Cego e Louco
(Menção honrosa no VI
Concurso Nacional de Crônicas Sérgio Porto)
No
começo, era apenas uma leve ardência.
Mas não me
preocupei, ocupado em lutar para viver a vida.
E, num dia
que não cheguei a ver, mas deve ter sido igual aos outros, acordei cego.
E, no
início, às trevas da cegueira juntei as do desespero.
Mas a vida
continuava, e eu não havia morrido; era preciso reaprender a viver.
E
reaprendi.
Descobri,
nas vozes que me juravam amor, apenas piedade.
E, em
vozes que se diziam amigas, sarcasmo ou indiferença.
Com o
tempo, dentro de mim encontrei novas vozes: de amores e amigos.
E da minha
escuridão fiz nascer um novo mundo; mais belo, porque colorido pela imaginação:
-
descobria o nascer do sol pelos ruídos do renascer da vida
- o
movimento do mar pelo marulhar das ondas
- a
alegria das crianças pelo som argentino do riso
- e a lua
cheia pelo murmúrio do vento.
Do dia,
gozava o calor do sol; e da noite,a brisa refrescante.
Como não
havia mais pressa, as minhas horas eram iguais; e por isto pude fazê-las
diferentes.
E, enquanto lutava para viver, esqueci as minhas angústias.
Tornou-se
tão bela a vida, que cheguei a pensar em procurar a felicidade.
Mas
existia em mim, ainda, a saudade das cores do mundo.
Até que,
uma noite, senti uma forte dor de cabeça.
E, na
manhã seguinte, voltei a ver.
Confusamente.
Como se um
pano escuro se fosse adelgaçando diante de meus olhos.
E todos
festejaram a minha cura.
Menos eu,
que no princípio quase enlouquecera de alegria.
É que tudo
se nublou com a ilusão da visão:
- comecei
a achar feia a minha amada, tão linda
- e o sol
não tinha o mesmo brilho
- nem a
lua o mesmo encanto
- nem as
crianças a mesma alegria.
E, em
troca da tranqüilidade, voltaram as coisas que eu havia deixado:
- as
minhas neuroses
- a
ambição
- a
egoísmo
- a
insegurança.
Até que
não pude mais suportar a cegueira da visão.
Numa crise
de sanidade, levei os meus dedos ao rosto.
E
arranquei os meus olhos.
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