Macau
: a quem aproveita esta polémica
in
HOMEM Magazine, Nº 135, Junho 2000
Conseguirá
Macau manter o estatuto conquistado de
elevada autonomia perante a China? Esta é a questão fulcral que, em última
análise, parece esconder-se por detrás da polémicas que nos últimos
meses envolveram a Fundação Jorge Álvares e o novo Governo de Macau. Se
a isto acrescentarmos as “ondas de fumo” que varreram a imprensa
portuguesa, pode surgir a interrogação : a quem aproveita realmente todo
este estado de coisas? A Portugal de certeza que não.
É
caso para perguntar: a quem interessa a polémica sobre a Fundação Jorge
Álvares? Consultada a imprensa portuguesa sobre a questão que puxou
para manchete o ex-governador de Macau, General Vasco Rocha Vieira, e o
caso da Fundação Jorge Álvares, algumas questões continuam por
esclarecer.
Segundo
"Homem Magazine" soube, junto de fontes bem informadas, a
"essência da questão é de natureza política" e prende-se com
a manutenção ou não da singularidade de Macau enquanto território com
identidade própria dentro da China, no âmbito da política "um país,
dois sistemas".
Alguns
factos
Fazendo
um breve historial da questão, recorde-se que a publicação do
"testemunho" do General Rocha Vieira nas páginas do semanário
"Expresso" (27 Maio 2000), sob o título "A Minha Verdade
Sobre Macau", e que "Homem Magazine" reproduz nestas páginas,
corresponde a um ponto final do último governador de Macau sobre a questão.
No
referido documento, Rocha Vieira esclarece alguns pontos do processo que
tem origem na constituição da Fundação Jorge Álvares.
Essas razões são explicadas em "A Minha Verdade Sobre
Macau", sob a alegação de que "considera que perdeu sentido
para mim a existência da Fundação Jorge Álvares".
Porqu8? A essa
pergunta Rocha Vieira também responde: "porque foi quebrado um
compromisso expresso, que perante mim tinha sido assumido pelo dr. Edmund
Ho e no qual se baseava a garantia de uma cooperação continuada, séria
e responsável".
A
Fundação Jorge Álvares, constituída legalmente durante a Administração
portuguesa em Macau com fundos de duas origens, a Sociedade de Turismo e
Diversões de Macau e a Fundação para a Cooperação e Desenvolvimento
de Macau, corresponde a um projecto que tem por detrás toda uma
filosofia: o prolongamento da cooperação entre Portugal e Macau.
Seria
através de um canal como este que a Cultura portuguesa poderia manter uma
chama viva no território, ajudando Macau a preservar a sua singularidade,
razão fundamental do estatuto de autonomia de que aufere, pelo menos
durante 50 anos, de acordo com a Declaração Conjunta assinada por
Portugal e a China. Mas Portugal é pequeno perante o gigantismo da China, onde
uma forte e poderosa corrente política não vê com bons olhos o estatuto
algo autónomo do território de Macau, com as suas características únicas
a que a influência lusa não é alheia.
Acresce
que se as atitudes de Edmund Ho, que hoje opõem o actual Chefe do
Executivo da Região Administrativa Especial de Macau ao General Rocha
Vieira, encontram algum eco em Lisboa, talvez se possa encontrar a origem
em sectores que porventura estão sobretudo interessados em desgastar a
imagem do ex-governador.
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"filme" da ruptura
Observador
privilegiado, "Homem Magazine" publica nestas páginas as fotos
exclusivas de vários momentos cruciais do encontro ocorrido em Maio em
Lisboa entre Edmund Ho e Vasco Rocha Vieira, e que levaram à tomada de
posição deste último.
A
vinda de Edmund Ho a Lisboa incluiu-se rum breve périplo europeu e
constituiu a primeira deslocação do Chefe do Executivo depois da
transferência dos poderes de Macau de Portugal para a República Popular
da China.
Nesta
visita em que foi recebido ao mais alto nível, Edmund Ho fez-se
acompanhar de um grupo restrito de individualidades, em que se contavam
nomeadamente Susana Chou, Presidente da Assembleia Legislativa da PAEM,
Francis Tam Pak Yuen, Secretário para a Economia e Finanças, Victor Chan
Chi Ping, Director do Gabinete de Comunicação Social da RAEM, Louis Sou,
"Personal Assistant" do Chefe do Executivo da RAEM, e S.W. Fung
Daniel, assessor do Chefe do Executivo da RAEM.
