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O GENERAL NO SEU LABIRINTO,  Público 2/5/00

 

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O General no Seu Labirinto
Por MIGUEL SOUSA TAVARES
Sexta-feira, 2 de Junho de 2000

Muita gente pensa que o general Rocha Vieira prestou relevantes serviços ao país, como governador de Macau e mesmo antes disso. Eu também. Muita gente gosta da simpatia e do "low profile" do general Rocha Vieira. Eu também. Muito pouca gente não deve favores ao general Rocha Vieira e aos seus antecessores no governo de Macau, de subsídios a viagens e estadias. Eu também não. Pelas três razões anteriores, muita gente se apressou a sair em defesa do general, assim que começaram a vir a público as constrangentes notícias sobre a Fundação Jorge Álvares. Pelas duas primeiras razões, eu esperei que o general, conforme disse e com razão Jorge Sampaio, desse, sobre o assunto, as explicações que manifestamente já tardavam. Sábado passado, através do "Expresso", Rocha Vieira, finalmente, contou a sua "verdade sobre Macau".

Mais valia que tivesse ficado em silêncio. O que Rocha Vieira fez, dito de forma muito simples, foi a delação de Edmund Ho, o actual governante de Macau em representação da China. Rocha Vieira "entregou" Edmund Ho aos chineses, procurando comprometê-lo a ele e a todos os antigos governadores numa decisão que, todavia, reconhece ter sido sua e tomada "no exercício das suas competências".

Aparentemente, e por estranho que pareça, um homem inteligente e íntegro, como o general Rocha Vieira, não se dá conta de que a questão não está em apurar quem é que sabia e quem é que com ele concordou na criação da fundação, a poucos dias da entrega de Macau à China. Será necessário explicar que o problema é que, enquanto nós víamos o general receber, com toda a dignidade, a bandeira portuguesa arreada em Macau, pela porta das traseiras saía um milhão e duzentos mil contos que pertenciam a Macau, para criar em Lisboa uma fundação de que o general seria directamente beneficiário? Será necessário explicar que as fundações se fazem com o dinheiro próprio e não com o dinheiro de outros, com dinheiros privados e não com dinheiros públicos?

E será necessário recordar a um homem com a perspicácia política de Rocha Vieira os problemas que no passado surgiram entre a R. P. China e Portugal, quando Carlos Monjardino resolveu também criar a sua Fundação Oriente? Aliás, não deixa de ser extraordinário constatar como, em contraste com a nula herança cultural que deixámos em Macau, já foram criadas nada menos do que três fundações para se ocuparem das relações culturais entre Macau e Portugal: uma pelo senhor Stanley Ho, outra pelo dr. Monjardino e outra pelo general Rocha Vieira. Todas com sede em Lisboa, todas com administradores portugueses, todas com fundos originários de Macau e do jogo e todas beneficiando de isenções fiscais do Estado português.

Há coisas que, sinceramente, me deixam entre a perplexidade e a revolta. Na semana passada, por exemplo, quis ir mostrar a uma pessoa amiga o Convento da Arrábida - o qual, não sei em que termos nem por que prazo, se encontra concessionado, emprestado ou "emprestadado" à Fundação Oriente. Fui barrado no alto do caminho de acesso por um portão de ferro e um vídeo intercomunicador através do qual o segurança, lá em baixo, me explicou que só se entrava com autorização do dr. Monjardino ou sendo "amigo do dr. Monjardino". Nem visitas guiadas, nem horário de visitas, nem bilhetes de entrada, nem sequer um direito de vista - nada. O dr. Monjardino e a sua Fundação Oriente tomaram conta do Convento da Arrábida, classificado como património nacional e que, em lugar de ser visitável como qualquer monumento público, hoje é, para todos os efeitos práticos, propriedade privada, em nome das relações culturais entre Portugal e o Oriente. E tudo isto, dei comigo a pensar, porque alguns miseráveis chefes de família de Macau perderam nas mesas de jogo do sr. Stanley Ho o dinheiro que precisavam para os filhos e que fez de Macau o casino que ficará como a última imagem do império português. Fomos ao mundo supostamente para evangelizar e acabámos a promover o vício e a tentar trazer connosco a própria árvore das patacas.

A dignidade nacional, invocada pelo general Rocha Vieira no seu texto, só consente, obviamente, uma solução para pôr fim a este lamentável assunto: a devolução a Macau do dinheiro que a fundação lhe tirou. Tudo o resto será incompreensível ou, pelo contrário, cristalinamente indisfarçável.

2. Se a irresponsabilidade, a demagogia e o diletantismo político da bancada parlamentar do PS se aliarem à fraqueza de Guterres para deixar cair o melhor ministro do Ambiente que Portugal teve nos últimos vinte anos, que ninguém acredite em ingenuidades ou inocências. José Sócrates começou a mexer nos subterrâneos da política, lá onde estão os poderes ocultos, os financiadores dos partidos, os corruptores dos autarcas, o Portugal dos "deferimentos tácitos" e dos "direitos adquiridos" sobre o património paisagístico. A co-incineração é um excelente pretexto: derruba-se o ministro do Ambiente em nome da protecção do ambiente. Genial? Maquiavélico? Não, simplesmente rasteiro.

 

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