com Rocha Vieira.
FUNDAÇÃO JÁ NÃO FAZ SENTIDO
Por seu turno, o artigo do general Vieira deixa cair também um rigoroso
ataque ao governo português e a outras entidades de Macau, quando
expressa de modo contundente que a fundação para si "já não faz
sentido" e que por esse motivo apresenta um rol de agradecimentos a
várias personalidades salientando que "Infelizmente, não posso
estender este agradecimento a alguns responsáveis, em Portugal e em
Macau, que conhecendo a mesma verdade dos factos, preferiram adaptar-se ao
que entenderam ser as conveniências das circunstâncias e as suas
variações". Poderá estar implícita nas palavras de Rocha Vieira
uma acusação ao primeiro-ministro António Guterres e ao ministro dos
Negócios Estrangeiros Jaime Gama. Uma fonte do Palácio das Necessidades
afirmou ao HOJE que o artigo do general Vieira "para além de
envergonhar todos os portugueses pelas acusações que atingem um seu
amigo, como o foi sempre o senhor doutor Edmund Ho, poderá incomodar
quantos portugueses decidiram estabelecer-se em Macau". No entanto, a
mesma fonte diplomática confrontada com um comentário que o HOJE
pretendia do ministro Jaime Gama, limitou-se a acrescentar que "o
senhor ministro nada sabe sobre a Fundação Jorge Álvares a não ser o
que foi proferido pelo chefe do executivo da RAEM quando da recente visita
a Portugal: trata-se de um caso arrumado".
MELANCIA CORTA COM NETO VALENTE
Quanto à posição crítica do general Vieira a entidades de Macau, o
HOJE contactou algumas pessoas que exerceram funções governativas no
território, entre elas ex-secretários-adjuntos. Estas entendem a
crítica de Rocha Vieira a personalidades de Macau como simplesmente
dirigidas "aos seus ex-deputados nomeados, particularmente Morais
Alves, José Manuel Rodrigues e Neto Valente, que lhe estavam mais
próximos, e a personalidades que se teriam comprometido com a criação
da fundação, tais como Susana Chou e Anabela Ritchie". Algumas das
personalidades contactadas e que acederam pronunciar-se sobre este tema
adiantaram ao HOJE que a "zanga" de Rocha Vieira com os seus
"amigos" de Macau deverá estar relacionada com a falta de apoio
explícito à FJA e que essa falta de patrocínio poderá ter resultado de
uma recusa por parte do Conselho de Curadores à possibilidade do
ex-deputado nomeado Jorge Neto Valente se tornar
consultor da FJA. Numa das reuniões do Conselho de Curadores da FJA
chegou a ser proposto o nome de Neto Valente para fazer parte do seu
quadro de consultores. Todavia, e para surpresa dos presentes, foi o
ex-governador Carlos Melancia, associado de Neto Valente em vários
empreendimentos, que protestou veementemente contra essa possibilidade,
deixando claro que as suas relações com Neto Valente tinham sido
quebradas ou resfriadas. Um tema que o HOJE tem tentado desenvolver e que
poderá apontar no sentido de Carlos Melancia estar profundamente magoado
com eventuais desenvolvimentos novos sobre o caso "Fax-Aeroporto de
Macau" e que levou um dos melhores governadores do território ao
banco dos réus.
EDMUND HO NÃO GOSTOU DAS FOTOS
O artigo publicado no
EXPRESSO pelo ex-governador Rocha Vieira resulta sumariamente do que
aconteceu durante o encontro entre Edmund Ho e os seis ex-governadores
vivos - todos curadores da FJA - e que se resume à resposta negativa do
chefe do executivo da RAEM quando Rocha Vieira lhe solicitou uma declaração
pública de apoio à FJA, ao mesmo tempo que se deveria manifestar favorável
à cedência do quarto andar da Missão de Macau para sede da Fundação,
e ainda, uma crítica ao teor final do relatório da Comissão
Independente que Edmund Ho nomeara para investigar a legalidade da
transferência dos 1,25 milhões de contos (50 milhões de patacas).
Edmund Ho rejeitou liminarmente o pedido de Rocha Vieira e a partir daí o
ex-governador só ficou descansado quando terminou de escrever a sua
"verdade" sobre Macau e onde acusa de traição Edmund Ho. O
HOJE apurou igualmente que o chefe do executivo da RAEM, durante a sua
presença em Lisboa, ficou profundamente agastado com o facto de, na recepção
que ofereceu a dezenas de convidados num hotel da capital, se ter
proporcionado um encontro com Rocha Vieira num canto da sala, ao qual se
juntaram os restantes ex-governadores, e que tivessem sido tiradas
fotografias em grupo, que incluíam Edmund Ho com Rocha Vieira ao lado do
Presidente Sampaio. As nossas fontes dizem que Rocha Vieira tudo fez para
que isso acontecesse, numa tentativa de ligar Edmund Ho ao apoio público
e necessário à sua fundação.
ÁGUA NA FERVURA
Por outro lado, o Presidente Jorge Sampaio já foi confrontado pelos
jornalistas com o teor do artigo de Rocha Vieira, limitando-se a afirmar
que ainda não o lera, mas que "o seu particular amigo Edmund Ho já
dissera que o caso da Fundação Jorge Álvares estava morto". Das
palavras do Presidente pode deduzir-se o seguinte: por um lado, o
Presidente parece desejar que os curadores da FJA possam decidir-se pela
extinção da fundação e pela devolução dos dinheiros à Fundação
para a Cooperação e Desenvolvimento de Macau e à STDM; por outro, o
Presidente demarca-se categoricamente de Rocha Vieira e sublinha ser
"particular amigo" de Edmund Ho, o que pressupõe que Jorge
Sampaio entende que as afirmações do ex-governador de Macau ao EXPRESSO
são prejudiciais para o
bom relacionamento entre as autoridades portuguesas e chinesas. Daí, a
sua água na fervura...
Francisco Letria
Em Lisboa