Através
das fotos publicadas por "Homem Magazine" é possível
acompanhar, como se de um filme se tratasse, fotograma a fotograma, episódios
de um encontro em que Rocha Vieira reiterou o pedido de um diálogo em
privado com Edmund Ho, tendo conseguido levar por diante a sua vontade.
As fotos documentam o acontecido pela seguinte ordem: primeiro, o
cumprimento formal entre os dois políticos, seguindo-se o momento em que
Rocha Vieira reitera o pedido, aceite por Edmund Ho.
Finalmente ambos têm o encontro, sem prejuízo da reunião havida
na mesma ocasião com todos os outros ex-governadores (General Garcia
Leandro, Prof. Pinto Machado,
General Melo Egídio, Ergº Carlos Melancia, Gen.
Lopes dos Santos e Almirante Almeida e Costa), a qual Edmund Ho
teria pensado poder evitar. Susana
Chou, presidente da Assembleia Legislativa de Macau, juntou-se mais tarde
a este grupo de personalidades. Na
sequência do encontro com Edmund Ho, Vasco Rocha Vieira decide abandonar
a presidência da Fundação Jorge Álvares, constituída nos últimos
dias da permanência de Portugal em Macau, com sede em Lisboa e com
"objectives de cooperação continuada entre Portugal e Macau",
tal como atrás foi dito.
Decisão
polémica
A
decisão de Edmund Ho de mandar instaurar um inquérito às condições de
constituição da Fundação Jorge Álvares, embora compreensível
politicamente, carece, segundo alguns analistas, de legalidade, na medida
em que Macau não pode avaliar actos executados durante a Administração
Portuguesa.
Acresce
que, segundo "Homem Magazine" apurou, não só as conclusões não
foram publicadas, alegadamente por falta de fundamento para pôr em causa
a existência da Fundação, como o processo parece ter servido apenas
para lançar dúvidas sobre a transparência do comportamento dos
portugueses em Macau, contentando assim uma facção dura na China que
quer ver os laços com Portugal definitivamente cortados.
Culpas
portuguesas
Perante
o manancial de informação veiculada pela imprensa portuguesa, em boa
parte reproduzindo acriticamente o que foi tendenciosamente publicado nos
jornais chineses, é legítimo perguntar se não temos assistido a uma
convergência objectiva e maquiavélica entre as forças mais radicais e
antiportuguesas da China e do Território, que querem condicionar Edmund
Ho, e alguns sectores portugueses que, por razões diversas, mantêm
contenciosos com Vasco Rocha Vieira.
Assim, resta saber se o actual Chefe do Executivo da RAEM conseguirá
levar por diante o projecto de identidade de Macau.
Será,
pois, caso para perguntar: afinal, quem está interessado em alimentar
esta polémica artificial?
Fontes
por nós contactadas e bem conhecedoras dos assuntos de Macau,
indicaram-nos "tentáculos em Portugal que veriam com apreensão a
sombra que uma Fundação como a Jorge Álvares poderia eventualmente
fazer a outros interesses constituídos".
"As
poeiras lançadas aos olhos dos portugueses têm", segundo as mesmas
fontes, “misturado razões de Estado (ilegitimidade de estrangeiros
poderem analisar actividades e decisões de representantes do Estado
português em pleno exercício de funções) com questões menores do
presente e do passado."
Perante
isto, a pergunta não pode ser outra: afinal,
a quem, cá e lá, serviu ou serve toda esta polémica?
Fundação
Jorge Álvares
General
Lopes dos Santos é o novo Presidente
Informação
de última hora diz respeito à designação do General Lopes dos Santos
para a Presidência da Fundação Jorge Álvares.
A
decisão foi tomada, por unanimidade, pelo Conselho de Curadores da Fundação,
de que fazem parte, estatutariamente, entre outras personalidades, todos
os ex-governadores de Macau, em consequência da indisponibilidade
manifestada por Rocha Vieira para continuar à frente da Fundação Jorge
Álvares.
António
Adriano Lopes dos Santos, de 83 anos, foi governador de Macau entre 1962 e
1966, tendo sido igualmente governador português de Cabo Verde